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Pintor moçambicano Malangatana morreu nesta quarta

Morreu nesta quarta-feira (5) o pintor moçambicano Malangatana Ngwenya. Ele tinha 74 anos e estava internado no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, Portugal. Nomeado “Artista da Paz” pela Unesco, ele ficou famoso no mundo pelos retratos que fez da guerra colonial em seu país.

Enormes murais de Malangatana decoram vários prédios em Maputo, como, por exemplo, o hall de entrada do Ministério do Interior e as paredes externas do Museu de História Natural. Malangatana Valente Ngwenya (“crocodilo”, na língua changana) nasceu em 6 de junho de 1936 em Matalana, periferia de Lourenço Marques (hoje Maputo), capital da então província ultramarina de Moçambique.

Foi pastor, agricultor, aprendiz de curandeiro e catador de bolas em um clube de tênis. Foi lá que conheceu o biólogo português Augusto Cabral, que o ajudou nos primeiros passos na arte.
"Pintar é um conversar sobre os nossos desejos, dilemas e receios. O cozinhar de um quadro não pode ser um mero exercício de trabalho, tem de ser um espelho do que vai na alma", dizia Malangatana.

Sua obra é marcada pelas pinceladas fortes, de cores vibrantes, que retrataram os moçambicanos com expressividade e sentimento. Os retratos de rostos sofridos pela opressão colonial e pela guerra de libertação percorreram o mundo.

Desde o início, os especialistas viram na sua pintura laivos surrealistas. O artista explicava: "Muitas vezes estava a dormir, tinha alucinações ou sonhos de monstros, de que tinha mesmo medo. Levantava-me e pintava. Isso era para mim uma descarga." Nos seus quadros há monstros, há lendas, mas há, sobretudo, pessoas. Bastava-lhe ver o mundo para se inspirar: "São os acontecimentos do mundo, às vezes tristes, outras alegres, e eu não fico indiferente."

Além de pintar, o artista também fazia esculturas, tapeçarias e usava muitos elementos naturais nas suas obras, como raízes, conchas, sementes e areia.“A sua arte era de um impacto tal que as autoridades coloniais viram o seu verdadeiro conteúdo político, emancipatório e reivindicativo” disse à Agência Lusa o porta-voz da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), hoje partido político, Édson Macuácua. “Por isso, foi preso pela Pide [Polícia Internacional e de Defesa do Estado], por pertencer à Quarta Região Militar da Frelimo.”

O pintor passou um ano e meio nas instalações da temida e violenta Pide, que reprimia os movimentos pró-independência nas então colônias portuguesas, entre 1945 e 1969. Para a Frelimo – partido do presidente Armando Guebuza e pelo qual o próprio Malangatana se elegeu deputado em 1990 – , o artista foi “um obreiro da identidade moçambicana”.

O maior partido de oposição de Moçambique, a Renamo, também lamentou a perda. “Desapareceu um ícone da cultura moçambicana”, disse o porta-voz do partido, Fernando Mazanga, à Lusa. “A expressividade da sua obra é de uma singularidade que nos autoriza a afirmar que se calou o homem, mas a sua arte continuará a falar por muito mais tempo.”

O presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, dirigiu uma mensagem à família de Malangatana, na qual expressa “condolências” pela morte. Chama o pintor de “artista de exceção, (…) pelo seu papel cívico na luta pela democracia e pela melhoria das condições de vida do povo moçambicano”, e de “uma figura marcante do encontro de culturas secular entre Portugal e África, que ficará na memória e no coração de todos os que acompanharam o percurso deste amigo de Portugal e dos Portugueses”.

A ministra do Ensino Superior Ciência e Cultura de Cabo Verde, Fernanda Marques, também manifestou pesar, dizendo tratar-se de “uma perda muito grande não só para os moçambicanos, mas também para todos os povos lusófonos”. Vários artistas, amigos, políticos e entidades também lamentaram a morte, sublinhando o carisma e humanidade do pintor, ao mesmo tempo que assinalaram a grande perda para a cultura lusófona.

Com agências