O quadro atual da campanha para o senado de Pernambuco

Por: Hugo Cortez*

A última pesquisa de intenção de voto para senador em Pernambuco, divulgada pelo Datafolha no último final de semana e realizada entre os dias 08 e 09/set, aponta Humberto Costa (PT) na liderança, com folgados 44%, seguido por Marco Maciel (DEM), com 32%, Armando Monteiro Neto (PTB), com 30%, e finalmente vindo Raul Jungmann (PPS), com 13%.

Brancos e nulos para uma vaga somaram 12%, e para duas vagas, 8%. Indecisos são 32% para uma vaga e, para duas vagas, 21%. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos. Com relação à pesquisa do mesmo Instituto realizada duas semanas antes, Humberto manteve seu índice, Maciel caiu um ponto, Armando subiu um ponto e Raul subiu dois pontos.

Podemos perceber por estes dados duas situações básicas vividas pelas quatro principais candidaturas ao Senado: de um lado, a tendência de Humberto e Raul a terem cristalizadas suas posições e, de outro, a consolidação de uma zona de incerteza envolvendo Maciel e Armando, originada nas tendências à queda apresentada pelo primeiro e de ascensão verificada para o segundo à medida em que o pleito eleitoral se aproxima. Pelo mesmo Datafolha, no mês de julho Humberto tinha 42%, Raul, 11%, Maciel aparecia com 40% das intenções de voto, enquanto Armando então só contava com 29%. As tendências verificadas vêm sendo confirmadas pelas pesquisas realizadas pelos Ibope e Instituto Vox Populi.

Marco Maciel foi tido, inicialmente, como franco favorito por parte de alguns analistas, inclusive devido à sua posição favorável nos primeiros levantamentos de intenções de voto. Houve, porém, quem à época julgasse ser cedo para tal conclusão. Havia um fator indispensável à análise que estava sendo descurado pelos que eram otimistas quanto à situação do democrata.

Em qualquer eleição democrática realizada no Brasil e em quase todos os lugares do mundo, em especial no polarizado Pernambuco, os primeiros segmentos do eleitorado a se definirem quanto ao seu voto são os chamados hard cores (numa tradução aproximada, “núcleos duros”), os contingentes tradicionalmente fiéis às diversas candidaturas. Quaisquer que sejam as circunstâncias, positivas ou negativas, que envolvam seus candidatos, haverá sempre um percentual mínimo de votos para as agremiações políticas mais importantes representantes das diversas posições no espectro político: esquerda, centro e direita. O PT e aliados têm seu eleitorado cativo. Os democratas e tucanos, idem. Eles têm garantidos sempre patamares mínimos de votos. O eleitorado hard core é aquele que define seu voto por critérios ideológicos, principalmente, mas também por outros fatores estáveis como ligações de interesse, admiração pessoal, tradição política, relações familiares e de amizade, gratidão e outros, isolados ou combinados entre si. Por conseqüência, define-se precocemente. Se considerarmos que, pela tradição brasileira, quanto maior a antecedência do pleito menor o percentual de eleitores decididos, devemos concluir que quanto maior esta antecedência logicamente mais peso os hard cores têm nos percentuais de definição de voto dos levantamentos, circunstância que para um desavisado pode gerar expectativas ilusórias. Na verdade, pelo que então representam os hard cores, os resultados de pesquisas realizadas quatro ou mais meses antes dos pleitos muitas vezes divergem significativamente dos resultados efetivos destes.

A maioria do eleitorado em nosso país só define seu voto nas proximidades das eleições, durante a campanha propriamente dita. Espera pelo guia na TV e rádio, pelo noticiário político, pelos debates e entrevistas na mídia, na internet e presenciais aos quais possa comparecer, pelos contatos face a face com candidatos, pelas conversas e reuniões com amigos, parentes e vizinhos, pela orientação da sua liderança política, etc. Vivenciando uma democracia já razoavelmente consolidada, esta maioria direciona-se em sua escolha fundamentalmente por resultados, avaliando os desempenhos pretéritos dos diversos candidatos e das forças que compõem as coligações que eles integram. Pesam, para este contingente, antes de tudo os efeitos práticos de tais desempenhos para a sua vida cotidiana, benéficos ou danosos.

