Valton Miranda – Caros colegas médicos

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Desde muito jovem me interessei por medicina, psiquiatria, psicanálise e política, sendo igualmente um leitor voraz de romances e biografias. O meu percurso está dividido entre a política e a psicanálise sempre com a preocupação fundamental de ser coerente e ético em tudo que faço.

Durante os “anos de chumbo” do autoritarismo militar lutei na clandestinidade contra a ditadura porque embora marxista por rebeldia nessa época, tinha a convicção de que a liberdade só é alcançada num regime com características democráticas. A minha filiação ao socialismo de esquerda nunca me impediu o exercício crítico e autocrítico na relação com aqueles com os quais convivo em partidos e organizações. A mesma postura pode ser verificada com relação a medicina e a psicanálise em meus artigos, livros e palestras.

A minha visão da práxis transformadora revolucionária é baseada no respeito aos outros, às diferenças de opinião que sempre estão no contexto do debate justo e sincero de idéias e projetos. Caso alguém queira verificar verá nos meus artigos que não sou um lulista inconseqüente porque faço a crítica do seu personalismo em vários textos. Isso, entretanto, não me impede de ressaltar com vigor os extraordinários avanços alcançados pela sociedade brasileira durante a era Lula. Tal fato é mundialmente conhecido por historiadores, políticos e pensadores a esquerda e a direita.

Nesse momento escrevo esse texto porque fico vivamente impressionado com a dificuldade que alguns colegas médicos tem de entender a importância da continuidade de tão grandioso projeto. O caminho que Lula tomou nada tem a ver com socialismo mas com o grande empenho social da esquerda e desse extraordinário líder operário que é o atual presidente da República. Se cada um de vocês se der ao trabalho de ler alguns números do Financial Times de Londres verá através do órgão mais importante do capitalismo mundial que não estou sendo falacioso.

Creio que a hesitação de alguns colegas em votar em Dilma Rousseff se deve ao incorreto enfoque desenvolvido pelo debate eleitoral através dos meios de comunicação. Assim, tratar a questão do aborto tão estupidamente como está sendo feito é um debate de terríveis conseqüências quando não compreendido corretamente. A deontologia médica da questão embrionária e fetal deve ser examinada a luz de argumentos científicos e sociológicos não cabendo aqui o fundamentalismo religioso que acaba imperando nessa discussão. Naturalmente é preciso ter respeito pelas diversas religiões, mas todo fundamentalismo termina em terrorismo.

O debate político foi desviado das grandes questões que dizem respeito ao desenvolvimento do país e ao princípio do bem-estar social para atingir uma moralidade de ocasião que nada tem a ver com a verdadeira ética pública. Não culpo o candidato José Serra embora o veja como representante da elite financeira paulista que privatizou o país, penalizou os movimentos sociais e praticou uma política de arrocho salarial porque ademais todo candidato representa um projeto político de esquerda, direita ou centro.

Durante séculos a elite econômico-política brasileira esteve com seus olhos voltados para os EUA e para a Europa enquanto os olhos de Lula se voltaram para as periferias das grandes cidades onde pulsa o coração do nosso povo e para o nordeste que foi sempre tratado como submundo de população inferior, portanto, incapaz para o desenvolvimento e o progresso no capitalismo. Essa falácia está sendo desmentida pelos avanços que a integração regional vem demonstrando. Portanto, nesse momento quando surge uma nova e vigorosa classe média e mais de 30 milhões de brasileiros saem da miséria, enquanto no plano internacional o Brasil recebe o respeito das nações não é possível entregar a direção do país exatamente àqueles que sempre foram contra esse caminho do desenvolvimento econômico e social. É mister sair dessa discussão tola que confunde bondade arrogante com virtude e moralidade oportunista com verdadeiro princípio ético.

O processo político eleitoral impregnado de técnicas de publicidade e interesses econômico-financeiros acaba levando a um vale tudo no qual nem mesmo a honra pessoal é poupada. Isso acontece atualmente em todos os países do mundo ocidental capitalista sendo necessário está atento a tais manipulações. Nesse momento muitas vezes tenho a impressão de que estamos voltando para a politicagem interiorana do século passado quando o principal objetivo era apenas fazer crer que o adversário era ladrão. Assim, espalhar boatos, difamar e mentir acabavam tendo algum efeito pois como dizia um célebre político mineiro “minta mas minta muito porque sempre vai sobrar alguma coisa dessa mentira na cabeça do eleitor”.

Não creio que Dilma Rousseff seja nenhuma santa de uma perspectiva pessoal mas certamente Serra também não o é. Além disso essa não é uma disputa para o cardinalato nem para ingresso num mosteiro de monjas. É preciso examinar a história do Brasil e comparar tudo o que aconteceu desde 1964 até agora para decidir se vale a pena retroceder com Serra ou avançar com Dilma.

Valton Miranda Leitão é médico psicanalista

Fonte: Blog do Valton Miranda

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