Dança e teatro vivem produção intensa

 Cenário pronto, som afinado, iluminação testada, figurinos a postos, textos e passos nas pontas da língua e do pé, respectivamente, friozinho na barriga e o soar dos três toques da campainha do teatro. O espetáculo vai começar. O público, em silêncio, aguarda com ansiedade o início da apresentação. Esse é o roteiro comum em noite de estreia. Porém, no dia-a-dia, as historinhas de vida de atores e bailarinos aracajuanos não seguem um ritmo tão linear quanto o do roteiro acima. 

Embora a cena seja de muita produção e efervescência, ainda falta público.

A correria e ansiedade dão as mãos quando o assunto é montagem de um espetáculo. Definir figurino, direção, trilha sonora, iluminação, texto, coreografia e ainda lidar com o tempo e contratempos são atividades para poucos. Mas em Aracaju, os poucos têm se multiplicado em outros tantos que fazem movimentar a cena cultural da capital sergipana das zonas norte a sul, de janeiro a dezembro.

Grupos de dança e teatro se proliferam pelos bairros da cidade pulverizando a produção, espalhando sorrisos e arrancando aplausos dos admiradores das expressões artísticas que exploram com maestria o corpo e a mente. Seja por afinidade ou mero profissionalismo, os atores e bailarinos se reúnem, debatem, reivindicam, criam grupos permanentes, recriam parcerias e fazem da difícil vida de artista um espetáculo sem fim.

"Os grupos de Aracaju estão se organizando. Há uma grande movimentação produtiva na capital. Tem muita gente boa fazendo muita coisa boa. Há uma efervescência silenciosa no teatro sergipano. Em todo o estado são cerca de 80 grupos, sendo que apenas quatro têm um projeção maior. Isso porque falta oportunidade de cada um mostrar o seu trabalho, e assim falta público por aqui", diz o ator Bruno Kelvernek, do grupo de teatro Êxtase.

De mesma opinião, a dançarina Maíra Magno afirma o dinamismo cultural que Aracaju vivencia e destaca algumas iniciativas e personalidades que fazem as coisas acontecerem na capital sergipana. "A Semana de Dança, idealizada pelo professor Lindolfo Amaral, e a Virada Cultural promovida este ano pela Prefeitura Municipal de Aracaju são atividades que possibilitam mostrar um pouco do que está sendo produzido aqui. A cena tem crescido bastante e a galera tem casa vez mais buscado se profissionalizar", afirma.

Teatro

Conhecido como a sexta arte, o teatro tem na capital sergipana terreno fértil para a criação. Em meio a figuras marcantes da cena teatral aracajuana, a exemplo do professor Lindolfo Amaral, do ator e diretor da Companhia Stultífera Navis, Lindemberg Monteiro, e do grupo Imbuaça, novos nomes surgem e ganham as ruas e palcos da cidade.

Com talento e humor de sobra para enfrentar o mercado cultural, o grupo Êxtase é um dos destaques do teatro sergipano. Em seis anos de vida, traz no currículo espetáculos que fizeram sucesso e conquistaram prêmios. "Com a peça ‘A chegada de Lampião no Inferno' conseguimos um a boa repercussão, mas foi com ‘Julieu e Romieta' que fomos premiados com quatro estatuetas do Cenym 2009. Também montamos ‘Os Picaretas', um trabalho muito legal que apresentamos em 2007 e 2008, de grande receptividade, e que desejamos remontar no próximo ano", diz Bruno Kelvernek.

Completando a trupe do Êxtase, há a atendente Nathália Correia, a recepcionista Cinthia Santana, o quase psicólogo Marcel Santiago e o seu irmão Mateus. "Esse é o grupo permanente, com encontros e trabalhos constantes. Mas também estamos sempre participando de outros grupos para a montagem de algo, o que é interessante porque há uma troca de experiências. E como não se dá para viver de teatro, trabalhamos em outras atividades", explica Marcel.

De acordo com Bruno, que é o autor dos textos montados pelo grupo – e bem poderia fazer o papel de dublê do ator Vagner Moura, tamanha semelhança -, a interação com os outros artistas se dá, especialmente, na montagem de peças para empresas. "Essa é uma forma que encontramos de ganhar um extra. Muitos empresários têm buscado os grupos de teatro para divertir e informar seus colaboradores. É um outro tipo, ritmo de trabalho, mas também válido. A gente faz uma montagem para empresa em uma semana e, para o teatro, é no mínimo três meses", explica.

Outro grupo que tem seu merecido destaque nos palcos sergipanos, mas evita as montagens empresariais, é a Companhia de Artes Mafuá. Com mais de uma década de formação, possui 35 espetáculos montados, entre os quais estão ‘Os enganos do Amor' (1999) e ‘Rizeiros'(2003). Um pouco maior que a do Extase, a trupe do Mafuá conta com 12 integrantes fixos que se encontram semanalmente para ensaios e debates de novas produções. "Há também aqueles atores esporádicos que participam de uma ou outra peça que demanda mais gente", explica o ator Anderson Charles.

