Manfredo Oliveira – Eleições

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A Constituição brasileira explicita o horizonte de valores que devem reger nossa vida coletiva e isto se faz pela determinação dos objetivos fundamentais que devem constituir a República Federativa do Brasil: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização” e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Um projeto de governo só pode ser considerado constitucional se fizer destes objetivos a grande meta a ser perseguida, ou seja, se for capaz de articular projetos e ações que caminhem na direção de efetivação destes objetivos básicos da nação.

O debate das eleições presidenciais deveria encontrar aqui o seu cerne: trata-se de se perguntar se as propostas em disputa não só garantem passos já dados nesta direção, mas se abrem chances para avançar no sentido do estabelecimento de um paradigma de vida coletiva, que sem eliminar o combate à inflação e o crescimento econômico, ponha como objetivo central de toda a política econômica a questão social a fim de que um outro Brasil se torne possível.

Numa palavra, um Brasil em que o crescimento econômico possa significar avanço da qualidade de vida de todos, em que se busque com seriedade a preservação dos bens da natureza, um país que se possa orgulhar de suas conquistas na justiça social e, portanto, na inclusão de todos os seus habitantes em condições de vida decente e que por isto possa ser fonte de inspiração para outros países.

O cerne da questão é a discussão de um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil com o compromisso de superar a miséria e a extrema desigualdade que apesar de mais de 30 milhões de brasileiros terem superado a pobreza extrema ainda hoje vitima a sociedade brasileira. A finalidade aqui é pôr a estabilidade monetária e o crescimento econômico a serviço do resgate do destino nacional, da cidadania universal e da soberania efetiva do povo, o que só é possível através de uma repolitização das relações sociais, que submeta o mercado aos fins sociais e ecológicos estabelecidos pelos cidadãos através dos processos democráticos.

Isto significa reconhecer que o mercado não pode substituir a participação ativa da sociedade civil no debate público e democrático sobre os fins de nossa vida coletiva. Com isto se pretende construir uma sociedade politicamente cada vez mais participativa, economicamente capaz de incluir as grandes maiorias marginalizadas e respeitar a natureza, que seja, portanto, social e ecologicamente justa e reconhecedora das riquezas das diferenças.

Isto implica certamente uma avaliação rigorosa dos programas de transferência de renda que ajudaram o país a enfrentar a crise econômica mundial por gerar o desenvolvimento do mercado interno e fortaleceram a democracia por começar a transformar em cidadãos milhões de brasileiros marginalizados e negados em seus direitos elementares.

Neste contexto se situam também os projetos de reforma (Reforma do Estado, Reforma Tributária, Reforma Agrária e Urbana) que estão na agenda nacional desde a década de sessenta do século passado e que sempre encontram enorme resistência por parte daqueles que não estão interessados num Brasil diferente, num país que possa priorizar a sustentabilidade, a erradicação da miséria e da desigualdade social, a educação e a cultura, a luta contra toda forma de corrupção e de mau uso do dinheiro público e que por isto crie mecanismos de controle social dos gastos públicos e estabeleça prioridades no emprego dos recursos disponíveis.

Não podemos esquecer ao votar que não estamos simplesmente votando numa pessoa ou num partido ou coligação de partidos, mas estamos, sobretudo, tomando posição sobre uma proposta de como efetivar os grandes objetivos de um país digno.

Manfredo Araújo de Oliveira é filósofo e Professor da UFC

Fonte: Jornal O Povo

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