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PCI divulga opinião sobre a crise econômica na Irlanda

O Partido Comunista da Irlanda (PCI) divulgou uma série de perguntas e respostas sobre sua opinião diante da crise enfrentada pela Irlanda. O PCI argumenta que a dívida que levou o Estado à falência contraria os interesses da nação. O texto trata ainda da política fiscal, nacionalização do petróleo, do gás e dos recursos marinhos, do combate às privatizações, da construção de uma política alternativa para o povo, entre outras questões.

Pergunta: Repudiar a dívida ilegítima. Porquê?
Resposta — A dívida de dezenas de milhares de milhões que levou este estado à falência e fez com que fôssemos postos na lista negra dos mercados internacionais e ficássemos sujeitos aos ditames da UE e do FMI, não é uma dívida nossa. Não é uma dívida criada com despesas em escolas nem em hospitais nem em estradas; não é uma dívida que o estado tenha contraído para servir os seus cidadãos: é a dívida de um pequeno número de investidores e financeiros privados e dos seus padrinhos políticos – o Círculo de Ouro – que foi socializada e imposta aos contribuintes e às gerações futuras do nosso povo.

Uma "dívida odiosa" que se define como uma dívida acumulada por um regime, não para satisfazer as necessidades do país, mas para reforçar o regime, contrariando os interesses da nação. A dívida contraída por amigos do Fianna Fáil [1] , que subsequentemente foi assumida pelo estado, não corresponde aos interesses da nação mas serviu para aguentar o regime durante os anos "Tigre Celta" [2] é por conseguinte uma dívida odiosa.

O ponto de partida da construção duma economia que sirva o povo, e não os investidores e financeiros privados, é o repúdio desta dívida e a procura de investimentos de outras fontes, incluindo fundos de riqueza soberanos que libertem uma nova Irlanda desta carga anquilosante.

Pergunta: Reconquistar os poderes fiscais à UE . Porquê?
Resposta — Para construir uma economia numa direção orientada pelas necessidades do povo e pelo potencial e forças do nosso país, é fundamental que o estado tenha o controlo soberano da política fiscal.

É essencial uma política de impostos para construir uma sociedade justa e equitativa. É essencial o seu controlo para contrariar as políticas injustas e antipatrióticas que favoreceram os ricos e que nós suportámos durante décadas e que contribuíram em muito para o fraquíssimo fluxo de receitas que o estado tem actualmente. Essa política é também a chave para controlar a inflação.

É vital reconquistar o controlo sobre a nossa moeda e acabar com a sujeição ao Banco Central Europeu. O BCE favoreceu taxas de juros baixas para facilitar a exportação de capitais da economia alemã, que estava a acumular excedentes enormes. Os países periféricos, como a Irlanda, Portugal e a Grécia, foram inundados de capital barato, que alimentou a bolha do imobiliário em detrimento duma economia sustentável. O Banco Central Europeu continua a agir segundo os interesses das economias alemã e francesa e em detrimento dos países mais pequenos.

A capacidade de um estado determinar as suas próprias políticas fiscais e de despesas é a chave para influenciar e orientar a produção e a procura e, por conseguinte, a construção duma economia sustentável.

Pergunta: Nacionalizar o nosso petróleo e gás. Porquê?
Resposta — O estado irlandês avaliou em 560 mil milhões de euros o valor potencial de petróleo e gás nos mares da Irlanda. Só que isso não é propriedade do estado irlandês.

Os nossos recursos e esta gigantesca soma de dinheiro – mesmo pelos padrões actuais – estão na mão de privados. Portanto, enquanto que por um lado o estado assume a dívida privada, por outro lado abre mão dos nossos recursos e do nosso futuro.

As companhias petrolíferas detêm 100 por cento do petróleo e do gás que encontrarem nas águas irlandesas. Não pagam quaisquer direitos de exploração ao estado irlandês. Podem deduzir 100 por cento dos seus custos nos impostos. Os lucros são tributados em 25 por cento, em comparação com uma média internacional de 68 por cento. O estado norueguês recebe mais dinheiro pelo nosso petróleo e gás do que nós recebemos.

O dinheiro que podia ser obtido através da nacionalização desses recursos podia ser reinvestido na economia, para o desenvolvimento de fontes de energia sustentáveis e renováveis, criando empregos, e para pagar a dívida "legítima" do estado. Também podia ser usada para construir relações comerciais úteis e mutuamente benéficas globalmente.

Pergunta: Nacionalizar todos os recursos marinhos. Porquê?
Resposta — A abertura dos mares irlandeses ao abrigo da política de pesca europeia custou ao estado irlandês milhares de milhões de receitas e priva-nos de milhares de milhões de receitas tão necessárias actualmente.

