Alírio e Glênio: Um grande legado!
É assim que prefiro relembrar a memória e a trajetória de lutas de duas das mais ilustres personalidades da luta popular e da história de construção do Partido Comunista do Brasil-PCdoB no Rio Grande do Norte; me refiro aos camaradas Alírio Guerra de Macedo e Glênio Fernandes Sá.
Por Canindé de França*
Publicado 26/07/2010 10:51 | Editado 04/03/2020 17:08
Se tivéssemos de identificá-los pelos traços da geografia logo diríamos, são filhos do Brasil, de uma região importante e resistente, como foram as suas vidas. Glênio Sá, de Caraúbas no Médio Oeste potiguar, Alírio Guerra, de Curimatá no Sudoeste do Piauí, se localizaram na caminhada da vida e da luta pela bússola da política revolucionária do PCdoB, em tempos de autoritarismo e de cerceamento das liberdades democráticas.
1960 e 1970, anos de muitas resistências
Meados dos anos 60, ainda jovens, muito jovens, presenciaram a inquietação do Partido com os horrores da ditadura militar e dos golpistas que buscavam a todo custo sufocar qualquer manifestação de resistência ao arbítrio promovido pelo regime de exceção.
A resistência era o único caminho, as formas de apresentá-la foram diversas, o cenário da resistência tanto ocorreu no campo como nas cidades. A democracia estava comprometida e a vida em risco permanente.
Guerrilha e patriotismo
Cumprindo tarefas diferentes, mas com o mesmo objetivo ajudaram com o ímpeto peculiar a juventude a edificar as barreiras da resistência, tanto em solo urbano, com em terras rurais. Conscientemente abdicaram do conforto e da segurança do seio familiar e se lançaram a uma jornada de lutas e riscos permanentes, o ambiente era sombrio e a luta desafiadora, podendo até dizer profundamente desproporcional no que diz respeito a contingentes e instrumentos utilizados nas batalhadas do cotidiano.
A Guerrilha do Araguaia foi um demonstrativo de desprendimento e de patriotismo dos militantes e dirigentes do PCdoB, que sem outra alternativa ou meios de lutar pela democracia e liberdade se socorreram da luta armada para dar vida à resistência popular e não permitir que a nossa pátria vilipendiada sucumbisse às trevas da ditadura.
No Araguaia, Glênio esteve presente e participando diretamente, inclusive compondo um destacamento militar na condição de guerrilheiro. Lutou, foi preso, resistiu às torturas e sobreviveu às humilhações impostas pelos algozes e torturadores. Foi um dos poucos sobreviventes da luta armada nas selvas do Araguaia.
Diferente não foi a luta e a conduta de seu camarada Alírio Guerra que, dentre outras privações advindas da resistência contra a ditadura, também passou a viver na clandestinidade, tendo como consequência o seu banimento do curso de medicina da Universidade.
Como os conhecia, tenho plena certeza da dor que sentiram ao saber da derrota da guerrilha e do assassinato e execução de boa parte de seus camaradas que resistiram com bravura. Dor aumentada com a morte do líder estudantil Honestino Guimarães, da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Mesmo na adversidade, continuaram a luta em defesa dos ideais que professavam, acreditando na possibilidade de reencontrar os caminhos que reconduzissem o Brasil ao leito da democracia e do Estado Democrático de Direito.
Regime em decadência
Com o resultado das eleições parlamentares de 1974, a oposição saiu fortalecida, elegendo uma forte bancada, principalmente ao Senado; a ditadura já apresentava sinais de fraqueza, sem, no entanto, abrir mão do regime que comandava. Permanecia no controle do governo e do poder político, apoiado em forte aparato militar e repressivo.
Foi neste ambiente de decadência da ditadura e ainda de forte repressão que, em dezembro de 1976, Alírio e Glênio tomaram conhecimento da Chacina da Lapa em São Paulo, em que foram vítimas importantes dirigentes do Comitê Central do Partido. Na ocasião, foram violentamente assassinados Pedro Pomar e Ângelo Arroio, que havia sido o Comandante Militar da Guerrilha. Mais tarde, sob tortura, perdeu a vida João Batista Drumond (1).
