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"Milagre da Irlanda": déficit de 32%

Não acreditavam naquilo que estavam ouvindo. Não acreditavam naquilo que estavam lendo. O ministro das Finanças da Irlanda, Brian Lenihan, anunciou algo incompreensível: O déficit do orçamento do país para este ano atingirá 32% do Produto Interno Bruto (PIB).

Por Laura Britt, no Monitor Mercantil

Atenção, ele estava se referindo ao déficit, não à dívida pública. É aquilo que está definido no Acordo de Estabilidade e Desenvolvimento da União Européia (UE) em até 3% do PIB.

O governo irlandês de direita de Brian Kowen, vendo que os irlandeses têm baixado a cabeça e não reagem contra as medidas do verdadeiro pesadelo de frugalidade, com objetivo de "tirar o pé da lama" dos bancos que jogaram famigerados jogos especulativos, decidiu destinar ainda algumas dezenas de bilhões de euros para favorecer o setor bancário.

Assim, o déficit do orçamento da Irlanda, que já se encontrava em 14,1% do PIB, o pior da UE durante ano passado, ao invés de 11% que calculava-se para este ano, explodirá à inacreditável e inédita alta de 32%. Mais de dez vezes superior ao limite definido em Maastricht.

Obviamente, o fato refere-se à Irlanda, um país que, apenas em 2007, registrava superávit e não déficit em seu orçamento. Um país, cuja dívida pública em 2007 atingia apenas 25% do PIB. Contudo, a decisão do governo de obrigar os contribuintes a pagarem os prejuízos dos bancos privados levou a Irlanda à derrocada econômica total.

A dívida pública, a qual, em antítese com o déficit, é um volume que dificilmente aumenta e diminui e, particularmente, sua redução exige frequentemente décadas inteiras, galopa na Irlanda com ritmos loucos: de 25%, em 2007, aumentou para 43,9%, em 2008, e ano passado – sempre por causa dos bancos – explodiu em 64%.

Neste ano, a decisão do governo irlandês, destinando algumas dezenas de bilhões de euros a mais aos banqueiros, fez decolar a dívida pública a 99% do PIB, segundo afirmação do próprio ministro da Finanças.

Tigre sem dentes

Não é necessária filosofia para alguém perceber que 99% é um golpe de propaganda – isto é, a dívida da Irlanda na realidade superará o nível de 100% do PIB neste ano e, simplesmente, os burocratas do governo anunciam inicialmente número que não é de três dígitos, por motivos psicológicos e de política de comunicação. Aliás, o mesmo golpe baixo está desferindo o governo belga à população do país.

Entretanto, a derrocada da Irlanda tem excepcional importância sob o ponto de vista político, econômico e ideológico. Há mais de uma década a conversa sobre o tal Tigre Celta havia deixado a Europa inteira com dor de cabeça, projetando sobre a UE a extrema política neoliberal do governo de Dublin como exemplo a ser imitado. Mas a católica submersão da economia irlandesa estourou a bolha neoliberal, provando o perigoso absurdo que constitui esse modelo e levando à tragédia uma população inteira.

Até o jornal londrino Financial Times escreve – com sarcasmo: "O Tigre Celta, há muito tempo, pegou seu chapéu e desapareceu na escuridão da noite. E qual é a conta que deixou para trás? O anúncio de que a conta para a salvação dos bancos privados da Irlanda deverá atingir 50 bilhões de euros, provando a paráloga escala da crise bancária".

O governo de direita da Irlanda mostra que não hesita em atender a bancos e banqueiros. E com o déficit explodindo em 32% do PIB e a dívida pública atingindo 100% do PIB, desistiu – em pânico – da decisão de emitir bônus até junho do ano que vem.

Assim, ao invés de contrair empréstimo, com taxas de juros seguramente extorsivas, decidiu botar a mão nos 24 bilhões de euros do Fundo de Aposentadorias e Pensões do país e entregá-los aos banqueiros. E ano que vem deverá contrair empréstimo de pelo menos 10 bilhões de euros para pagar as aposentadorias e os salários do funcionalismo público do país.

Fonte: Monitor Mercantil