Segundo Anderson, o grupo se concentra mais na produção dos próprios espetáculos, não dispensando tempo para atender as empresas. "Os empresários têm investido mais no ator, inclusive convidando muitos por aí para fazer propagandas e produzir peças para eles, mas nós preferimos manter apenas a nossa produção mesmo. Começamos a vivenciar um período de valorização do ser ator, mas ainda falta um pouco mais de incentivo e investimentos em espaços e na própria montagem dos espetáculos, pois bons profissionais nós temos", ressalta.

Dança

A dança também tem seu espaço cativo na cena cultural aracajuana. E de acordo com a dançarina Maíra Magno, os novos nomes que surgem na arte dos passos são talentosos e têm alcançado boas conquistas. "Desde a chegada do grupo Cubos, em 2007, o pessoal começou a ter um olhar mais profissional. A Cia Cubos foi a primeira companhia que pensou na participação de um diretor, na concepção do iluminador para a montagem do espetáculo. Então isso contribui muito para a qualidade da produção aqui", destaca.

Com a experiência de quem acompanha os trabalhos na área e ensina dança do ventre desde o ano de 1998, Maíra afirma que a movimentação é grande na capital quando o assunto é produtividade. "Vivenciamos um momento singular. A cena está mais movimentada possível, muita coisa sendo feita, muita gente boa surgindo. Estamos num lugar que nunca estivemos antes. A carência está no incentivo, no estímulo de correr atrás para fazer a coisa acontecer. Temos boas iniciativas como a Semana de Dança, graças ao professor Lindolfo Amaral. Temos também a Virada Cultural, e a atual gestão do Ministério da Cultura é muito rica em editais", ressalta.

Os eventos culturais citados pela dançarina também são lembrados pelos integrantes da jovem Companhia Cubos de Dança, que leva o nome de Aracaju além divisas e conquista cada vez mais público pela beleza e profissionalismo dos espetáculos. "Começamos na Semana de Dança. Nos juntamos para fazer ‘As quatro estações de um ser', em 2007. Logo após, sentimos a necessidade de avançar, foi então que montamos a companhia e passamos a montar novos trabalhos", explica o bailarino e diretor da Cubos, Rodolpho Sandes. Completam o grupo, as bailarinas Isabele Ribeiro, Júlia Delmondes, July Ellen Lázaro e Viviane Gonzaga.

O talento dos cinco bailarinos, somado ao avanço da tecnologia, a ajuda de uma amiga e uma pitada de sorte resultou na participação da Cubos no Fórum Internacional de Dança, em São José do Rio Preto (SP). Foram abertas as cortinas dos demais estados brasileiros ao grupo aracajuano. A partir de então, convites para apresentações Brasil afora virou uma constante na vida dos jovens, talentosos e sortudos, da Cia Cubos de Dança.

"Tudo aconteceu muito rápido na vida da gente. Ficamos deslumbrados e eufóricos ao participarmos do Fórum Internacional, mas sempre mantivemos os pés no chão. Reconhecimento é sinônimo de responsabilidade, então é preciso trabalhar mais, se dedicar mais e foi o que fizemos. E assim montamos os espetáculos ‘Brincando', ‘Multipleto' e ‘Reverso'", destaca Rodolpho.

Com ‘Reverso' (2008) a Cubo foi contemplada com o Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna, ratificando mais uma vez o sucesso da companhia. Com dinheiro em caixa, Rodolpho e seu grupo se esforçaram e levaram aos palcos uma nova montagem. "A receptividade do público foi muito boa. Não que os anteriores não tenham sido. ‘Brincando' foi muito natural e ‘Multipleto' já foi bem mais técnico. Mas ‘Reverso' foi o desafio de mostrar o Nordeste com outro olhar, longe do estereótipo da seca. E conseguimos, pois deu tudo certo. A única coisa que deu errado foi uma falha no som no finzinnho do espetáculo, que deu ainda mais brilho à apresentação. Mais uma sorte", revela.

Futuro

Vivenciando o cotidiano e driblando as adversidades, atores e bailarinos aracajuanos continuam a deixar fluir a criatividade e prometem grandes e boas novidades ao público sergipano. A trupe do Grupo Êxtase promete levar aos palcos ainda este ano o seu mais recente trabalho, ‘Os Imprevisíveis', e já planeja fazer uma nova montagem de ‘Os Picaretas'. Já a Companhia de Artes Mafuá está em processo de montagem de duas comédias baseadas nos textos ‘Quem tem farelos?', de Gil Vicente, e ‘A farsa do advogado Pathelin', de autor desconhecido. A previsão de estreia é em janeiro de 2011.

Na dança, a professora Maíra já faz o convite para o Festival Dançando pela Anemia Falciforme, que acontecerá em 30 de outubro com a participação de dois grupos de dança de Aracaju e um de Santa Catarina. De acordo com Maíra, o ingresso do espetáculo será um item de higiene pessoal, destinado à Sociedade de Apoio aos Portadores de Doenças Falciformes.

Enquanto isso, a Cia Cubos de Dança continua viajando pelo Brasil mostrando os seus talentos e adquirindo conhecimento para a montagem de um novo espetáculo, cuja estreia será somente em 2012. Em outubro próximo, a Cubos segue viagem para Belém (PA), onde participa do Festival de Dança Pará. O grupo ainda aguarda a confirmação de participação em mais uma edição do Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (Fiac-BA) e também no Festival Panorama de Dança, que acontece em novembro no Rio de Janeiro.