Forjados neste ambiente de luta e resistência, continuaram sua militância. Novos tempos se apresentavam, a luta em defesa da anistia era fato concreto, resultado de uma paciente e firme construção, organizada por diversos segmentos sociais da população, mas sustentada politicamente também pela força e convicção do Partido Comunista em suas diversas frentes de luta.
Lágrimas e sorrisos
Desde a instauração da ditadura militar em 1964, o sorriso era escasso e o semblante contraído; as lágrimas que caíram em abundância com a derrota da Guerrilha e com a Chacina da Lapa regaram o campo da luta política que trazia de volta ao Brasil homens e mulheres covardemente expatriados, em forma de exílio patrocinado pela ditadura.
Retornaram inúmeros patriotas, como João Amazonas, Miguel Arraes, Leonel Brizola e a legendária figura de Luiz Carlos Prestes, com eles chegava também a esperança da conquista da liberdade e da democracia. Como em outros milhares de brasileiros, o sorriso estava também estampado nos rostos de Glênio e Alírio. Enfim, a esperança começava a vencer o medo.
Homens do século passado, de ideias contemporâneas
Final dos anos 70 e início dos anos 80. As suas vidas e militâncias se concentraram em terras potiguares, dedicando-se integralmente à reestruturação política e organizativa do Partido Comunista do Brasil no Rio Grande do Norte.
Com suas contribuições em momentos diversos, foram participes do acúmulo de forças que pôs fim a ditadura. Foram firmes no movimento das Diretas Já e contribuíram na mobilização da vitória de Tancredo e Sarney no colégio eleitoral. Estava definitivamente derrotada a ditadura militar.
Instaurava-se um novo momento, o da legalidade do Partido, que havia tido o registro cancelado e os mandatos parlamentares cassados há quase 40 anos, de 1947 a 1985. Agora o desafio era de outra natureza: estruturar o PCdoB e dotá-lo de condições políticas para as novas batalhas, inclusive as eleitorais, terreno novo e ao mesmo tempo desconhecido para a militância comunista.
Uma década vitoriosa
A década de 80 foi muito importante, pois marca o fim da ditadura em 1985 e o início do processo democrático. Em quase quatro anos tivemos três disputas eleitorais: 1986, 1988 e 1989, sendo esta última a primeira eleição direta para presidente da República.
Glênio e Alírio conduziram o Partido nesta nova realidade, sendo os principais dirigentes políticos em nosso estado. Glênio foi candidato a deputado estadual em 1986 e Alírio candidatou-se a vereador em Natal nas eleições de 1988. Nestas disputas eleitorais o Partido foi acumulando experiências e aumentando a sua influência.
Novas disputas
O primeiro semestre de 1990, foi marcadamente de muita efervescência na conjuntura política nacional. Estávamos nos primeiros meses do governo do presidente Collor de Mello, muitas movimentações tendo em vista a disputa eleitoral que se avizinhava para governo, Senado, Câmara e Assembleia Legislativa.
A marca da nova aliança eleitoral era politicamente de esquerda, composta pelo PCdoB e PT, tendo como candidato a governador Salomão Gurgel (PT) e ao senado Glênio Sá (PCdoB). Nesta eleição, Alírio Guerra concorria a uma vaga na Assembleia Legislativa.
Na noite de 25 de julho, em pleno período da festa de Santana em Caicó, realizou-se um ato político na Câmara de vereadores com a presença da chapa majoritária, de militantes, candidatos e apoiadores da coligação da Frente Popular.
Após o ato ocorreu um jantar de confraternização dos candidatos com os participantes do evento no bairro Barra Nova. Coube a mim levar Glênio até o terminal rodoviário, pois teria que viajar logo em seguida. Conversamos sobre alguns assuntos da campanha, também recebi algumas orientações partidárias para o processo eleitoral em curso. No dia seguinte estava prevista uma atividade de campanha em Currais Novos (RN), e logo seguiriam para Natal.