Tendo em conta tais fatores, algumas apreciações podem ser feitas sobre as diversas candidaturas ao Senado em Pernambuco neste momento.

Humberto dificilmente deixará de ser o senador mais votado. É o candidato do PT na Frente Popular de Pernambuco, amplamente conhecido pelo eleitorado do estado por já ter disputado antes eleições para importantes cargos majoritários (apresenta forte recall) e identificado com o Governo Lula, do qual já fez parte como ministro. Na campanha para o Senado, será o principal beneficiado pela avaliação fortemente positiva dos oito anos da gestão do presidente. Conta com o apoio decidido do governador Eduardo Campos (PSB), largamente favorito à reeleição (chegou a 73% das intenções de voto na última pesquisa Ibope), e certamente, como também favorito se beneficiará das deserções do jarbismo. Desponta como o “segundo” senador de um segmento das lideranças políticas locais mais conservadoras aderentes à dobradinha Dilma-Eduardo mas dispostas a apoiar a reeleição do senador do DEM Marco Maciel, que compete na disputa pela segunda vaga diretamente com o outro candidato da Frente Popular, Armando Monteiro Neto (PTB). Para estas lideranças ele será o vínculo com o poder central no objetivo da consecução de projetos e obras de interesse local. Para o eleitor comum figurará como a renovação, a atualização de parte da representação do estado na Câmara alta, atualmente em mãos das forças da situação estadual pré-2007.

Raul Jungmann vem demonstrando uma incapacidade de evolução significativa junto ao eleitorado. Em oposição acerba aos Governos Lula e Eduardo Campos, amplamente bem avaliados no estado, na contramão da tendência fortemente majoritária do eleitorado a eleger Dilma e reeleger o governador, sem a envergadura político-eleitoral e o suporte financeiro dos outros três candidatos, com a deserção da maior parte das lideranças políticas locais do jarbismo, muito dificilmente sairá das proximidades do seu patamar atual. Consciente das dificuldades que enfrentaria para se reeleger deputado federal (a oposição, espera-se, terá suas representações na Câmara Federal e Assembléia Legislativa encolhidas), Raul optou por ser candidato ao Senado, solucionando o longo impasse quanto à segunda candidatura na coligação Pernambuco Pode Mais, considerada por todos como meramente “olímpica” e, por isto, rejeitada pelos líderes mais expressivos desta, ciosos na manutenção dos seus mandatos proporcionais. Busca neste instante apenas se projetar mais junto ao eleitorado com vistas a disputas futuras, em particular para a Prefeitura do Recife em 2012. Deverá ser o quarto colocado nas urnas.

Marco Maciel, o candidato “prá valer” da coligação Pernambuco Pode Mais, é um quadro histórico e uma liderança do conservadorismo no país, para o qual exerce a função de intelectual orgânico formulador de idéias e articulador em nível nacional. Sempre ocupando um cargo público desde a época do regime militar, do qual foi quadro destacado, sempre compondo, juntamente com seu partido (ARENA/PDS/PFL/DEMOCRATAS) o leque de forças à direita do espectro político, embora de perfil pessoal liberal, na sua carreira política foi secretário estadual, deputado estadual, deputado federal, governador, senador, ministro e vice-presidente da República, atuando como elo fundamental de ligação dos grupos oligárquicos regionais do Nordeste com as forças políticas hegemônicas do conservadorismo em nível nacional, notadamente o empresariado paulista. Suas teceduras políticas de décadas certamente criaram vinculações consideráveis com as forças políticas conservadoras locais no estado. É um ícone dos setores que representa, para os quais sua reeleição é uma questão de honra, pois sua derrota teria um significado histórico na política local e exerceria sobre eles um efeito corrosivo e desagregador. Desfruta de prestígio e boa imagem pessoal em significativa parte do eleitorado. É um candidato que pode ser tido como “peso pesado”, com chances reais de vitória. A seu favor, conta ainda com o fato de nunca ter sido derrotado em eleição no estado.
Mas Maciel é oposição às situações nacional e estadual, um candidato afinado com o que atualmente em Pernambuco se identifica como o passado político, com a “velha situação” que a maioria do importante eleitorado recifense rejeitou já a partir de 2000, desde quando elegeu e reelegeu candidatos do PT para a Prefeitura, e com o que a maioria do eleitorado pernambucano começou a rejeitar em 2002, sufragando majoritariamente Lula nos dois turnos, e concluiu em 2006, quando elegeu Eduardo Campos governador em segundo turno por ampla maioria e ajudou a reeleger Lula com votação esmagadora. Trafega na contramão do fluxo político estadual e nacional. Terá contra si nestas eleições não somente a popularidade do Governo Lula, mas também o largo favoritismo do candidato ao governo do Estado da coligação adversária, Eduardo Campos. Em muito pouco poderá se beneficiar do apoio do seu candidato a governador, Jarbas Vasconcelos (PMDB), que na última pesquisa Datafolha de intenção de votos alcança apenas 21% e padece de altos índices de rejeição. Conta principalmente com sua imagem pública remanescente, com o voto ideológico do seu partido e com seus vínculos com lideranças locais interioranas, o que pode não ser suficiente para elegê-lo. Sua queda constante nas pesquisas pode apontar uma dificuldade de expandir seu eleitorado para além dos hard cores da sua coligação.

