Sofia Coppola foca vida vazia em "Um Lugar Qualquer"
Com apenas três longas-metragens no currículo, Sofia Coppola já tem uma base fiel de fãs. A filha de Francis Ford fez uma estreia promissora com "As Virgens Suicidas" (1999), ganhou um Oscar de roteiro original com "Encontros e Desencontros" (2003) e, bem, agradou ao menos aos fashionistas com sua versão moderna de "Maria Antonieta" (2006).
Por Marco Tomazzoni, no iG
Publicado 28/01/2011 16:10
Os ingredientes que fizeram sua fama – melancolia, atores silenciosos, personagens deslocados e trilha sonora esperta – estão de volta em "Um Lugar Qualquer", ganhador do Leão de Ouro no Festival de Veneza, que estreia nesta sexta-feira (28) no Brasil.
Escrito ao mesmo tempo em que "Encontros e Desencontros", "Um Lugar Qualquer" compartilha as inquietações do primeiro filme. O ator veterano interpretado por Bill Murray aproveitava a solidão de um quarto de hotel no Japão para reavaliar sua vida, auxiliado pela insone Scarlett Johansson.
Já o astro encarnado por Stephen Dorff não precisa viajar: ele mora no Chateau Marmont, tradicional cinco estrelas de Los Angeles erguido à semelhança de um castelo francês. Sem muitos diálogos, demora-se uns 20 minutos para entender que Dorff é Johnny Marco, figurinha quente em Hollywood, cheio de dinheiro e assediado por fãs. Já o dilema existencial do personagem percebe-se de cara: sua vida é tão vazia e inerte como as voltas que ele dá com sua Ferrari na cena de abertura.
Movido a álcool, Marco frequenta festas sozinho, sem interagir com ninguém. Vive à deriva, fumando na janela do quarto e transando com fãs hospedadas do outro lado do corredor, sem contar as modelos dispostas a abrir o biquini num estalar de dedos. Recebe ordens da agente por telefone e vai a eventos fúteis da imprensa. Sua rotina é tão torpe que ele pega no sono vendo um pole-dancing privado de gêmeas da Playboy e até durante o sexo. A fama serve como pretexto para não se apegar a ninguém e se sustentar da futilidade.
Assim como Johansson deu a chance de redenção para Murray, Marco também ganha uma oportunidade. O ator de repente precisa cuidar da filha de 11 anos, Cleo (Elle Fanning, irmã de Dakota), enquanto sua ex-mulher precisa "de um tempo". Pai ausente, o convívio e as descobertas ajudam o personagem de Dorff a tentar achar seu lugar no mundo, enquanto ele se adapta, aos trancos, à vida a dois.
A diretora, mais uma vez, usa o cinema para trazer à luz seus fantasmas e traumas pessoais. Ela já falou em mais de uma ocasião que não foi fácil crescer acompanhando o pai em hotéis pelo mundo e também deve ter testemunhado uma boa parcela de mulheres nuas se atirando em cima dele. Há, inclusive, uma referência direta da infância: Sofia resolveu colocar no filme o mesmo funcionário do Chateau Marmont que cantava para ela no lobby do hotel quando criança.
O acerto de contas com o pai, portanto, é um dos ingredientes que temperam a história, assim como uma certa crítica à indústria do entretenimento, que Sofia também conhece bem. A conversa de Johnny Marco com os jornalistas é um retrato amargo da realidade, assim como do mecanismo promocional de Hollywood, movido a flashes e cinismo.
A péssima TV italiana aparece como representante do absurdo mundo das celebridades. E o próprio Marco é um desastre enquanto estrela: não lê seus roteiros, não tem opinião, nem se preocupa em aprimorar seu trabalho. Os bastidores revelam que o astro é tão vazio de ideias como se imaginava (ou não?).
Apesar do pano de fundo ácido, o que move "Um Lugar Qualquer" é a inadequação do personagem principal. Sofia Coppola usa o que conhece – o mundo do cinema, os hotéis, os endinheirados – para falar da busca por um sentido na vida. Nada diferente de seus longas anteriores, pelo contrário: trata-se da mesma obsessão, ou até de mera repetição.
A diferença aqui é o uso do ritmo cadenciado, quase lento, em planos longos, que a equipe do filme chama de "europeu". Essa complexidade, digamos, também tenta se estender para metáforas visuais – Marco envolto numa máscara de gesso para lembrar como ele é oco por dentro –, que, óbvias, ajudam a dar um ar artificial que prejudica o conjunto, em especial o desfecho da história, frustrante.
A cineasta mantém, contudo, seu olhar sensível. A intimidade crescente entre pai e filha, graças a uma química excelente entre Dorff e Fanning, cativa e é o que "Um Lugar Qualquer" tem de mais genuíno. A trilha sonora composta pela banda francesa Phoenix (o vocalista Thomas Mars é casado com a diretora) e recheada de pérolas pop (Foo Fighters, Police, Strokes, T. Rex) tornam a projeção, como de costume, uma experência agradável. Isso, Sofia continua fazendo bem.