Mês de festa, dias de tristeza
Já no final da tarde de 26 de julho, duvidei em acreditar na notícia que acabara de receber, dizendo que um acidente automobilístico havia vitimado alguns membros da coligação que estavam em campanha no município serrano de Jaçanã, na região do Traíri.
A confirmação dava conta da morte de Alíro Guerra e Glênio Sá; naquele momento era como se o mundo estivesse se afundando; era assim, inexplicável, não tinha como acreditar. Mas era a pura realidade. Uma dor incontida, nunca em época alguma havia sentido tamanha e pesarosa sensação. Ali estavam, até então, as minhas maiores referências partidárias e de convivência muito aproximada.
20 anos de afirmação e crescimento
Ao completar 20 anos da morte de Alírio e Glênio, não é forçoso reconhecer que apesar da grande perda dos dois principais dirigentes do Partido no RN, conseguimos, mesmo com dificuldades, estruturar do ponto de vista político e organizativo o PCdoB em todas as regiões do estado e em mais de dois terços dos municípios potiguares.
De modo que o legado de Alírio e Glênio permanece vivo e se desenvolvem nos dias atuais, com outros métodos e novas formas, aplicando o conteúdo político dos tempos atuais sem, no entanto, se afastar dos princípios e dos compromissos históricos e ideológicos de outrora.
Homens de pensamento e ação modernizante
Não tenho dúvidas de que nos dias atuais estariam comprometidos e abraçados com o ideário da construção de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento para o Brasil. Mobilizados em torno do nosso projeto político e eleitoral, buscando afirmar ainda mais a identidade e fisionomia do Partido Comunista do Brasil, em âmbito nacional, e em particular em nosso estado.
Creio que estariam firmes, pacientes e com a experiência construída no cotidiano das lutas, sabendo enfrentar os desafios e a nova realidade que a luta institucional e as disputas eleitorais trouxeram para a vida partidária.
Um sonho que vai se realizando
A realidade de hoje é fruto de um longo período de construção, de enfrentamento de concepções e práticas que se manifestam no seio do Partido, principalmente neste momento de ampliação e alargamento de suas fileiras e de sua crescente influência na sociedade.
Somente um Partido ousado, corajoso em suas decisões políticas é capaz de se tornar vencedor, sem abdicar de seus compromissos históricos. Apoiamos a eleição da candidata de Lula, a ex-ministra Dilma Rousseff (PT), que em sua plataforma expressa profundos compromissos com o Brasil e o povo brasileiro.
No Rio Grande do Norte, a nossa opção foi pela composição com o PDT, tendo Carlos Eduardo Alves, ex-prefeito de Natal como candidato a governador e Sávio Hackradt disputando uma vaga ao Senado pela legenda comunista 65.
Maturidade e crescimento
O Partido de Alírio e Glênio, em disputas eleitorais, pela primeira vez apresenta uma nominata robusta; são nove candidatos a deputado estadual, quatro a deputado federal, um ao Senado e um suplente. São ao todo 15 camaradas disputando a eleição pelo Partido com a legenda 65. É um fato inovador para os comunistas do Rio Grande do Norte.
Portanto, o sonho e as ações realizadas por Glênio e Alírio precisam ser continuados Considero que a melhor forma de relembrá-los e homenageá-los é tornar os seus ideais ainda e cada vez mais vivos nos dias de hoje, tornando o PCdoB mais forte, mais unido, coeso em torno dos seus objetivos imediatos e futuros e fundamentalmente identificados com os trabalhadores, o povo brasileiro e com os ideais de uma pátria livre, próspera, soberana e socialista.
Um forte e caloroso abraço aos familiares dos estimados camaradas e todos que honram sua trajetória cotidianamente.
*Canindé de França é advogado e vice-presidente estadual do PCdoB/RN
(1) acréscimo feito pela redação central