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Alemanha: a juventude sob o estigma da precarização

O instituto TNS Infratest Politikforschung recentemente realizou uma pesquisa sobre a juventude e o mercado de trabalho atual, encomendada pela federação nacional dos trabalhadores metalúrgicos da Alemanha – IG Metall.

Já a partir do título “Geração precariedade” pode-se ter uma ideia dos seus resultados que revelam a real situação da juventude hoje, bastante diferente daquela vivida por gerações anteriores que tinham trabalho assegurado, salário condizente com a formação e perspectiva de futuro na carreira.

Entre os jovens que conseguem trabalho, a pesquisa constatou que aumentou o percentual de trabalho precário, ou seja, daquela ocupação que não oferece mais boas condições de trabalho, contrato e garantia de trabalho por tempo ilimitado, salário condizente com a atividade exercida e perspectiva de ascensão, além do desenvolvimento da qualificação profissional. Ou seja, os jovens atualmente sofrem as consequências da precarização do mercado de trabalho, iniciada nos anos oitenta e noventa com o advento do neoliberalismo. Os dados de 2010 já superam os de 2009: entre os jovens de 20 a 24 anos, há um aumento de 9% entre aqueles com ocupação precária.

Uma das formas do trabalho precário é a do contrato de trabalho por tempo limitado e sem muita perspectiva de renovação — de 4, 6 ou até 12 meses. Na mesma faixa etária de jovens — entre 20 e 24 anos —, o contrato por tempo limitado aumentou esse ano em 8%. Atingindo particularmente aqueles jovens que acabam de ingressar no mercado de trabalho, e que só encontram o primeiro emprego caso se submetam a esse tipo de contrato. A pesquisa não deixa dúvidas: mais da metade dos jovens que trabalham têem contrato temporário. Em outras palavras, a possibilidade de se iniciar e terminar a carreira profissional em uma mesma empresa vai se tornando coisa do passado. Isso corresponderia melhor às necessidades do chamado “capitalismo flexível” dos dias de hoje, segundo os seus ideólogos.

Porém, uma das consequências do contrato temporário é a ameaça para a continuidade do sistema de seguridade social, principalmente em relação ao acesso ao sistema de saúde. Em longo prazo, o que acaba sendo colocado em questão é o sistema previdenciário. Isto é, a reorganização do mercado de trabalho é fonte de enorme insegurança para os jovens trabalhadores e as suas famílias.

Mas o trabalho com contrato temporário não atinge apenas o jovem em seu primeiro emprego. Ele vai se espalhando para outras faixas etárias, e deixa de ser visto como um recurso exclusivo dos tempos de crise econômica, passando a valer para aqueles de aumento da produção. Assim, desde 2009, e apesar de certa recuperação da economia alemã em 2010, houve um aumento de 6% dos contratos temporários até a faixa dos 35 anos. Atualmente na Alemanha, mais de um quarto dos trabalhadores com até 35 anos só encontraram trabalho com base no contrato temporário. Isso significa para muitos que pensam em constituir sua própria família, um problema difícil de ser solucionado: na busca de trabalho, a jovem ou o jovem são obrigados a submeterem-se a um permanente deslocamento do local de trabalho, não só no interior das fronteiras da cidade onde moram conjuntamente, como para outras. O resultado é que a própria vida familiar em comum vai tornando-se cada vez mais problemática. Ela acaba sendo vista como uma barreira para a busca de trabalho, colocando muitos perante o seguinte dilema: trabalho ou família? E para aqueles que tentam conciliar ambos, isso pode significar na prática uma vida de casal em constante estado de separação. Isso também é um dos motivos para a baixa taxa de natalidade do país, mesmo em comparação com vizinhos europeus: como pensar em ter um filho quando nem o pai, nem a mãe sabem com certeza se estarão empregados proximamente, e onde?

Outra dificuldade enfrentada pelos jovens alemães em relação à sua realização profissional é a diminuição das chances da passagem de um contrátio temporário para um contrato com prazo indeterminado. Se antes essa passagem era muito frequente, nos dias de hoje ela vai se tornando exceção. Ou seja, a circulação se dá atualmente de um contrato temporário para outro contrato temporário, de tal modo que são muitos os casos de jovens que terminam o ano tendo passado por dois ou três empregos para, ao final, ficar desempregado. Com a conivência do governo de Angela Merkel, os empresários repetem o discurso da redução dos custos de produção como garantia da capacidade competitiva da produção alemã no mercado capitalista mundial.

