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Esporte, educação e desenvolvimento: ousar, repensar e fortalecer

Tenho acompanhado atentamente durante os últimos meses os debates sobre os impactos que eventos esportivos como a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 podem trazer para as cidades brasileiras, e verificamos aqui que são inúmeros e incontestes os benefícios que tais oportunidades podem propiciar.

Por Marcelo Gavião*


Fico projetando o quanto será bom pra melhorar a vida do nosso povo se tais oportunidades de melhorar a estrutura das grandes cidades forem concretizadas. Em função disso, quero discorrer sobre algumas delas e chamar a atenção sobre o risco de interesses alheios aos da maior parte da população acabarem prevalecendo.

Para além de grandes eventos esportivos, a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 devem ser encaradas como grandes oportunidades para travarmos debates a muito esquecidos ou escondidos. Como, por exemplo, a necessidade de democratizar o acesso à prática do esporte, assim como a de combinar melhor educação e esporte, além de discutir como melhorar a mobilidade urbana nas grandes cidades.

Os Jogos Olímpicos do Rio 2016 precisam se tornar os Jogos Olímpicos do Brasil. E, dessa forma, estar a serviço da urgente necessidade que temos de repensar o padrão de desenvolvimento e também a política de financiamento do esporte nacional. Isso se não quisermos, como disse na época da conquista Olímpica o presidente Lula, lutar apenas pela conquista de meia dúzia de medalhas, como tem ocorrido na história da participação de nosso país nesses jogos.

Legado

Nesse sentido, democratizar o acesso à prática do esporte será, sem dúvidas, um dos maiores legados que podemos deixar para as futuras gerações. Mas essa não será uma tarefa fácil, pois é ainda recente o pensamento que nos leva a cuidar do esporte como algo importante para o conjunto da população. Vide o próprio tempo de existência, por exemplo, do Ministério do Esporte.

Embora a história institucional do esporte no Brasil tenha iniciado no governo de Getúlio Vargas, em 1937, por intermédio da lei que criou a Divisão de Educação Física do Ministério da Educação e Cultura, foi apenas em 1998, no final do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, que o esporte ganhou de fato status de Ministério, ainda que associado ao Turismo. E em janeiro de 2003, durante o primeiro mandato do presidente Lula, desmembraram-se os Ministérios do Esporte e do Turismo e isso possibilitou dar um novo tratamento à política de esporte no Brasil.

Quando olhamos para os governos estaduais e municipais a situação é ainda pior, pois uma parte significativa dos estados apenas passou a adotar uma estrutura própria para o esporte a partir de suas indicações como sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014.

Novos passos

Mesmo com os avanços verificados na última década é preciso, no atual momento, adotar duas medidas no sentido de dar mais consistência a esses novos passos. A primeira é fortalecer as instituições públicas do esporte em todas as esferas de poder.

É fundamental que sejam criadas e fortalecidas as secretarias estaduais e municipais de esporte e a elas sejam dadas as tarefas de planejar e executar uma política pública voltada para o esporte que atenda as demandas da sociedade, dotando as secretarias municipais, estaduais e o Ministério do Esporte com orçamentos adequados aos seus desafios.

A segunda medida necessária é ousar repensar as bases do esporte em nosso país, rompendo com o quase monopólio dos clubes sobre a prática de determinadas modalidades.

Para isso, devemos construir uma ligação cada vez mais tênue entre as escolas, universidades e a prática do esporte.

A escola no centro

Passamos por um momento em que repensar a função da educação básica pública é uma necessidade de primeira hora. E nada mais oportuno do que se aproveitar desses grandes eventos para fazer da escola o principal pilar dessa revolução que pode ser a democratização do acesso à prática do esporte.

Outro grave problema que esses eventos devem nos ajudar a superar é a baixa capacidade de mobilidade urbana, mal do qual sofrem hoje as grandes cidades brasileiras. Com o desenvolvimento da indústria e o crescimento da economia, o acesso mais fácil a bens antes restritos às classes mais abastadas virou realidade para uma parcela cada vez maior de pessoas. Isso é uma vantagem, um sinal de desenvolvimento, mas que exige uma estruturação cada vez melhor de nossas cidades.

Um bom exemplo disso é a combinação perigosa que representa um serviço de transporte público de baixa qualidade e o alto número de veículos novos vendidos por dia no Brasil. Isso, associado à falta de planejamento que contemple o crescimento, tem feito com que algumas cidades vivam à beira de um colapso.

O curioso é que a solução para um mal que é típico de uma sociedade capitalista e individualista está justamente em ampliar os investimentos para modernizar e melhorar a qualidade de um importante setor, que é o do transporte público. Mas esse raciocínio que parece induzir a um final feliz e lógico, pode se tornar uma cilada se não for acompanhado de perto pela população.

Salvador

Podemos citar como exemplo o que ocorre em Salvador. A terceira maior cidade do país é, dentre as grandes, a única que não dispõe de metrô em funcionamento. Esperávamos que esse mar de oportunidades fosse criar um grande mutirão unindo o governo municipal, estadual e federal, resultando em um belo e moderno metrô, que fosse do aeroporto à estação da Lapa (no centro da cidade), passando por toda a Avenida Paralela. Que mais tarde pudesse chegar até o subúrbio ferroviário e, depois, uma extensão dele percorresse a orla de Salvador, do Flamengo até o Farol da Barra. Doce ilusão!

O grande plano para melhorar a mobilidade urbana na cidade de Salvador durante e depois da Copa de 2014 é o “moderno” Veículo Articulado Sobre Pneus. Uma vergonha, um verdadeiro atraso que atende apenas aos interesses dos donos das empresas de ônibus da cidade. Modelos como esse já existem há mais de 10 anos em outras capitais brasileiras e sua eficácia é contestada principalmente por ser uma medida de alto custo de manutenção, e que funciona apenas como um paliativo, diferente dos modelos de transporte de massas em operação hoje nas grandes metrópoles do mundo.

Por fim, vale afirmar que essas oportunidades só se tornarão realidade se contarem com um grande protagonismo da sociedade. Acompanhar os debates, propor saídas e cobrar do poder público resultados condizentes com a magnitude das oportunidades precisa ser a nossa tarefa do momento.

Ficaremos na torcida apenas depois que os eventos começarem, mas até lá, devemos seguir sempre alerta e vigilantes, para o bem do Brasil.

*Marcelo Gavião é membro do Comitê Central do PCdoB.