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Para especialistas, risco de "mexicanização" do Brasil é paranoia

A comparação do PRI (Partido Revolucionário Institucional, do México, que ficou sete décadas no poder) com o PT é imprópria, afirmam cientistas políticos e historiadores ouvidos pela Folha. Mesmo o cientista político Bolívar Lamounier, que escreveu recentemente o artigo "A "mexicanização" em marcha", diz que "é impossível fazer uma comparação literal -daí o uso das aspas".

Mas há pontos de contato, diz Lamounier, um acadêmico ligado ao tucanato. Por exemplo, "o presidente Lula quer reduzir a pó a oposição. E as nossas instituições não funcionam bem como dizem".

O termo "mexicanização" tem sido repetido por figuras ilustres, como Armínio Fraga (presidente do Banco Central de 1999 a 2002), o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso e o deputado federal Fernando Gabeira (PV), candidato ao governo do Rio.

A "mexicanização" ora é invocada como um alerta sobre os riscos de "vivermos uma simulação política", ora como um receio de que um partido exerça o "controle do aparelho de Estado", ora como um elemento para analisar a tendência de "construção de uma coligação única".

No cerne do argumento sempre está, implícita ou explicitamente, a afirmação de que o PT, se confirmadas as pesquisas de intenção de voto para a Presidência e para o Legislativo, vai, aos poucos, tentar suprimir a oposição.

Segundo Carlos Alberto Sampaio Barbosa, professor de história da América da Unesp e autor do livro "A Revolução Mexicana", afirma que a comparação entre PRI e PT não é cabível.

"Há diferenças que vão desde o contexto histórico de formação dos partidos e constituição dos regimes até a maneira como esses partidos se relacionam com o Estado", diz Barbosa.

Para o historiador, é fundamental lembrar que o PT nasceu na sociedade, ao passo que o PRI, no México, teve sua origem "atrelada umbilicalmente" ao Estado. Ao mesmo tempo, diz Barbosa, o PRI exercia "controle corporativo dos movimento sociais e sindicais" no país, enquanto o PT só o faz de forma muito indireta.

Ressentimentro de mau perdedor

Para Cláudio Gonçalves Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV, não existe nenhuma semelhança entre os contextos políticos do Brasil e do México. "Essa comparação é fruto do ressentimento de mau perdedor", afirma.

Couto faz outra comparação para explicar seu argumento: "No tênis, Roger Federer ou Rafael Nadal sempre vencem, mas isso não significa que a competição seja fajuta. Eles simplesmente são melhores".

Segundo Couto, na política, "é perfeitamente possível que um partido vença seguidas vezes sem que isso signifique riscos para a democracia. No caso brasileiro, as instituições funcionam, a oposição existe e é competitiva. Se perder, isso é do jogo".

O historiador Marco Antonio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos e de perfil direitista, também descarta a comparação PRI-PT e lembra que a discussão sobre "mexicanização" do Brasil é antiga e sempre aparece quando um partido consegue alguma "vitória acachapante".

No entanto, diz Villa, podemos ter uma "mexicanização à brasileira": o PT não seria "o partido hegemônico, mas aquele que daria organicidade ao bloco do poder".

O cientista político Alberto Carlos Almeida se junta aos que descartam veementemente a hipótese da "mexicanização", que, para ele, é fruto de preconceito.

"Antes da "mexicanização", que requer 70 anos no poder, deveriam falar em "suecização", pois na Suécia a social-democracia ficou 44 anos, e "japanização", pois os liberais-democratas governaram o Japão por 54 anos. E, no entanto, foram governos democráticos", afirma.

Briga eleitoral

Para Fábio Wanderley Reis, cientista político e professor emérito da UFMG, o momento eleitoral que vivemos, em que a popularidade inédita do presidente Lula o torna o protagonista maior de uma provável vitória eleitoral de feições – e, aparentemente, proporções – também inéditas, é que faz surgir a paranoia da democracia em risco, minoritária mas barulhenta.

"A denúncia de risco autoritário mostra a cara de simples expediente de briga eleitoral. Não é senão de justiça lembrar que a iniciativa da “rerreeleição” não teve a acolhida de Lula, apesar de legalmente poder ser conduzida em termos tão respeitáveis como a introdução da reeleição com FHC. E não creio que alguém se disponha a questionar a independência de nosso Judiciário perante o Executivo, incluída a Justiça Eleitoral ativa e ativista, ou a importância da atuação do STF na revisão judicial das políticas públicas", diz Reis.

Segundo ele, "talvez sejam as propostas sobre controle da imprensa as que melhor servem à paranoia, embora a questão certamente deva ser considerada (afinal, até quanto ao Judiciário o controle externo é recomendável) em termos mais sofisticados do que os resultantes da frequente arrogância ideológica de uma categoria profissional – ou dos interesses correlatos. De toda forma, não se falou de ameaça à democracia quando Sérgio Motta anunciava o projeto de 20 anos de poder do PSDB, assim como não se fala a propósito da prolongada hegemonia de partidos socialdemocratas em algumas democracias europeias exemplares. E não cabe esperar que, para ser democrático, um partido deva tratar de perder eleições de vez em quando", opina.

Fonte: Folha de S. Paulo e Valor Econômico