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Miro: É preciso enfrentar o poder da mídia hegemônica brasileira

O ano de 2010 marcou um novo capítulo na comunicação brasileira. As eleições reforçaram a formação de uma nova frente alternativa especialmente na internet e a luta pela democratização da mídia. Também foi este o primeiro ano de existência da Secretaria de Questão da Mídia do PCdoB, instância nascida justamente pelo reconhecimento do partido ao caráter estratégico dessa luta, e do Centro de Mídia Alternativa Barão de Itararé, que reúne diversos profissionais, estudiosos e militantes da área.

Miro

À frente de ambos está Altamiro Borges, jornalista que vem se notabilizando por seu trabalho em prol da democratização das comunicações e no enfrentamento da grande mídia. Nesta entrevista ao Vermelho, ele faz um balanço desse primeiro ano de atividades tanto da Secretaria quanto do Barão e fala sobre os desafios para o próximo período de atividades.

Para Miro, as duas iniciativas conseguiram, apesar do pouco tempo de existência, aproximar lideranças de diversos movimentos, ampliando assim a unidade na luta pelo fortalecimento de rádios e tevês comunitárias, do movimento de blogueiros e da mídia alternativa. Segundo ele, ficou claro neste ano a necessidade de se enfrentar a mídia hegemônica. “É preciso mexer com esse poder e mexer com esse poder não é censurá-lo; fale as besteiras que quiser enquanto tratar-se de iniciativa privada, jornal e revista; mas ouça também. Agora, enquanto concessão pública (rádio e tevê), aí não, não fale as besteiras que quiser porque isso aqui não é zona. Tevê e rádio são concessões públicas”, disse.

Um dos pontos ressaltados pelo jornalista é a necessidade da regulação da mídia. “No mundo inteiro tem regulação. Só aqui é que é essa libertinagem. Isso mostra o seguinte: não tem porque não haver um processo de regulação da mídia no Brasil. Comunicação não é brincadeira, tem que ser algo estratégico. O país que não tiver uma boa comunicação tem até dificuldade de se desenvolver, portanto, é também um problema econômico, além de social e democrático”, enfatizou.
Acompanhe a seguir a íntegra da entrevista.

Vermelho: A Secretaria de Mídia é a mais nova do Comitê Central do PCdoB, com menos de um ano. Que balanço faz desse período?
Altamiro Borges: A Secretaria de Mídia nos permitiu dar melhores condições de operar nessa área da luta pela democratização da informação e de fortalecimento da mídia alternativa. Montamos uma boa equipe e, nesse curto período, já foram feitas ações bastante positivas. Uma delas é que estreitamos relações com o pessoal das rádios comunitárias, expressão da comunidade falando, do povo falando. Obviamente, há problemas; às vezes algumas rádios acabam sendo apropriadas por mãos que nem sempre são as melhores, mas há coisas muito bonitas sendo feitas em termos de prestação de serviços, valorização da cultura local, de ajuda à comunidade na área da educação, do combate às drogas e do despertar de uma consciência crítica. Acho que vamos avançar cada vez mais nessa relação, mas não no sentido de nos apropriarmos de algo, no sentido hegemonista, mas sim fortalecendo as rádios comunitárias. Também se estreitou a relação com o pessoal das tevês comunitárias, uma experiência nova, de 15 anos no Brasil. É outra experiência que apresenta suas contradições, mas que também permite que haja outra forma de fazer televisão diferente da tevê comercial.

Outra coisa importante neste aspecto é a maior aproximação com esse sistema público de comunicação que vai se montando no Brasil a partir da Empresa Brasil de Comunicação. Tivemos muitas conversas com a Tereza Cruvinel (diretora-presidente da EBC), uma pessoa muito séria e dedicada que deixou a fortuna que recebia na TV Globo para trabalhar na construção desse sistema público. Temos também a Indira Amaral, que está fazendo um belíssimo trabalho na TV Aperipê (SE), a Regina Lima, que faz um belo trabalho na TV pública do Pará, entre outras pessoas.

Vermelho: E tem o campo da democratização da comunicação…
AB: Sim, a Secretaria tem ainda participado de tudo quanto é fórum de democratização da comunicação. Participamos da Frente Paulista pela Liberdade de Expressão e Direito à Comunicação (Frentex). Em outros estados, o partido também está envolvido na construção desses fóruns unitários. Estreitamos também as relações com o Fórum Nacional de Democratização da Comunicação e estamos inclusive discutindo como o PCdoB pode também contribuir para o fortalecimento do FNDC. Além disso, procuramos contribuir com a criação da primeira entidade de pequenos empresários empreendedores de comunicação, a Altercom, encabeçada pelo Joaquim Palhares, responsável pela Carta Maior. Esta entidade reúne, entre outros, a própria Carta Maior, a Caros Amigos, a Revista do Brasil, enfim, um time de publicações e sites progressistas e visa ser uma espécie de sindicato de pequenos empresários. É uma boa iniciativa até porque há um processo contraditório de concentração da mídia por um lado, mas por outro, em função das novas tecnologias e da própria desregulamentação do setor, você hoje tem muitos pequenos empresários nessa área, empresários esses que, no processo da Confecom, sentiram a necessidade de ter uma entidade para lutar por seus interesses e também por posições políticas.