Os regulamentos iniciais foram traçados propositadamente para transferir um recurso valioso e receitas dos países periféricos para os países centrais, como a Alemanha, a Bélgica e a França. E as quotas de pesca ultimamente introduzidas deixaram a Irlanda com um dos quinhões mais pequenos, apesar do valor dos nossos recursos.

Calcula-se que a submissão da Irlanda a este roubo custou, e continua a custar, ao estado mais de 200 mil milhões de euros, numa altura em que todas as receitas são necessárias para reconstituir a economia. Em vez de sermos beneficiários dos fundos da UE, conforme se apregoa, cedemos muito mais do que ganhámos.

A política da UE é esbanjadora e ambientalmente insustentável. Deitam-se ao mar, a apodrecer, centenas de milhares de toneladas de vida marinha e pescam-se exageradamente muitas espécies de peixes.

É vital nacionalizar os nossos mares e a sua vida marinha para desenvolver uma indústria ambiental e sustentável, que crie milhares de milhões em capital essencial e crie empregos tão necessários.

Pergunta: Instituir uma empresa de desenvolvimento para toda a Irlanda. Porquê?
Resposta — A economia irlandesa é estruturalmente muito fraca. Apoia-se no investimento estrangeiro directo, num sector financeiro inflacionado com as concomitantes bolhas especulativas, e na cedência dos nossos recursos nacionais, tanto naturais como estruturais.

Mas existe um potencial enorme. Os recursos naturais da Irlanda devem ser utilizados pelo estado. O estado deve investir e desenvolver fontes e tecnologia de energia renovável, como a eólica e a energia das ondas, para uso interno e para exportação. O estado devia capitalizar a crescente experiência adquirida na farmacêutica para desenvolver uma companhia estatal.

Isto é apenas uma parte do potencial; mas para o desenvolver é necessário planeamento. Não pode ser deixado ao arbítrio de formas voláteis e irresponsáveis do investimento privado como as que temos vindo a suportar até hoje. Os relatórios mostram que, durante os anos da bolha, o investimento público foi muito mais produtivo do que o privado. O investimento privado foi amplamente esbanjador e especulativo.

Devia ser criada uma Empresa de Desenvolvimento para Toda a Irlanda, para investigação e planificação das áreas de investimento mais eficazes e produtivas para o capital. Em ligação com as universidades, o estado poderia assim utilizar o talento e as ideias da nossa população instruída, em oposição aos lucros do sector empresarial, conforme acontece actualmente. Tentaria desenvolver áreas de cooperação inter-fronteiras para desenvolver ambas as economias num modo sustentável para os povos de toda esta ilha.

Pergunta: Fundar um Banco Estatal de Desenvolvimento. Porquê?
Resposta — A operação de salvamento de instituições financeiras e investidores insolventes aumenta de custo a cada dia que passa. Quando somamos a re-capitalização dos bancos assegurados, o custo crescente da NAMA [3] , e as dívidas ao Banco Central Europeu, acumuladas por estas instituições nacionalizadas, o número que foi calculado aproxima-se do milhão de milhões. E é totalmente impossível de pagar.

O dinheiro que já foi injectado nestas instituições falidas saiu pela porta do cavalo para os bancos alemães, franceses e britânicos. Em nada contribuiu para aumentar o crédito ou estimular a economia.

É necessário instituir um Banco Estatal de Desenvolvimento bem capitalizado, sob o controlo soberano do estado, com um misto de representantes dos accionistas (governo, trabalhadores, pequenos negócios e comunidade) e profissionais competentes no seu conselho de administração. Há dinheiro disponível neste país e, se as pessoas vão ter que passar dificuldades, certamente será melhor se souberem que estão a construir uma economia para o povo. Também se pode utilizar o fundo de reservas de pensões, as poupanças e hipotecas familiares podem ser transferidas, as contas pessoais podem ser canalizadas e pode procurar-se capital noutras fontes que não as da UE e do FMI, e que existem mesmo.

O objetivo do banco estatal seria fornecer crédito a negócios sustentáveis e produtivos e a famílias e indivíduos como um serviço à economia, em vez de ser uma indústria em si mesma, como acontece actualmente.

Funcionaria como o credor às prioridades económicas e às áreas de desenvolvimento democraticamente estabelecidas. Trabalharia em conjunto com a empresa de desenvolvimento para financiar o potencial e para fazer crescer a economia.

Pergunta: Combater a privatização de empresas patrocinadas pelo estado. Porquê?
Resposta — O Governo patrocinou o infame economista Colm McCarthy para produzir um relatório que recomenda a venda de bens estatais que incluem fornecimentos críticos – e lucrativos – como a ESB, a CIE, a An Post, a An Board Gás, a Iarnród Éireann, a Dublin Bus [4] , três entidades aeroportuárias, dez companhias portuárias, duas estações de televisão e por aí afora.

No seu conjunto, o estudo considera a possível venda de 28 (vinte e oito) companhias em funcionamento. Para além disso, passa em revista uma série de bens intangíveis, tais como espectros de rádio, emissões de carbono e licenças emitidas pelo estado e considera-as boas para venda.

