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Poeta de rápido destino

Carlos Pena Filho fez sua estreia na poesia em 1952, com a reunião dos primeiros poemas escritos numa publicação a que intitulou de O tempo da busca. Nascido no Recife a 17 de maio de 1929, desde muito cedo se afirmou como uma personalidade singular de poeta em franca e rápida expansão, tendo deflagrado, com este livro, parte de suas inquietações de artista recém-saído da adolescência.

Por Luiz Carlos Monteiro*

Carlos Pena Filho

Esta fase inicial envolvia certas indagações estéticas e existenciais latentes, além de algumas projeções e questionamentos acerca da validação do ofício poético e da experiência concreta com o mundo sensível, notadamente quanto ao seu posicionar-se e se fazer presente diante dos acontecimentos da vida cotidiana e da arte do seu tempo.

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A passagem da adolescência à fase adulta em Carlos Pena Filho, mais acidentada do que propriamente calma, se encontra impregnada de um desempenho poético fracionado entre a fatura formal de um lirismo típico do neoclássico, pela via do soneto decassilábico, e o esforço de apreensão e superação dos mecanismos e manifestações poéticas posteriores aos modernismos de 22 e 30. Ela é concomitante também com o desempenho poético funcionalista, malogrado em sua maior porcentagem, da geração de 45.

Decerto que Carlos Pena Filho não executa, no decurso de sua poética, nenhum tipo de inovação formalística flagrante ou significativa, preferindo se exprimir no mais das vezes através das chamadas formas fixas. Mas, ao elaborar e construir pacientemente o corpus de sua poesia – que pode aparecer tanto em versos desvestidos da rima mais sistemática ou da metrificação tendenciosamente mais rígida e fechada, quanto ainda, e em maior ocorrência, na forma de sonetos precisos, exatos e impecáveis –, transitando com desembaraço evidente em campos formais que exigem habilidades até certo ponto raras, se torna fácil para o leitor constatar que são poucos os versos em que não demonstra competência poética.

Essa preocupação orgânica em trabalhar formas fixas, em engordar o rimário e a métrica consagrados pela poética tradicional – e talvez já demasiadamente empregados através de séculos, escolas literárias e gerações –, faz com que ele prescinda de arcabouços formalísticos e efeitos gráficos e visuais latentes, que permeiam, na década de 50, o ânimo e a postura das vanguardas.

Estas, por sua vez, se reivindicam experimentalistas, polêmicas e inventivas. Utilizam-se de efeitos e estratificações que requerem justaposições minuciosas, arrumações diferenciadas e espacializações multiformes, que privilegiam bem mais os elementos formais, cujos resultados logram ser alcançados com a serventia e a ajuda de recursos operacionais correntes, como o deslocamento espacial de fonemas, palavras e versos e a exploração das fendas possíveis no campo visual que a página oferece, desenvolvidos notadamente com o surgimento daquelas vanguardas experimentalistas brasileiras, que pouca ou nenhuma influência exerceram sobre Carlos Pena.

Além desse tratamento artesanal classicizante que imprime a seus versos, corre paralela uma estranheza que se delineia referendada por uma angústia latente e demasiado presentificada, complexa e recorrente aos níveis de um estado poético onírico que se perfaz mais na superfície que no fundo, e é mais artificialmente provocado do que vivido ou sentido.

E esse estado onírico desemboca ainda numa espécie de surrealismo irrealizado e programático apenas, onde a vigília se impõe predominantemente ao sonho, inseparável da lucidez desde sempre reivindicada no seu ofício de poeta. Lucidez que, se de um ângulo já descarta no seu nascedouro o malogro de um surrealismo mal assimilado, por outro, paradoxalmente, não se interpõe e nem exerce controle ou coerção castradora sobre um projeto poético de antes embasado no discurso lírico, que com frequência realiza-se em dicções que contemplam ora a vertente social e urbana, ora a vertente intuitiva, amorosa e subjetivista.

Em outra instância, ele vai discorrendo sobre o que se demonstrava como a sua perplexidade e o seu desencanto diante da sua própria poesia, com o seu dilema interno de poeta requisitado pelo formalismo intrínseco e estilisticamente devedor do simbolismo francês. Mas, além da influência francesa, o poeta continua a se filiar, embora com ressalvas, ao padrão operativo subjacente ao parnasianismo tardio dos poetas de 45. Na condição de “artesão caprichoso”, como ele se autodenominava, em certos momentos se aproximava bastante a esses poetas, que costumavam encarar e assumir “o poema como um artefato”, na expressão de um deles, Péricles Eugênio da Silva Ramos.

