Califórnia pode ser o 1º estado americano a legalizar maconha
Em meio às eleições legislativas, a Califórnia vai decidir na terça-feira (2/11) se permite ou não o uso de maconha para fins recreativos. Seria o primeiro estado americano a regular o uso da erva de maneira semelhante ao do álcool. O plebiscito sobre a maconha vai ser realizado ao mesmo tempo em que os californianos escolhem o novo governador, senadores e deputados.
Publicado 02/11/2010 17:20
Nacionalmente, serão renovados todos os cargos da câmara e 1/3 do Senado. Cada estado também pode decidir sobre emendas às leis regionais – é aí que entra a Proposição 19. Se aprovada pela maioria simples dos eleitores, a Proposição permitirá a adultos maiores de 21 anos possuírem, cultivarem e transportarem a maconha para uso pessoal (não mais de 28,5 gramas).
Além disso, as administrações locais poderão permitir a venda e o consumo em estabelecimentos licenciados e regulados. Segue proibido o uso em locais públicos, escolas, diante de menores e enquanto o usuário estiver dirigindo.
“A lei pode causar uma grande mudança ao alterar o paradigma”, diz o professor de História Moderna na USP Henrique Carneiro, autor de Pequena enciclopédia da história das drogas e bebidas. “Vai criar um clima novo sem a limitação do direito ao uso. Isso pode se espalhar para outros estados americanos e causar uma mudança imediata na relação com o México, um dos casos mais agudos de violência causada pela guerra contra as drogas”, disse ao Opera Mundi (leia entrevista completa).
Hoje em dia, a Califórnia já é um dos estados mais liberais em relação à erva. A legalização do uso medicinal da maconha foi aprovada em um plebiscito em 1996. Na teoria, pacientes com doenças graves como câncer, anorexia, glaucoma ou artrite têm o direito de obter receita médica para comprar maconha e aliviar o seu sofrimento. Na prática, usuários com dores de cabeça, estresse ou falta de apetite conseguem obter a receita sem maiores problemas.
Estima-se que cerca de 200 mil pessoas tenham receita para fazer uso medicinal no estado. “Aqui é muito diferente do meu estado”, diz o estudante Bryan Gibel, de 28 anos, que nasceu no Novo México e hoje mora na cidade de Oakland, na Califórnia. “É muito comum ver estabelecimentos que vendem maconha para uso medicinal, você vê anúncios nos jornais, todo mundo tem um amigo ou conhecido que tem um cartão para o uso médico… As pessoas se acostumaram a isso. Não é mais um tabu”.
Debate
Um dos principais argumentos em favor a legalização é a previsão de aumento na receita municipal e estadual advinda de mais impostos. Defensores alegam que a taxação do comércio de maconha pode gerar uma arrecadação extra de até 1,4 bilhão de dólares (cerca de 2,8 bilhões de reais). Não é à toa que a lei se chama “ato de 2010 para regular, controlar e taxar a cannabis”.
Admitindo o fato de que o uso já é quase legal no estado, os favoráveis a legalização dizem que se o comércio for regulado, as gangues de traficantes vão perder mercado, reduzindo seu poder nas comunidades e consequentemente a violência.
Na semana passada, o ex-chefe de polícia de San José, Joseph MacNamara, estrelou um anúncio de TV pedindo votos para a proposição. “Gastamos milhões de dólares todo ano prendendo pessoas por posse de marijuana, mandando-as para julgamentos e aprisionando pequenos criminosos. E mesmo assim a maconha é facilmente acessível a quem quiser comprá-la. Hoje, porque é ilegal, adolescentes conseguem comprar marijuana mais facilmente do que cerveja. A Proposição 19 vai tirar a maconha das mãos dos criminosos e passar para vendedores licenciados. Assim, vai ser mais fácil mantê-la longe das nossas crianças”, escreveu ele em um artigo no site Huffington Post.
O argumento é refutado pelos opositores. Um relatório publicado em outubro pela empresa de pesquisas Rand Corporation diz que a venda de maconha representa entre 15 e 26% da renda dos cartéis de droga, e a perda desse “mercado” não teria impactos significativos. “O relatório mostra que legalizar a marijuana não influenciaria muito o tráfico de drogas vindas do México e a violência relativa a ele”, diz o porta-voz da campanha “Não à proposição 19”, Roger Salazar.
Para eles, a aprovação da lei pode mandar a “mensagem errada” para a sociedade, incentivando o uso da droga. Além disso, o advogado-geral dos EUA, Eric H. Holder Jr, afirmou que o governo é contra a legalização e pretende agir “vigorosamente” se a lei passar. Para ele, qualquer estabelecimento que vender maconha vai estar produzindo provas de crime federal.
“Qualquer policial de patrulha, juiz ou advogado distrital diria que a Proposição 19 é uma iniciativa falida que traria um monte de pesadelos legais e poria em risco a segurança pública. E também transformaria a Califórnia em motivo de piada”, escreveu no jornal Los Angeles Times o govenador Arnold Schwartzenegger, contrário à legalização.
Campanha
O debate tem esquentado nas últimas semanas, trazendo o apoio de diversas celebridades. O milionário George Soros não só apoiou como doou 1 milhão de dólares para a campanha. O ator de Hollywood Danny Glover também anunciou apoio, dizendo que negros e latinos são os que mais acabam na cadeia quando pegos com pequenas quantidades da erva.
Na semana passada, o comediante Zach Galifianakis, do seriado de TV “Due Date” defendeu a legalização em um programa de entrevistas no canal HBO – e fez uso da droga para mostrar sua posição.
A campanha tem esquentado também nas ruas, onde voluntários dos dois lados têm feito um trabalho de conscientização dos eleitores. O site Yes on 19 disponibiliza um roteiro para quem quiser buscar votos por telefone. Nos útlimos dias, o tema tem ganhado força no twitter, com perfis favoráveis e contrários constantemente repercutindo artigos e pesquisas de opinião. Os contrários a legalização, por sua vez, chegaram a postar no Youtube um vídeo satírico em que Hitler defende a Proposição 19.
“A discussão tem chegado a lugares pouco comuns”, diz Bryan Gibel. “Outro dia eu estava almoçando com a família da minha namorada e entramos num debate com o pai dela, que não é super liberal. Nunca usou drogas e é totalmente contra. Mas ele não sabia que ia votar a favor da proposição, e nós ficamos tentando convencê-lo. A discussão tem entrado no debate público”.
Pesquisa
Apesar do empenho dos dois grupos na campanha, as pesquisas de opinião mostram uma pequena diferença entre as duas posições.
Em 22 de outubro, uma pesquisa feita pelo jornal Los Angeles Times com a Universidade do Sul da Califórnia afirmou que 51% dos eleitores devem votar contra a proposta enquanto 39% devem votar a favor. Quatro dias depois, uma pesquisa do instituto Public Policy Polling apontou 45% de eleitores a favor e 48% de contra a legalização.
Os oposicionistas têm celebrado a virada, já que até setembro, as pesquisas apontavam que a maioria dos eleitores apoiava a proposta. A mesma pesquisa do Public Policy Polling mostrava uma relação de 47% a favor e 38% contra. Mas como os são muitas as pesquisas e os critérios, além de terem uma grande margem de erro, o resultado nas urnas permanece incerto.
Fonte: Opera Mundi