Com relação à sua imagem, não há como esconder sua marca “passadista”, reforçada pelo esforço da sua campanha de ligá-lo a obras públicas de antanho, inclusive mediante inserções em seu guia eleitoral de imagens antigas suas. Maciel, na impossibilidade de esconder sua condição de opositor aos Governos Lula e Eduardo e, ao mesmo tempo, sem poder atacá-los por tática eleitoral, pretende convencer o eleitorado de que contribuiu no passado para o bom estado de coisas atual. Sem discurso nacional ou local alternativo, corre o risco de passar o recibo de ultrapassado: “Por que ele não conseguiu que na época dele vivéssemos como hoje?” indagaria o eleitor comum. E mesmo parte das suas alianças históricas com lideranças locais está ameaçada pela migração/adesão de muitas delas ao palanque governista.

Armando Monteiro Neto, empresário industrial, ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (FIEPE) e ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), atualmente deputado federal, desponta como o grande competidor com Maciel no pleito vindouro. Embora não tenha disputado eleição majoritária antes (daí porque ainda é pouco conhecido do eleitorado), conta com forte estrutura político-financeira de suporte. Representa na chapa dos candidatos ao Senado da Frente Popular o vínculo do empresariado industrial pernambucano com a nova situação política estadual e nacional. A indústria pernambucana cresceu grandemente dando um salto de qualidade no período dos dois Governos Lula e, em especial, durante os anos de mandato do governador Eduardo Campos. Foi o tempo em que o Pólo Industrial de Suape deslanchou, mas também a fase em que o mercado interno se expandiu fortemente, como resultado da expansão dos níveis de renda da população, gerando um efeito dinâmico na indústria em todo o território estadual.

Armando representa na chapa a outra face do novo, em complementação ao seu companheiro Humberto Costa. Este constitui a vertente popular democrática, de esquerda, e ele a versão empresarial, mais conservadora. Ambos apontam para o futuro, para a continuidade do “novo tempo”. Configuram a aliança entre os setores beneficiários do novo quadro econômico-social. Navegam a favor da corrente, bafejados por um clima eleitoral extremamente favorável. E o empenho do governador Eduardo Campos na pregação do “voto casado”, Dilma/Eduardo/Humberto/Armando, para os cargos majoritários favorece, sobretudo, o último, cuja candidatura é a menos consolidada. Quanto mais for sendo associado a Dilma e Eduardo, maiores serão suas chances.

No confronto entre Marco Maciel e Armando Monteiro Neto, considerado o quadro mais geral presente das campanhas no estado caracterizado cada dia mais por uma ampla vantagem nas pesquisas de intenções de votos para os candidatos governistas nos níveis estadual e federal, não há como não supor que o clima geral vigente favorece o segundo e entrava as possibilidades do primeiro. Em termos mais simples, podemos dizer que a candidatura de Armando encerra mais possibilidades de crescimento na preferência do eleitorado, enquanto a de Maciel tende a debilitar-se. Porém ainda é muito cedo para previsões consistentes no caso dos dois. Teremos de esperar por futuros levantamentos. Ou, talvez, pelas urnas mesmo.

* Sociólogo, Analista em C&T da Fundação Joaquim Nabuco
   Recife, 13/09/2010