Vermelho: E tem ainda a criação do Centro de Mídia Alternativa Barão de Itararé…
AB: Acho que esta foi a grande sacada desse primeiro ano. A ideia era ter uma entidade ampla, o que já começa na diretoria e conselho consultivo ao qual conseguimos agregar todas as publicações e sites progressistas, jornalistas de linha de frente, pessoas que têm tido papel importante na luta pela democratização da comunicação – como Luís Nassif, Paulo Henrique Amorim, Luiz Carlos Azenha, Maurício Dias, Rodrigo Vianna, entre outros –, os principais acadêmicos da área, entidades e associações dos movimentos sociais. Havia um problema nessa questão da democratização da comunicação que era a separação entre “os especialistas” e os movimentos sociais e, agora, a gente procura ligar essas duas partes, juntando todos por um ponto de unidade em defesa da democratização da comunicação. O conselho tem tido reconhecimento e muita gente interessante tem sido procurada ou tem se proposto a participar, como é o caso de Luis Fernando Veríssimo, Emir Sader, Fernando Moraes, José de Abreu etc.

O nome Barão de Itararé expressa bem o que deve ser essa comunicação: crítica, que procure aprofundar diversos temas, mas ao mesmo tempo uma comunicação irreverente, que tem leveza e que não seja dogmática. E para quem nasceu no dia 14 de maio, o Barão já fez um bocadinho de coisas. Primeiro, foi a sua própria fundação, uma belíssima atividade que lotou o Sindicato dos Engenheiros, em São Paulo. Depois, ajudou a organizar o primeiro Encontro Nacional de Blogueiros, que reuniu 330 participantes. O encontro começou dar alguma organicidade a esse movimento, organicidade que não significa verticalismo, mas sim sinergia.

Outra coisa positiva nesses seis meses de vida do Barão foi a participação na luta pelo Plano Nacional de Banda Larga, com a publicação de um gibi – cuja tiragem poderá chegar a um milhão de exemplares – voltado para discutir a questão com a juventude. Também foi marcante a atuação do Barão no período eleitoral, na reta final do primeiro turno das eleições presidenciais, quando a mídia hegemônica teve uma atitude mais agressiva. Naquele momento, o Barão promoveu o ato contra o golpismo midiático. A mobilização foi feita em pouco tempo e imaginávamos reunir cerca de 150 pessoas, que era a capacidade máxima do auditório do Sindicato dos Jornalistas; e de repente, lotou o auditório, o corredor, a escadaria e fala-se na presença de até mil pessoas. Agora, claro, ainda temos muita coisa para fazer.

Vermelho: E por falar nisso, quais são as perspectivas para o próximo ano?
AB: Acho que precisamos, primeiramente, fortalecer os vínculos para aprendermos mais e ajudarmos mais as rádios e tevês comunitárias; esta é uma baita experiência que a gente conhece, valoriza e se empenha pouco ainda. Outra coisa é como, mantendo esse caráter plural, investir mais no movimento de blogueiros. Esse movimento é um barato e, inclusive, acaba de conquistar uma vitória e tanto: pela primeira vez, houve uma entrevista de blogueiros com um presidente, o que dá legitimidade ao movimento. Inaugura-se uma nova era: o presidente da República não dá entrevista apenas para a mídia oligárquica, mas também para blogueiros. Somos partícipes disso. E agora queremos com a Dilma também e não é no final do mandato não, queremos de seis em seis meses. A proposta é que a primeira entrevista seja para as blogueiras. Podemos chegar ao que já é realidade nos Estados Unidos: lá, o movimento se transformou numa grande força chamada Coalizão de Blogueiros e, em seu último encontro, reuniu 10 mil deles. E hoje ele acaba concorrendo com a mídia tradicional. O terreno da internet é fértil para a luta de ideias.

Outro desafio é o da luta pela democratização da comunicação, que recentemente subiu mais um degrau com o seminário realizado recentemente pela Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República). Foi uma baita sacada do ministro Franklin Martins porque o evento trouxe experiências de vários países sobre a regulação da mídia. Franklin foi muito inteligente: ao invés de trazer Venezuela, Bolívia e Equador, que a mídia brasileira chamaria de chavistas, ditatoriais, ele trouxe gente dos Estados Unidos e da Europa. A responsável pelo órgão regulador dos EUA disse “tem regulação nos EUA sim”; o da Comunidade Europeia também e o de Portugal disse “nossa, não tem no Brasil? Em Portugal tem”. Quer dizer, no mundo inteiro tem regulação. Só aqui é que é essa libertinagem. Isso mostra o seguinte: não tem porque não haver um processo de regulação da mídia no Brasil. Comunicação não é brincadeira, tem que ser algo estratégico. O país que não tiver uma boa comunicação tem até dificuldade de se desenvolver, portanto, é também um problema econômico, além de social e democrático.