De 1955 em diante, nos primeiros momentos da instalação de um surto desenvolvimentista no país, de vertente kubtschekiana, e que tinha como linha política divisória a recente e nefasta presença getulista, de amplos reflexos ditatoriais e de caráter nacional-populista, Carlos Pena Filho voltava a sua atenção e o seu interesse mais diretos para uma espécie de cultura emergente, que se demonstrava originária das raízes e camadas populares, de suas forças mais simples e segregadas no cenário característico da região nordestina.

A cultura popular era este tipo de cultura latente, que viria a evoluir, na década de 60 em Pernambuco, para um movimento de considerável alcance e importância política inconteste: o MCP – Movimento de Cultura Popular, que contribuiria radicalmente para a viabilização e a consolidação das lutas pela resistência democrática no Brasil.

O MCP englobava as lutas camponesas no campo e a luta clandestina urbana e ostensiva das várias correntes de esquerda então atuantes, a conscientização de pessoas através da educação básica e transformadora do método Paulo Freire, o cinema novo, a literatura de cordel e o desempenho poético-musical dos cantadores e violeiros repentistas, o teatro popular revolucionário, a música popular de protesto dos festivais, da bossa nova e do tropicalismo, a poesia, o conto, a novela e o romance engajados, entre outras manifestações políticas e culturais.

Carlos Pena Filho adota, já nos anos 50, principalmente com a escrita arrojada do bloco de poemas intitulado Nordesterro e do seu poema inteiramente dedicado ao Recife, o Guia prático da cidade do Recife, o desdobramento poético dos eventos localistas e populares como orientação cultural e estética.

Antecipa e amplia, dessa maneira, sob a nítida influência de João Cabral de Melo Neto, formas poéticas que irão ser altamente desenvolvidas e intensificadas nos anos posteriores, quando ascenderá a um plano empenhado e questionador da cultura e da política, essa modalidade cultural específica. Deste modo, a cultura popular se insurgirá atendendo às necessidades de uma literatura interna, como resposta provável, nas dimensões dialética e estética, ao forte e desértico fechamento provocado pelo esteticismo estado-novista de 45 e ao modelo concretista-publicitário de exportabilidade vanguardista.

Dentro dessa perspectiva de conformação regional-popular, são conhecidas as incursões que efetivou no âmbito do regionalismo, bebido diretamente nas matrizes e fontes pernambucanas, através do contato com a obra de Gilberto Freyre, ou, do lado ibérico, absorvido no modelo regionalista andaluz de Federico García Lorca, em especial nos poemas do Romanceiro Gitano.

O regionalismo do qual se servia era o que buscava no homem e na natureza nordestina as peculiaridades favoráveis à solidariedade e ao tratamento artístico-literário desalienante de conteúdos e temas. E isto lhe permitiu um aguçamento de visada que o redime enquanto poeta social – e não mais só enquanto poeta puro ou purista simplesmente –, quando ele passa a vislumbrar a transformação objetiva da sociedade, e na mesma pisada, a chamar a atenção, em forma de alerta ou denúncia, para um modo de vida amesquinhado em miséria e exclusão, notadamente nos poemas de Nordesterro.

Devido talvez a seu temperamento boêmio – mas de uma boemia leve e contida, lúcida e organizada nos prazeres simples da convivência e na fruição advinda dessa comunicação artística e humana –, as suas vivências pessoais seriam sublinhadas por uma vida literária e intelectual movimentada e enriquecida de muitas solicitações e atividades. E estas vivências seriam referendadas também de algum modo nas rápidas, porém definidoras incursões que fez pelo jornalismo, no empenho levado a efeito nas discussões estéticas, e ainda nos percalços e compromissos representados pela transitoriedade de uma vida pública de cargos ou funções sem maiores ressonâncias.

É de interesse lembrar ainda que, fraternas e socialmente extensivas como eram, tais vivências como que se prolongariam em admiração comovida e perplexa da parte de seus leitores e aficionados, dos amigos e pessoas com quem convivera ou que eventualmente o conheceram, mesmo tanto tempo após a sua morte prematura no Recife, a 1 de julho de 1960, em conseqüência de um acidente de automóvel.

* Luiz Carlos Monteiro é poeta e crítico literário. Autor de Musa fragmentada – a poética de Carlos Pena Filho (Ed. Universitária da UFPE, 2009).