O estudo actualmente em curso não é uma análise objectiva de como tornar mais eficaz ou maximizar a receita para o estado: é um estudo para vender esses bens essenciais, tal como definido claramente no seu mandato: "Avaliar o potencial para venda de bens no sector público, incluindo órgãos estatais comerciais, tendo em conta o endividamento do Estado".

Esta abordagem de rescaldo para a venda de bens nacionais não é apenas uma acção a curto prazo, no sentido de que são empresas lucrativas de responsabilidade estatal, que contribuem com uma receita consistente para o estado e proporcionam serviços infra-estruturais essenciais ao povo: é muito mais ainda, visto que o valor dos dólares recebidos se vai depreciando cada vez mais.

Temos que nos agarrar a esses negócios e procurar desenvolver e fazer crescer esse sector enquanto parte essencial e lucrativa da economia.

Pergunta: Os sindicatos precisam de mudar de rumo. Porquê?
Resposta — Os sindicatos estão a tentar "apagar o fogo" da perda de empregos, dos cortes nos salários, dos ataques às pensões, e do assalto generalizado às condições do emprego na indústria e nos empregos. Mas é preciso que os sindicatos e os membros sindicalizados combatam a causa do fogo.

Os sindicatos e o movimento mais alargado da força de trabalho e da comunidade têm que começar a cooperar, a mobilizar e a fazer campanha quanto às causas políticas e económicas da perda de empregos e dos cortes. Os sindicatos têm que tratar das questões nacionais do controlo da nossa economia, e da direcção necessária para criar uma economia saudável e sustentável para os membros dos sindicatos e para a sociedade.

Os dirigentes sindicais têm a obrigação de dirigir, mas os seus membros também têm que contestar, mobilizar e impelir os sindicatos para a frente. Só uma combinação de chefia e de mobilização será capaz de defrontar as causas do assalto aos trabalhadores.

Os sindicatos são políticos e têm que expressar essa política. A questão é: De que lado é que eles estão? Andam a tentar manter a cabeça baixa, esperar pelos seus membros, e reconstruir sobre uma revolução global, ou pretendem liderar um movimento capaz de desafiar a classe dominante e construir uma sociedade progressista para os seus membros?

Pergunta: Construir uma política alternativa para o povo. Porquê?
Resposta — Não podemos construir uma economia sustentável e a longo prazo sob o domínio da UE e do FMI. Nem podemos fazê-lo ajustando uns impostos aqui e ali, ou cortando algumas despesas, ou alargando o período durante o qual "violamos" o Pacto de Crescimento e Estabilidade. É preciso controlo para construir uma economia, e isso é uma questão política.

As recomendações aqui feitas são necessárias, no seu conjunto, para construir a economia de um povo – uma economia nacionalmente controlada. Mas vão enfrentar a resistência do Governo, da UE, do FMI, dos grandes negócios, dos meios de comunicação, e das instituições académicas e de economistas.

Para ultrapassar essa oposição precisamos de uma política popular e de um movimento político. Chegou a altura de o povo se levantar e se contarem as espingardas. Chegou a altura de o povo fazer um esforço para construir um movimento para fazer campanha e lutar pelos seus princípios.

A União Europeia actuou durante algum tempo, nas suas relações económicas externas, de um modo ameaçador e predatório para com os países mais pobres, ditando acordos comerciais desiguais no interesse das suas corporações transnacionais. Os acontecimentos recentes denunciaram a relação exploradora, neo-colonialista entre os países mais fortes e mais fracos da União Europeia. Isto agora é claro em relação aos antigos países socialistas da Europa do Leste, e também em relação à Irlanda, agora que rebentou a Bolha Céltica. A decisão da UE de avançar sobre a Irlanda foi precedida por uma reunião privada entre os governos britânico, francês e alemão, mostrando quem é que manda na União Europeia.

N.T.
[1] Fianna Fáil – Partido Republicano, o maior partido político da República da Irlanda; partido do regime estabelecido, com influência dominante no governo e na vida política da Irlanda desde a década de 1930.
[2] Anos 'Celtic Tiger' – termo utilizado para descrever a economia da Irlanda durante o período de rápido crescimento económico entre 1995 e 2007.
[3] NAMA – Agência Nacional de Gestão de Valores – órgão criado pelo governo da Irlanda nos finais de 2009, para resposta à crise financeira e à deflação da bolha imobiliária irlandesa.
[4] ESB – Companhia fornecedora de electricidade
CIE – Companhia ferroviária
An Post – Companhia de serviços postais, comunicações e financeiros
An Bord Gáis – Companhia distribuidora de gás natural
Iarnród Éireann – Companhia da rede ferroviária
Dublin Bus – Principal companhia de transportes na área da grande Dublim.

Fonte: resistir.info