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Britânicos conservam apoio a soldados, mas não às guerras

O que exatamente está sendo comemorado em uma época de guerras impopulares, cujo motivo não foi convincentemente explicado para muitos britânicos? É o valor, ou a ortodoxia moral predominante extraída de um emaranhado diferente de paixões e cálculos?

É a época do ano em que os britânicos de muitas idades pregam papoulas de papel vermelhas em suas roupas em memória de seus soldados mortos.

E esses emblemas florais em memória são tão ubíquos –um recorde de 46 milhões foram vendidos neste ano para arrecadação de fundos para os veteranos –que mesmo os candidatos e jurados nos game shows da televisão os exibem. Um ar de suspeita é reservado para aqueles que não os exibem, como se lhes faltasse patriotismo.

Inicialmente, as papoulas indicavam respeito pelos soldados mortos na Primeira Guerra Mundial, evocando os campos de batalha que inspiraram um poema de John McCrae, um médico do Exército canadense, chamado “In Flanders Fields” (nos campos de Flandres), em 1915. Seus versos incitavam futuras gerações a dar continuidade ao combate:

“Se perderem a fé em nós que morremos/ Nós não dormiremos, apesar de papoulas crescerem/ nos campos de Flandres.”

Assim, a cada ano, em 11 de novembro –o dia do armistício que silenciou as armas em 1918– as papoulas renovam um voto que também passou a abraçar os mortos da Segunda Guerra Mundial.

Mas, neste ano, para qualquer um que assistisse a exaustiva programação da BBC –o programa no horário nobre em tributo aos veteranos, a transmissão ao vivo no domingo da cerimônia formal no Cenotáfio em Whitehall dedicado aos “Mortos Gloriosos”, a mistura de serviços religiosos por todo o território, com aparições da realeza e música marcial– pareceu como se uma mudança na memória nacional finalmente coalesceu.

Uma geração atrás, as lembranças eram de um horror distante –um rufar de tambores ressoando sobre a colina da história. A guerra era lembrada para que não se repetisse, um laço comum para uma geração moldada por ela.

“É fácil esquecer quão grande foi o papel da guerra –e da lembrança da guerra– nas vidas de qualquer um nascido no quarto de século após 1945”, escreveu o colunista D.J. Taylor no “The Independent”, um jornal liberal. “Não apenas os filmes, brinquedos e quadrinhos da época consistentemente remetiam a ela”, ele disse, “mas os ressentimentos e suposições que ela fomentava criaram uma espécie de panorama mental que seis décadas e meia de paz europeia mal arranharam.”

Porém, mais recentemente, à medida que as imagens dos eventos anuais do Dia da Lembrança passaram a mostrar veteranos feridos e mutilados do Afeganistão e Iraque, passado e presente se entrelaçaram com o que alguns descrevem como um amolecimento daquele autocontrole no expressar das emoções que os britânicos consideravam sua marca.

Nunca antes, “em qualquer outro momento da história militar recente”, disse o general sir Robert Fry, um ex-comandante das forças britânicas no Iraque, as pessoas demonstraram “uma maior paixão” pelos militares do que em relação aos soldados britânicos travando as mais recentes guerras.

“Há algo nisso que é bom e louvável, e há algo nisso que é sentimentalão”, disse o general. “É uma questão de tentar celebrar o que é bom e tentar evitar as coisas tipo Diana, Graceland.”

Enquanto os britânicos celebravam o Domingo da Lembrança em 14 de novembro, veio a notícia da mais recente baixa no Afeganistão, a do ranger Aaron McCormick, do Regimento Real Irlandês, morto por uma explosão na província de Helmand aos 22 anos. A morte dele foi a 344ª entre o contingente britânico (em comparação a 1.393 entre os americanos) desde o início da guerra no final de 2001. Dois terços das baixas britânicas ocorreram nos últimos dois anos, à medida que a guerra se intensificou.

Os números são muito menores, é claro, do que nas duas guerras mundiais. Mas, diferente do conflito no Iraque, a luta no Afeganistão já durou quase tanto quanto as duas conflagrações mundiais combinadas.

Apesar de o primeiro-ministro David Cameron ter falado sobre uma retirada britânica do Afeganistão em 2015, a luta mais ampla do Ocidente com o Islã radical se transformou em um estado de ser, uma parte da condição moderna, uma luta que não acabará com a assinatura de um armistício ou com o hastear da bandeira do conquistador sobre a capital devastada do inimigo.

“É algo com que teremos que lidar por muitos anos –10, 20, 30 anos? Provavelmente”, disse o general sir David Richards, o chefe da Defesa britânica.

Esse recalibração das expectativas traz novas questões.

“Eles não envelhecerão, como nós a quem foi permitido envelhecer”, diz a Ode à Lembrança, extraído de um poema intitulado “For the Fallen” (para os que tombaram), escrito por Laurence Binyon em 1914. “Ao por do sol e ao amanhecer, nós os lembraremos.”

Mas o que exatamente está sendo comemorado em uma época de guerras impopulares, cujo motivo não foi convincentemente explicado para muitos britânicos? É o valor, ou a ortodoxia moral predominante extraída de um emaranhado diferente de paixões e cálculos?

Considere, por exemplo, sir Peter Maxwell Davies, 75 anos, o compositor real, que avisou que neste ano não usaria uma papoula.

Uma de suas composições mais recentes, em 2009, marcou a morte aos 111 anos de Harry Patch, o último veterano britânico da Primeira Guerra Mundial, que se transformou de soldado de infantaria em pacifista. A narrativa de Patch, disse sir Peter, o levou a contemplar e questionar “a autenticação mais ampla do Dia da Lembrança”.

“Nosso envolvimento nas duas guerras mundiais foi defensivo, enquanto no Afeganistão e Iraque é agressivo”, escreveu sir Peter. “Esta é a diferença fundamental. Eu não posso apoiar derramamento de sangue injustificado, e os políticos acrescentaram as guerras no Afeganistão e Iraque ao Dia da Lembrança como forma de justificá-las ao lado das guerras legítimas anteriores.”

De fato, há muitos que parecem apoiar os soldados, mas não a causa pela qual estão lutando.

Enquanto os britânicos antes se viam travando guerras que provavelmente venceriam e com um resultado em geral benéfico, a colunista Melanie Phillips escreveu no “Daily Mail”, um jornal conservador, que “o consenso foi quebrado na guerra no Iraque –e poderá não mais ser reparado”.

“O resultado é que agora o público lamenta em excesso os soldados que tombaram em combate –que são vistos cada vez mais como vítimas, não dos inimigos deste país, mas de seu governo, que faz com que o Reino Unido trave guerras que seu povo não mais apoia.

Fonte: Herald Tribune
Tradução: George El Khouri Andolfato