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Pedro J. Bondaczuk, o russo brasileiro

Na primeira impressão que tive dos textos de Bondaczuk, escrevi uma vez que ele era o russo mais brasileiro que havia, e não só: ele era um escritor cujo maior segredo era escrever simples, tão simples, que até parecia ser isso muito fácil.

Por Urariano Mota*

 
  Pedro Bondaczuk

Em seus textos, por vezes, irrompia um poema em prosa, um valor de humanidade fora dos versos, como aquele, bem lembro, sobre uma adolescente em fase terminal de doença, cujo maior sonho era receber uma carta Elvis Presley. Isso era tão bom que, depois de um dia árido de tantas letras e vazio, quando a gente procurava a poesia como salvação, lá estava Pedro J. Bondaczuk com a sua crônica. Então o nosso dia não havia sido mesquinho.

Isso escrevi em cima de textos que ele publicava no Comunique-se, onde Pedro era editor do Espaço Literário. Ora, quis a sorte de dezembro que eu lesse agora dois livros que ele tem na praça, o “Cronos e Narciso” e o “Lance Fatal”. Cronos, de crônicas, Lance, de contos. Enfeixar esses textos em volume deve ter sido para ele uma senhora dificuldade.

Explico. Autor de mais de 1.000 crônicas e 8.000 artigos com a marca registrada do escritor que é, no limite de jornalismo e literatura, imagino o quanto foi difícil Pedro selecionar, ou, antes, eleger um critério para a escolha das crônicas e dos contos. Assim sei que foi não por um dom adivinhatório, que eu muito gostaria de ter, mas a natureza, avara, não me permite. Assim sei que foi porque entre os textos não encontrei nem a crônica da mocinha, nem a crônica do menino perdido numa floresta de trigo, nem a da sua visita a Caruaru, onde se esbaldou como um gringo a descobrir os trópicos. Mas tais ausências, por incrível que pareça, não me frustraram.

“Cronos e Narciso” me concedeu outras oportunidades. Assim, ao correr das páginas, pude ver esta reflexão na crônica Questão de Estilo: “Muitos fazem hoje do exercício do texto mera exibição de vaidade. Não comunicam mensagens, mas usam as colunas de que dispõem para mostrar erudição que nem sempre (ou quase nunca) têm. E mesmo que tenham, ao leitor pouco importa esse detalhe. O que ele procura nas crônicas é o aspecto eterno que há por trás dos fatos triviais, aparentemente banais, que definem o gênero”. Hem, que me dizem? Pedro escritor pagou ou não o tempo à vista de sua leitura?

Em um texto chave do livro, que as resenhas mui sábias chamariam de texto clave, Pedro Bondaczuk nos escreve:

“A vida é um evento tão rápido e misterioso, é tão efêmera e inconstante, que passa como um piscar de olhos. Mal nos damos conta quando crescemos, amadurecemos, envelhecemos e zás!… Se, pessoalmente, estes dois objetos (o espelho e o relógio) me causam aflição e até certo temor, pelas incômodas revelações que fazem acerca da minha aparência, machucando a minha vaidade, vingo-me deles e transformo-os em temas de centenas de versos. Dou sempre um jeito para que estejam presentes no cenário dos meus contos. Faço com que sejam símbolos de decadência e de efemeridade”.

Ora, aí está o nó. Há treze dias anotei em letra miúda ao pé da página de uma crônica sua e agora copio.

Há uma flagrante contradição nos textos do escritor Pedro J. Bondaczuk. Ele é um homem, um escritor, tão otimista, tão alto-astral, e no entanto está sempre a se preparar e a nos preparar, a todos que o lemos, para a morte. Em cada texto se insinua, não esqueçam da “ateniense”, amigos. A vida é breve e não para. Mas essa é uma contradição muito à moda Bondaczuk. A lembrança do fim dos dias que ele nos faz não é lúgubre, não é desmobilizadora, pessimista, acreditam?, longe está de um transporte para a inação. Pelo contrário. Com um sorriso e um tapinha nas costas ele constrói seus textos como um quase escritor de autoajuda. Vamos, há coisas boas e ótimas para aproveitar, o amor, o servir às pessoas, o ser humano enfim. (Apesar de tudo, ele nos diz entre parênteses.)

É um escritor, enfim, muito esperto, se da esperteza retiramos a intenção malévola de se dar bem à custa da credulidade alheia. É um cara esperto porque nos conquista com um sorriso e uma esperança, enquanto menciona difíceis perdas. Os seus livros podem ser lidos em uma viagem de avião, que sempre é um preparação para o último destino, pois não?, ou num passeio de ônibus pelo Recife, ou no metrô de São Paulo, até mesmo naqueles instantes em que a administração pública falha e as portas se fecham.

E para não dizerem que não falei do livro Lance Fatal, eu lhes falo: o conto que dá nome ao livro é digno de figurar em qualquer antologia brasileira, pelo tema, tratamento e condução. No país do futebol, é impressionante como tão poucos escritores narrem essa realidade, na ficção ou na crônica. E Pedro Bondaczuk aqui joga bem, quase diria, joga com as letras como os bons jogadores fazem com os pés:

“Solta a bola, Prenda! – Gritava o técnico Cilinho, irritadíssimo com a demora do zagueiro em lançar algum dos atacantes…

– Chuta! Chuta! – Exigia a torcida, vibrando com a jogada de raça do central…

Prenda não via nada à sua frente, a não ser a meta adversária. Uma névoa toldava-lhe a visão, como se estivesse usando óculos com as lentes embaçadas. As camisas vermelhas do time antagonista não passavam de borrões. Assim como a bola branca, que conduzia com ímpeto e com raiva rumo ao gol contrário…

– Pra mim, Prenda! – Gritou, irritado, o Zé Preto, sem entender a teimosia do companheiro.

– Na ponta, solta! – Pediu, afobado, o Boca…”

E mais não conto. Quem quiser se foi gol, que compre o livro de Pedro J. Bondaczuk.

*Urariano Mota é jornalista e escritor, colunista do Vermelho