A democaracia de Paulo Souto

“Tem gente que ainda não aprendeu a conviver com a democracia, vive saudosa de experiências totalitárias. Não aceitam as diferenças nem o debate de idéias. Eleição para esses indivíduos é uma guerra sem princípios”.

O leitor pode não acreditar, mas a frase acima saiu da boca do ex-governador da Bahia e atual candidato ao posto, se referindo a supostos atos de vandalismo contra suas faixas de campanha em Vitória da conquista (Ba).
 
Por Geraldo Galindo (*)

Antes de entrar no mérito da citação acima, lembraria de um comentário que fiz numa recente Variedade Mundana (minha coluna semanal) sobre a entrevista do ex-chefe do SNI, Newton Cruz, reproduzida várias vezes na Globo News. Em determinado momento o General que vomitava bravatas disse mais ou menos assim: "você fala o tempo inteiro em ditadura (se referindo ao repórter), mas é bom lembrar que vocês (se referindo à Globo e à grande imprensa) nos apoiaram, apoiaram a golpe, estiveram conosco, agora é fácil pra vocês falarem em ditadura". Abro outra janela pra dizer que quando do anúncio do Plano Nacional dos Direitos Humanos e agora com a apresentação da versão inicial do programa de Dilma, a nossa direita fez investida furiosa contra o que chamou “ameaças de totalitarismo” – do suposto fim das liberdades democráticas, da sagrada liberdade de expressão – para eles, é claro.

Fiz essa regressão apenas para reafirmar como são cínicos os promotores da ditadura militar no Brasil. O chefão do SNI foi muito, mas muito feliz no questionamento ao funcionário da Vênus Platinada. Tantas criaturas que hoje bradam por liberdades, não passam de cínicos deslavados, pois não tem eles compromisso algum com a verdadeira democracia. Se for necessário um novo golpe no Brasil para restaurar o neoliberalismo em sua plenitude, e houvesse condições políticas para tal, essas viúvas do regime militar, incluindo aí o PGI, Partido da Imprensa golpista, não vacilariam em executá-lo. Até Sarney, olha só, o Sarney, se sentiu à vontade para a atacar o que ele considera escalada de autoritarismo na Venezuela. Na terra dele, o Maranhão, a ditadura que se foi desde o início da década de 80 no Brasil, ainda permanece, sob novas roupagens.

Voltemos a Paulo Solto. Bem, ele se encaixa perfeitamente nessa turma de hipócritas a que me referi acima – é um exemplo acabado. Amiga leitora, não é curioso um integrante do primeiro escalão dos governos mais corruptos e autoritários que se tem notícia na história do Brasil – o carlismo na Bahia -, dizer que "tem gente que não aprendeu a conviver com a democracia"? Apenas para refrescar a memória, o grupo ao qual o candidato pertence dominou politicamente a Bahia por cerca de 40 anos (controlando tudo: justiça, meios de comunicação, tribunais de contas, parlamentos etc). Eles foram base de sustentação do regime militar e aqui na Bahia não foram poucas as vítimas das torturas, das prisões e dos exílios.

Me vem à memória agora o período em que fui diretor de imprensa do Sindicato dos Bancários da Bahia, quando imperava a tirania de ACM/Paulo Souto. Na época encaminhamos uma campanha contra a privatização do BANEB, Banco do Estado da Bahia, (que seria doado ao Bradesco numa negociata que tomou ares de escândalo). Para conseguir uma agência que tivesse coragem foi uma enorme dificuldade (pois todas eram chantageadas e ameaçadas pela repressão política e fazendária). Sob ordem do aparelho repressivo de ACM/Paulo Souto todas placas de out-door foram SERRAdas. Se alguém fez isso com as propagandas de Paulo Souto é inaceitável, mas ele não tem moral alguma para condenar esse tipo de ação.

Mesmo após o fim da ditadura militar, permaneceu em terras baianas, tudo que se pode considerar como "experiências totalitárias". Comícios de adversários tinham a iluminação suspensa pela Coelba (companhia de Eletricidade da Bahia); passeatas eram reprimidas com violência implacável, os opositores tinham os telefones grampeados (inclusive o meu) e eram ameaçados de morte por telefonemas encomendados; as televisões só entrevistavam os membros do grupo e os adversários eram caluniados sem direito de resposta, prefeitos da oposição eram chantageados pelos tribunais de contas e da justiça etc.

Quem não aceita diferenças nem debates de idéias são aqueles que fizeram o mais criminoso cerco a uma gestão municipal que se tem notícia. Lídice da Mata, eleita prefeita de Salvador, teve as verbas da prefeitura sequestradas pelas empreiteiras e justiça comandadas por eles; os jornais e TVs a achincalhavam impiedosamente; o governo do estado fazia todo tipo de boicote (inclusive esburacando a cidade) e o governo federal, do qual eles participavam, fazia o mesmo, ou até pior.

Eleições sem princípios eram as que Paulo Souto participava. No horário eleitoral eles faziam os mais vis ataques aos adversários e não havia direito de resposta. Quando apenas se citava o nome do chefe, eles ocupavam o horário eleitoral dos demais partidos. Nos últimos dias de campanha, eles sempre ocupavam quase todo a “propaganda gratuita”l com o invariável "direito de resposta", logo eles, os caluniadores, tudo com a complacência de uma despudorada justiça eleitoral. Registre-se ainda que os poucos doadores de campanha dos opositores eram cercados pela Secretaria da Fazenda com todo o tipo de ameaças ( muitos empresários foram embora da Bahia por conta desse ambiente asfixiado).

Paulo Souto é um exemplo real e vítima exemplar de uma "experiência totalitária". Quando governador, não foi candidato à reeleição como queria porque o chefe do grupo não permitiu. Em entrevista o jornal A Tarde na ocasião ele disse que preferia ser candidato à reeleição, “pois não teria vocação para o legislativo”. No dia seguinte ACM o rebateu na imprensa (na verdade foi um tremendo esporro público) dizendo que a vocação dos membros de seu grupo era ele quem definia. O resultado é que Paulo Souto foi o único governador no país que não foi candidato à reeleição – uma humilhação a qual uma pessoa que se respeita jamais permitiria passar em branco. Mas, neste caso, a submissão falou mais alto e ele se manteve fiel às imposições daquele que nunca soube "conviver com a democracia.

O que restou do espólio carlista caminha para o esfacelamento. Esse é o destino daqueles que construíram uma amarga experiência totalitária que infelicitou o povo baiano por longos anos. O debate de idéias Jacques Wagner venceu em 2006 e vai vencer de novo agora.

(*) Geraldo Galindo é da direção estadual do PCdo B