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Novas Raízes são necessárias

Há 53 anos um renomado escritor procurou, por meio do retrospecto histórico do Brasil, explicar a situação que a sociedade enfrentava naquele momento. Deu ao livro o sugestivo nome: Raízes do Brasil. Nele, Sérgio Buarque de Holanda analisou os fundamentos do destino histórico do país.

Por Gabriela de Moraes Montagnana*

A obra, contudo, continua atual e pode ser utilizada para que se possa compreender o pensamento político-social brasileiro.

Tendo em vista o momento político pelo qual passa a nação brasileira, transcrever um pouco destes fundamentos corresponde a presentear a sociedade com um poderoso instrumento não só de compreensão, mas também de luta para as tão aclamadas e pretensiosas mudanças no modelo político existente.

Constata o autor: “A tentativa de implantação da cultura européia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em conseqüências. Trazendo de países distantes nossa forma de convívio, nossas instituições, nossas idéias, e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda hoje uns destrerrados em nossa terra.”

Sem dúvida o país recebeu a herança da nação ibérica. Para portugueses e espanhóis o valor a pessoa humana atribui-se a partir da autonomia de cada um em relação ao outro. “Cada qual é filho de si mesmo, de seu esforço próprio de suas virtudes”.

“A falta de coesão em nossa vida social não representa, assim, um fenômeno moderno”.
Não se pode negar que, em regra, só raramente o cidadão brasileiro se aplica de corpo e alma a um objeto exterior a si mesmo. E ainda, que “a personalidade individual dificilmente suporta ser comandada por um sistema exigente e disciplinador”.

Isso advém do fato de que “no exame da psicologia desses povos é a invencível repulsa que sempre lhes inspirou toda moral fundada no culto ao trabalho. Sua atitude normal é precisamente o inverso da que, em teoria, corresponde ao sistema do artesanato medieval, onde se encarece o trabalho físico, denegrindo o lucro. Só muito recentemente, com o prestígio maior das instituições dos povos do Norte, é que essa ética do trabalho chegou a conquistar algum terreno entre eles. Mas as resistências que encontrou e ainda encontra têm sido tão vivas e perseverantes, que é lícito duvidar de seu êxito completo”.

O colonizador, de índole mais aventureira que trabalhadora, não é aqui digno de elogio, de fato, nem poderia ser considerado como tal, uma vez que o Brasil é para ele mais um lugar de passagem e exploração.

Conclui o autor que a carência dessa moral do trabalho se ajustava a uma reduzida capacidade de organização social. A solidariedade entre esses povos existe somente onde há vinculação de sentimentos mais do que relação de interesses. O modelo reinante era o da família patriarcal, onde apenas os interesses do núcleo familiar formado não só por pai, mãe e filhos, mas todos os demais agregados eram os que deveriam ser buscados.

“Desta forma, não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário “patrimonial”do puro burocrata conforme a definição de Max Werber. Para o funcionário
“patrimonial”, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem as especializações das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos”.

Ainda hoje se pode afirmar como o fez Sérgio Buarque de Holanda na obra aqui ressaltada e aclamada, “a escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que merecem os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacitações próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida do Estado burocrático.”

"No Brasil, pode-se dizer que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal”.

Com o objetivo de alterar esse quadro duas saídas foram adotadas e até hoje perduram, sem sucesso, contudo. A primeira, a pura e simples substituição dos detentores do poder público. A outra, só aparentemente mais plausível, tentar compassar os acontecimentos segundo sistemas, leis ou regulamentos. Porém, se sabe que leviano por demais é acreditar que a letra morta pode influir por si só e de modo energético sobre o destino de um povo.

“Nesse erro se aconselharam os políticos e demagogos que chamam atenção frequentemente para as plataformas, os programas, as instituições, como únicas realidades verdadeiramente dignas de respeito.”

Mas o certo é que é essa vitória só consumar-se-á, como salienta o autor, quando foram liquidados os fundamentos personalistas e, por menos que pareçam, aristocráticos onde ainda se assenta nossa vida social.

O dia em que o povo tiver a consciência de que é responsável pela existência de uma sociedade justa e igualitária e que colocar em prática a conduta solidária tão desejada, até mesmo pela letra fria das leis, o país vivenciará um novo quadro político-social.

Atender a um dos chamados da presidente Dilma Roussef, recentemente eleita para governar o Brasil, no seu primeiro discurso oficial no dia 31 de outubro após a proclamação do resultado das eleições, pode ser um bom começo:

“(…)Por isso, reforço aqui meu compromisso fundamental: a erradicação da miséria e a criação de oportunidades para todos os brasileiros e brasileiras.

Ressalto, entretanto, que esta ambiciosa meta não será realizada pela vontade do governo. Ela é um chamado à nação, aos empresários, às igrejas, às entidades civis, às universidades, à imprensa, aos governadores, aos prefeitos e a todas as pessoas de bem.

(…)A erradicação da miséria nos próximos anos é, assim, uma meta que assumo, mas para a qual peço humildemente o apoio de todos que possam ajudar o país no trabalho de superar esse abismo que ainda nos separa de ser uma nação desenvolvida”

O reconhecimento dos governantes de que não se governa sozinho, revivendo as raízes do país aqui expostas, pode-se afirmar, é certamente uma grande revolução social.

* Gabriel de Moraes Montagnana é advogada especialista em ciências criminais