Vermelho: Um dos pontos fracos do governo foi a falta de um enfrentamento mais duro à mídia. Parecia haver certo receio. Acha que com Dilma será possível avançar mais?
AB: Não é apenas o governo; muita gente tem medo da mídia porque ela, de fato, tem muito poder. Se ela quiser acabar com a tua imagem, ela acaba. E não respeita a Constituição brasileira que explicita que no Brasil o que vigora é a presunção da inocência. A mídia faz o contrário, a presunção de culpa. Só que é preciso mexer com esse poder e mexer com esse poder não é censurá-lo; fale as besteiras que quiser enquanto tratar-se de iniciativa privada, jornal e revista; mas ouça também. Agora, enquanto concessão pública (rádio e tevê), aí não, não fale as besteiras que quiser porque isso aqui não é zona. Tevê e rádio são concessões públicas. Não pode um William Bonner entrevistar a Dilma parecendo estar numa sessão de tortura, e depois entrevistar o Serra como se fosse um jantar na casa do “Casal 45”. Esse tema amedronta, mas a vida vai mostrando que é preciso tomar atitude. Não dá mais para continuar como está; acho que a própria Dilma sentiu isso na pele.

O governo Lula foi contraditório nisso. O primeiro mandato foi horrível, apesar de os dois ministros (Eunício Oliveira e Miro Teixeira) não serem orgânicos dessas empresas. O segundo mandato, justamente quando vem um representante orgânico do principal império midiático brasileiro (Hélio Costa), foi melhor, não pelo Ministério da Comunicação em si, mas pelo Ministério da Cultura onde se inicia a formação do Sistema Público de Comunicação. Foi o MinC que promoveu os dois fóruns nacionais de tevês públicas. O ministro das Comunicações nem foi. O segundo mandato também foi quando a equipe do Franklin passou a descentralizar um pouco mais a publicidade. A Globo fica reclamando de patrimonialismo, do uso de recursos públicos, mas mamava nas tetas do Estado. A Globo tem menos de 50% de audiência e fica com 70% da publicidade. Que matemática explica isso? É por isso que o Ali Kamel detesta o Franklin Martins. Foi também positiva a convocação da Conferência Nacional de Comunicação. É certo que o Costa não queria, mas o governo convocou. Acho que a sinalização é para ser melhor ainda no governo Dilma porque ela apanhou muito, sabe que não tem o carisma de Lula para falar com o povo, e se essa mídia toda ficar nesse bombardeio diário sem que haja contraponto, ela estará numa situação bastante complicada. Acho que a tendência é o governo Dilma ser melhor nessa área: tem a proposta de marco regulatório, a do Plano Nacional de Banda Larga. Agora, vamos precisar de pressão porque o jogo é muito pesado, a mídia é muito forte, mete medo, chantageia. A mídia é esperta: ela faz jogo duplo; tenta enquadrar e se não consegue, tenta desgastar. Por isso, é preciso fortalecer as mídias alternativas, o movimento de blogueiros e a luta pela democratização da comunicação.

Vermelho: Nesses últimos oito anos, acha que houve uma mudança de paradigma tanto na forma como os grandes meios passaram a atuar como na resposta que a internet passou a dar?
AB: Acho. A internet está com a bola toda? Não ainda. Ela é muito limitada; a população tem pouco acesso e há também a questão da produção de conteúdo. A internet não decide uma eleição. Há uma turma que supervaloriza o papel da internet e ao fazer isso, subestima o papel da mídia tradicional. A mídia tradicional garantiu o segundo turno de novo no Brasil. O Serra não seria nada sem a mídia. Ele não tinha discurso, não tinha mais as falsas bandeiras, como a da ética, já que seu partido está mais sujo do que pau de galinheiro, e se juntou com o traste da sociedade brasileira – milicos de pijama, TFP, Opus Dei, moralistas, falsos moralistas como a esposa dele, que condena o aborto, mas fez aborto. Serra não era nada e quem o levou ao segundo turno foi a mídia. Agora, o extremo oposto é achar que internet não tem papel nenhum. E tem sim. Quando veio a história da bolinha de papel, esse tipo de mídia infernizou a vida do Serra. Quando a Globo tentou veicular o clipe dos seus 45 anos, usando o mesmo slogan de Serra com artistas globais, o número 45 que por acaso é o número do PSDB, com fundo azul, que é a cor do PSDB, a internet fez tanto barulho que o anúncio caiu em menos de 24 horas. Quer dizer, se a internet não jogasse papel nenhum, Serra não teria se voltado contra os “blogs sujos”. O cara convive com Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi e chama a gente de blog sujo! Agora, acho que a tendência é o papel da blogosfera crescer muito mais.

De São Paulo,
Priscila Lobregatte