A pesquisa mostra que, em relação a 2009, tornou-se ainda mais difícil para os jovens alemães encontrar o primeiro estágio como forma de acesso ao emprego: aumentou em 4% o índice de jovens que não encontram estágio profissional. Como isso é um dos critérios para o ingresso efetivo no mercado de trabalho, esse aumento significa que sem estágio, um maior contingente de jovens não encontrará trabalho regular algum. Para muitos, não encontrar estágio profissional significa a impossibilidade de ocupação futura. Dessa forma, o desemprego representra na prática a exclusão de milhares de jovens de qualquer possibilidade de integração social, sobretudo para os filhos de emigrantes nas grandes cidades.

No grupo de jovens de 20 a 24 anos, nove de cada dez prefeririam ter jornada integral de trabalho. Os dados mostram que cerca de 20% dos jovens trabalha em tempo parcial. Também aqui trata-se de uma política empresarial visando a redução dos custos de produção. Mas socialmente seus efeitos são negativos: com salários menores, o nível de vida vai diminuindo; o que obriga os jovens a abrirem mão do acesso não só a bens de consumo, como também a atividades culturais e educacionais, sem falar de viagens, etc.

Como a renda dos jovens que trabalham vai diminuindo, torna-se mais difícil o início de uma vida independente da ajuda dos pais. Mesmo aqueles que conseguem dupla ou tripla ocupação para cobrir os gastos com aluguel, alimentação, roupa, etc, são obrigados a contar com a ajuda aos pais. Isso sem falar da dificuldade de planejar o futuro: além dos problemas envolvendo o casamento e filhos, como já foi dito, a aquisição de um imóvel vai se tornando uma possibilidade cada vez menor para a atual geração.

Com tudo isso, as estatísticas oficiais revelam um desemprego de 7% dos jovens. Mas, em geral, essas estatísticas incluem apenas aqueles que se deslocam até uma agência de trabalho do governo e cadastram-se na busca de ocupação. Tal registro também é necessário para a obtenção do seguro-desemprego, cujo valor é ainda menor do que o salário daqueles que estão em ocupação precária. Basta mencionar o programa intitulado “Trabalho por um euro”: muitos jovens cadastrados são convocados à agência e encaminhados para trabalhos que não condizem com a sua formação. Por exemplo, um arquiteto recém-formado recebe a indicação de trabalhar em um restaurante por 1 euro a hora! Caso não aceite, ele poderá ir perdendo o pouco do auxílio estatal que ainda tem. Por outro lado, e novamente sob pressão dos empresários, o governo mostra-se disposto a abrir o mercado alemão para atrair mão-de-obra qualificada do exterior. Mas isso ocorre apenas para determinados setores da economia e dependendo da conjuntura: a informática e a engenharia industrial são os exemplos.

A pesquisa indica que mais de um terço dos jovens entrevistados estão insatisfeitos com o seu trabalho atual. Isso ocorre porque ele não corresponde à sua formação profissional. Em outras palavras, para essa faixa, quanto mais qualificado for o jovem, menor é a probalidade de que encontre trabalho e salário compatíveis com sua qualificação. De todo modo, a formação educacional continua sendo um fator que potencializa a obtenção de melhor colocação no mercado de trabalho. O problema é que, como outros estudos já mostraram, é que a possibilidade de ingresso no ensino superior, por exemplo, é bem maior para aquelas famílias cujos pais já cursaram a universidade. Ou seja, para uma família de trabalhadores é mais difícil que a filha ou o filho consegua chegar até o ensino superior e obter o seu diploma.

Por fim, a pesquisa indagou como a juventude encara o seu futuro. Diante do que já foi exposto, o dado final não surpreende: 76% dos jovens vêem seu próprio futuro com insegurança. Eles reconhecem que, permanecendo as condições atuais, a sua existência futura será marcada por maiores dificuldades e problemas no trabalho e na vida.

Fonte: IG Metall

Tradução do alemão por Luciano C. Martorano