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Bancos públicos para o desenvolvimento

Os bancos públicos sempre tiveram papel histórico relevante, desde o século passado, no financiamento da transformação da economia brasileira em uma das dez economias mais industrializadas do planeta. Especialmente nos dois últimos anos, tiveram atuação ainda mais relevante ao contraporem-se à escassez de crédito imposta pela maior crise do capitalismo mundial dos últimos 80 anos.

Antônio Corrêa de Lacerda *

No Brasil, o efeito da crise não decorreu apenas devido à quebra das linhas internacionais de financiamento que abasteciam parcela relevante do crédito doméstico.
Isso limitou a oferta de crédito, mas a manutenção de uma taxa de juros reais elevada também levou a uma exacerbação da "preferência pela liquidez", dado o elevado prêmio oferecido pelos títulos públicos para as aplicações de curto prazo.

Os dois impactos, o externo e o interno, provocaram uma paralisação da atividade econômica doméstica, o que foi contrabalançado com a atuação anticíclica dos bancos públicos, principalmente BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, associada a outras medidas, como a redução de impostos sobre alguns bens. Isso impediu que a economia brasileira tivesse queda expressiva do PIB, como ocorreu em outros "emergentes", como México e Rússia.

Há ainda um problema estrutural no Brasil, decorrente dos fatores de competitividade sistêmica desvantajosos -basicamente tudo o que afeta nosso poder de competir-, mas que independe da microeconomia das empresas.

Questões como tributação elevada, excessiva burocracia, falhas de logística e de infraestrutura, entre outros, e ainda um fator crucial, a valorização cambial.

O debate sobre a atuação do BNDES tem sido distorcido por, além dos fatores já enumerados, uma visão míope do seu custo para a sociedade, sem levar em conta os benefícios do investimento feito.

As diferenças entre custo de captação, no caso dos aportes do Tesouro Nacional ao banco, são mais que compensadas pelos dividendos gerados e ainda pela receita tributária decorrente das atividades proporcionadas pelo efeito multiplicador dos investimentos.

Há ainda o equívoco no argumento de que a maior parte das empresas demandantes de parcela expressiva dos financiamentos teria outras opções, como o acesso ao mercado internacional de capitais.

Ocorre que, para isso, partindo do princípio de que seriam bem-sucedidas na obtenção de crédito externo, as empresas precisariam, muitas por exigência de estatuto, se proteger, via operações de "hedge" (seguro contra volatilidade cambial) excessivamente onerosas, tornando o custo do financiamento inviável para quem precisa competir no mercado global.

O grande fator inibidor do financiamento de longo prazo no Brasil é a elevada taxa de juros praticada.

É preciso diminuir a remuneração das aplicações de curto prazo, rever a tributação e estimular a concorrência bancária para reduzir os "spreads" (taxas de risco cobradas), bem como fomentar o mercado de capitais como instrumento de "funding" para os investimentos produtivos.

Não deixa de ser estranho que, justamente no momento em que a atuação dos bancos públicos tenha ganhado ainda mais relevância, dadas as circunstâncias citadas, sejam objeto de tanta contestação.

Há, para isso, motivações ideológicas, mercadológicas e ainda, claro, o calor do ambiente eleitoral. Mas é importante que não se perca de vista a questão fundamental: como financiar o desenvolvimento.

* Antonio Corrê de Lacerda é professor-doutor do departamento de economia da PUC-SP e autor, entre outros livros, de "Economia Brasileira". Foi presidente do Conselho Federal de Economia e da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica).