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Em reunião de gatos-pingados, PSDB inicia divórcio do DEM

O PSDB quer se livrar da companhia do DEM, seu principal e mais fiel aliado nos últimos 16 anos. Não deixa de ser uma atitude recíproca — líderes “demos” também já expuseram que o ex-PFL se cansou de ser um partido-satélite. Do lado tucano, o anúncio do divórcio ocorreu numa melancólica reunião da Executiva Nacional do PSDB, nesta quinta-feira (18), em Brasília.

Por André Cintra

PSDB

Não se sabe se a decisão é definitiva, já que a reunião não contou com as lideranças de peso do tucanato. José Serra e Fernando Henrique Cardoso não deram as caras. Seis dos oito governadores tucanos eleitos em outubro faltaram. Aécio Neves, Tasso Jereissati, Arthur Virgílio e Álvaro Dias tampouco apareceram. Sobraram apenas os gatos-pingados para chorar a derrota eleitoral e trocar impressões sobre os rumos do PSDB.

Os poucos dirigentes presentes passaram recibo do fracasso. Teotônio Vilela, governador re-eleito de Alagoas, comprometeu-se a organizar um encontro, “quando possível”, com todos os governadores da sigla. A Executiva Nacional prometeu voltar a se reunir na quarta-feira, com a presença de tucanos de maior plumagem, como o senador Tasso Jereissati (CE) e o presidente do PSDB-SP, Mendes Thame.

Na reunião de ontem, o clima de desolação era geral. Sem discutir os erros estratégicos da campanha presidencial, a direção poupou tanto o candidato derrotado, José Serra, quanto a si mesma. De forma indireta, porém, revelou contrariedade com a demora de Serra em assumir sua candidatura. Por isso, já falam em lançar com antecedência de dois anos o candidato do partido às eleições presidenciais de 2014.

A proposta, defendida sobretudo pelo ex-presidente FHC, enfrenta resistência na ala serrista — e é o ponto em que os tucanos tentam se dissociar dos “demos”. O cálculo se baseia no seguinte pressuposto: se o DEM se encolheu com a parceria, o PSDB sai do consórcio com a fantasia desbotada. Aquela “velha roupa colorida” de partido moderno deu lugar à imagem de legenda conservadora, privatista e elitista. As baixarias adotadas pela campanha de Serra ao Planalto só fizeram cristalizar essa percepção.

A executiva tucana conclui que é preciso empurrar o DEM para uma oposição abertamente de direita à presidente eleita, Dilma Rousseff. Enquanto isso, o PSDB aproveitará o combate ao governo para levantar velhas e novas bandeiras tucanas, de modo a ostentar certo brilho próprio e dialogar com mais setores da sociedade.

A busca por diferenciação tem como alvo as eleições de 2014. Se tudo der certo para PSDB e DEM, cada legenda oposicionista fortalecerá seus nichos, chegará mais forte à disputa pela sucessão de Dilma e poderá lançar seu próprio presidenciável. Eventuais alianças ficarão para o segundo turno.

Enraizamento, a missão

As demais deliberações da reunião tucana, de tão genéricas, confirmam que o PSDB vive a crise maior crise de sua história. Na opinião de um dirigente, o partido — oito anos depois de deixar a Presidência da República e após três derrotas consecutivas na corrida ao Planalto — precisa passar por um “processo de intensa reconstrução”.

De propostas concretas nesse sentido só houve uma: a decisão de atualizar o cadastro da militância, para aprofundar o contato com as bases. Sérgio Guerra não esconde que se trata de “um cadastro morto, fictício”, a ponto de um grupo de trabalho ter sido escolhido para limpar os excessos da lista e medir a força real do tucanato. Onde estarão os 230 mil filiados que o PSDB diz ter? Como inseri-los na agenda de oposição que o partido quer disseminar nos estados em que tem força?

O prazo para essa busca de enraizamento é curto. Em 20 de março do próximo ano, o PSDB fará convenções para renovar seus dirigentes municipais. As disputas nos diretórios estaduais ocorrerão em 17 de abril, ao passo que o novo presidente nacional será definido em 29 de maio.

Até lá, lideranças estipulam que a forma de oposição a Dilma já esteja delineada. Os primeiros indícios apontam para uma oposição mais sistemática e ostensiva ao governo federal — um radicalismo, porém, que não está nos planos do senador eleito Aécio Neves, nem dos novos governadores do partido. Muitos deles, por sinal, elogiaram abertamente o presidente Lula durante a campanha eleitoral.

“A oposição perdeu vagas no Congresso e terá de ser mais combativa do que foi. E não nos faltará (sic) vozes para isso”, afirma Sérgio Guerra. “O eleitorado que votou com a gente exige do partido mais identidade, transparência e firmeza. Se em algum momento não foi feita crítica ao presidente Lula, será feita agora.”

O PSDB — que elegeu 99 deputados federais em 1998 — caiu para 71 em 2002, 66 em 2006 e 53 em 2010. No Senado, sua bancada oscilou de 16 membros em 1998 para 14 em 2002, 15 em 2006 e apenas dez neste ano. “Não adianta tapar o sol com a peneira. É assim que acontece em todo lugar: a derrota eleitoral tem consequências”, cobrou no Valor o sociólogo Alberto Carlos de Almeida, um dos mais influentes entre os tucanos.

“Existem responsáveis pela derrota. Se aqueles na direção nacional do PSDB que apoiaram a escolha de Serra não fizerem isso, eles deveriam aproveitar o ensejo e mudar o nome do órgão máximo do comando do partido de executiva nacional para oligarquia nacional. Somente a oligarquização de um partido pode explicar a falta de renovação diante de três derrotas nacionais consecutivas”, provoca Almeira. “É preciso mudar de rumo. Para que isso seja feito, é preciso mudar os dirigentes, em particular os dirigentes serristas.”

Antes da luta interna

Mas como começar a se apresentar como oposição nestes novos tempos? A direção expressou que o PSDB, antes de tudo, criticará “com vigor” a proposta de recriação da CPMF. Faltou tramar melhor esse “vigor” com o governador Teotônio Vilela — que vai seguir o partido, mas admitiu que a CPMF é, sim, um imposto “benéfico” aos governos estaduais e à população. “Que a saúde de Alagoas ganharia com a CPMF, ganharia. Mas minha posição vai ficar em sintonia com a dos outros governadores”, afirmou Vilela ao fim da reunião.

A falta de sintonia é um presságio. Se houvesse um documento para apontar os resultados da primeira reunião da direção tucana após o fracasso eleitoral de 2010, o texto se limitaria a uma carta de intenções. O temor de novas reuniões esvaziadas, sem poder deliberativo, incomoda as principais lideranças tucanas. E o pior ainda está por vir: a luta interna entre Serra e Aécio mal começou.