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A concorrência entre nações na crise

A grande crise financeira mundial já dura 3 anos, e os responsáveis por ela estão bastante satisfeitos. Nas finanças e na economia real – pelo menos, nas exportações da Alemanha -, após a profunda recessão dos últimos anos , pode-se novamente ganhar dinheiro. Mas isso não permite imaginar que a crise “já” tenha passado.

A liquidez monetária pode levar à inflação? Ou as debilidades dos Estados Unidos, a falta de expansão da economia japonesa e a política de contenção de gastos dos países europeus apontam para uma deflação ? Haverá uma nova bolha, alimentada pelo crédito estatal, dinheiro barato e especuladores incorrigíveis ? Essas e outras perguntas estão colocadas.

Os Estados impediram a catástrofe maior quando, por decreto, promoveram liquidez monetária, compensando as perdas de bancos e das instituições de crédito em prejuízo de seu próprio orçamento. Assim, eles interromperam a desvalorização do capital sobre-acumulado, substituindo o capital desvalorizado pelo capital fictício criado por eles. E logo descobre-se que a política de enfretamento da crise dos governos tem ainda o seguinte objetivo em vista : rechaçar as perdas e quebras em seu país para garantir a mais rápida saida da crise, garantindo a continuação da acumulação de capital em território próprio. O que os Estados praticaram e praticam no curso da crise é um exemplo da concorrência entre as nações – e, ao mesmo tempo, um ensinamento sobre o poder econômico da força política de países e governos, bem como dos seus limites.

Os Estados mobilizaram seus Bancos Centrais – normalmente responsáveis pela reserva de liquidez no movimento de pagamentos entre os bancos comerciais -, para criar créditos e poder dispor de suficiente liquidez monetária. O dinheiro dos Bancos Centrais substituiu então o florescente negócio de créditos dos bancos em condições normais da economia capitalista. Mas esse dinheiro não pode substituir o dinheiro dos bancos enquanto meio de pagamento entre eles – o que garante aos bancos a condição de grandes centros do capital dinheiro. O dinheiro do Banco Central é um recurso de emergência e não pode ser mais do que isso. Desse modo, e nessas condições, seu efeito real sobre a produção industrial é praticamente nulo. E os investores e assessores dos bancos sabem que isso também se relaciona com a concorrência entre os diversos países.

Em outras palavras, os Estados criam um substituto ao dinheiro bancário. Por decreto, sem que tenha havido ganho de dinheiro em parte alguma, sem que qualquer riqueza fosse criada ou aumentada. Esse dinheiro não apoia-se em nenhum bem, mas no poder do Estado, com o empenho de sua garantia. E, claro, logo dá-se conta que a existência de tanto capital fictício não pode fazer muita grande coisa no sentido da produção. Do ponto de vista puramente econômico, as dívidas do Estado que substituem o capital já perdido, dificilmente pode ser melhor do que o capital anterior – ele apenas reproduz, falando em termos de política econômica -, as partes do capital financeiro antes acumulado e que já foram retiradas de circulação por conta da enorma massa financeira sobre-acumulada.

É nesse contexto que surgem os movimentos especulativos, cuja ação atingiu , por exemplo, a Grécia – sabendo-se que as suas dividas já existiam antes da crise e não estavam diretamente relacionadas com o atual volume de créditos. Na verdade,a Grécia é um pequeno Estado europeu que sempre sofreu as consequências da impiedosa concorrência travada pelas grandes empresas e governos por posições mais vantajosas no mercado interno europeu. Concorrência essa que tem como instrumento privilegiado uma moeda comum, o euro. Mas tudo se passa como se a Grécia fosse a única responsável pelas suas dificuldades, principalmente as de hoje. Ou seja, as assimétricas relações entre economias fortes e fracas no interior da Comunidade Européia são borradas, e o mais forte exerce o papel de acusação frente ao mais fraco, visando extrair dele novos benefícios.

Mas como o euro é a moeda comum da Comunidade Europeia, não pode ocorrer a bancarrota de um Estado membro: ela provocaria um efeito dominó – a queda do primeiro país seria acompanhada pela queda de outros. Isso explica a reação da Comunidade Européia ao garantir um enorme crédito para a Grécia. Mas como a especulação contina e o valor do euro foi caindo, criou-se um fundo comum de garantia de crédito de mais de meio bilhão de euros, acrescido depois com mais 250 milhões de FMI e outras fontes, como medida preventida diante da possibilidade de quebra de outros países europeus, como Portugal, etc.

Com tudo isso, o Estado acaba reconhecendo a jogatina dos especuladores, embora tema as consequências de seus movimentos. Ou seja, em vez de tentar, como foi tão proclamado a pouco tempo, regular o mercado financeiro, os governos tornam-se dependentes deles na guerra monetária. Isto é, o círculo se fecha, pois a especulação volta-se exatamente contra uma ação mais efetiva do Estado. Mas, afinal, o que está em jogo é o poder financeiro de nações, com enormes riscos políticos e sociais; o que demonstra o absurdo da situação atual. Os responsáveis pela crise continuam especulando com a sorte de países e povos.

Nessa disputa de posições, cada governo faz publicamente declarações patrióticas tentando acobertar a natureza da concorrência capitalista, seja entre empresas ou entre nações. Como já foi dito: atrás da bandeira, vai a moeda. Mas nessa concorrência não há igualdade alguma: nenhum Estado pode falir, mas para alguns a obtenção de crédito sai por um preço bem mais alto do que para outros.Ela não envolve apenas a disputa entre o dólar americano e o euro, mas também entre os países que adotam o euro como moeda oficial. E quanto menor é o poder econômico de um país, maior é o tributo que ele tem que pagar, a custa de enormes cortes orçamentários.

Na concorrência européia, o governo alemão oferece um drástico exemplo. Ele retardou ao máximo sua aprovação à ajuda da Comunidade Européia à Grécia e condicinou-a a uma exigência: a união monetária do continente necessitaria, de forma incondicional, de um procedimento de insolvência prevendo a exclusão do clube, se possível de forma automática, dos países com maiores dívidas e dificuldades econômicas.

O fato de que a crise atual potencializa mais ainda a concorrência entre as nações é reconhecido as vezes, e involuntariamente, por alguns governantes. Isso expressa-se, por exemplo, nas palavras da própria chanceler Angela Merkel: a Alemanha sairia “mais forte da crise enquanto nação, do que quando entrou”. E se os países vizinhos se queixam dos problemas que enfrentam e questionam a conduta do mais forte adotada pelo governo alemão, eles são obrigados a escutar do governo de Berlim que aprendam a economizar e a elevar a sua “produtividade laboral” sem exigir concessões dos alemães. Ou seja, que aprendam com o seu exemplo para que se tornem mais fortes.

Mas como o Estado, em vez de tentar controlar a especulação financeira, acabou oferecendo mais munição para os grandes especuladores, na realidade, nem a nação alemã encontra-se mais protegida de maiores riscos e novas quedas. Ao contrário.

E enquanto o capital e os especuladores continuam aproveitando-se da crise, sobretudo no sentido de baixar os custos para obter maior lucro – especialmente via redução salarial e isenções fiscais -, o governo faz a sua parte: com o corte de gastos públicos e a redução de investimentos na área social; criando as condições sócio-políticas para a legitimação de um padrão de vida mais rebaixado para a maioria da população em nome do asseguramento da capacidade competitiva alemã no mercado internacional; etc.

Fonte: Revista Gegenstandpunkt
Tradução do alemão por Luciano C. Martorano