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Tortorella: "Há espaço para um partido de esquerda na Itália"

Envolvida em uma enésima crise – o procurador de Milão anunciou que pedirá o julgamento imediato de Silvio Berlusconi por envolvimento com prostituição de menores – a classe política italiana quase esqueceu que hoje (03/02) é 20º aniversário da dissolução do Partido Comunista Italiano.

Por Gianni Cipriani e Paola Pentimella Testa

Criado em 1921, o “PCI”, como é chamado na Itália, chegou a ser a maior formação política de esquerda do Ocidente. Sua desaparição, em 3 de fevereiro de 1991, na conclusão do congresso de Rimini, abriu o caminho para a criação do Partido Democrático de Esquerda (PDS, na sigla em italiano) que abandonou, há alguns anos, o “esquerda” do nome.

Aldo Tortorella tem 85 anos e ainda é um combatente. Na juventude, sob o apelido de “partidário Alessio”, fazia parte da resistência que lutava contra a ocupação nazi-fascista da Itália. Em 1945, após a liberação do país, começou a trabalhar no l'Unità, o jornal do PCI. Desde então, Tortorella ocupou os mais prestigiosos cargos no partido: parlamentar, membro da secretaria, responsável pela cultura e diretor do l'Unità. Um dirigente que sempre esteve entre os mais próximos colaboradores de Enrico Berlinguer, o secretário mais venerado.

Após o fim do PCI, ao qual Tortorella se opôs, e o surgimento do Partido dos Democratas de Esquerda, ele compôs a minoria interna junto com Giovanni Berlinguer, irmão mais novo de Enrico. Recentemente, Tortorella fundou a “Associação para a Renovação da Esquerda”, a fim de tentar reconstruir uma perspectiva de mudança sobre as ruínas do que já foi a grande esquerda italiana.

Tantos anos depois, o que se pode dizer sobre o fim do PCI e sobre todos os passos que levaram ao nascimento do PDS, e, anos mais tarde, ao do PD? Foram etapas historicamente inevitáveis?
Na realidade, era possível tomar um outro caminho, como muitos de nós sugerimos do antigo Partido Comunista Italiano. Não penso que fosse necessário interromper dessa forma a experiência do PCI. Também porque, como os fatos demonstraram depois, se configurou uma operação que teve como resultado final, em vez da superação do comunismo, a fundação de uma esquerda que gradualmente adotaria um sistema de valores que de esquerda não tinha nada. E, de fato, hoje na Itália não existe mais um grande partido declaradamente de esquerda e com valores de esquerda como há em quase todos os países.

Por que o PCI se tornou o maior partido comunista do Ocidente? Qual foi a peculiaridade da sua singularidade e da sua fidelidade à Constituição e às regras da democracia?
Essencialmente, pela reforma feita por Palmiro Togliatti das idéias comuns aos comunistas no longínquo ano de 1944, quando ele retornou à Itália. O que ele fez foi tornar o PCI em um partido de programa e não mais um partido procurado somente pela ideologia, um partido de massa e não um partido estanque do povo e, por fim, um partido que, ao contrário de outros partidos que se diziam comunistas, lutava acima de tudo pela democracia, e que desejava ter ao mesmo tempo um caráter nacional e internacionalista. A fidelidade do Partido Comunista à Constituição republicana, que ajudou a escrever, inclusive a assinar com um de seus membros mais influentes, Umberto Terraccini, e a lealdade no teste mais árduo, pela causa da liberdade e da justiça social, são os motivos fundamentais que poderiam ter levado o Partido Comunista a se tornar o maior partido comunista do Ocidente.

Na Itália, também graças à linha difundida por Enrico Berlinguer, ser um comunista não significa ser “pró-soviético” ou subordinado à URSS, dos quais foram denunciados os limites e as distorções. Por que, no entanto, alguns dizem que com a queda do muro de Berlim eram menores as condições históricas para a existência do PCI?
Aqueles que sustentam essa tese a defendem com o argumento de que o nome “comunista” seria impronunciável por causa dos muitos não somente erros, mas crimes reais que foram cometidos em seu nome por Stalin e, posteriormente, por outros. Aqueles de nós que, no momento da dissolução do PCI, defendemos que era possível um caminho contrário, alegávamos, ao contrário, que o PCI era, naquele momento, provavelmente o único no mundo que podia resgatar a honra desse nome, porque de fato nunca teve suas raízes associadas a regimes tirânicos e negadores da liberdade, mas à realização de uma liberdade mais ampla para as mulheres e os homens. Naturalmente, isso comportava uma profunda reforma das idéias do próprio Partido Comunista Italiano e de quanto ainda de esquemático e dogmático podia permanecer dentro dele. Esse compromisso foi considerado, porém, impossível pela maior parte dos dirigentes centrais e intermediários do Partido Comunista Italiano da época.

Hoje, depois de tantos anos na Itália, há o PD, que não se declara mais partido de esquerda, mas de centro-esquerda. Por que na Itália não há espaço para um grande partido de esquerda?
Na Itália, em minha opinião, existe espaço para um grande partido de esquerda. E acredito que aquele que se chamava Partido Democrático da Esquerda cometeu um grave erro ao renunciar à denominação de esquerda, visto que hoje o PD está muito dividido internamente, continuamente à beira de sofrer profundas divisões, tendo já sido submetido a algumas separações sensíveis. Mas a mais severa é a cisão silenciosa dos eleitores, porque uma grande parte do eleitorado de esquerda passou à abstenção, não se identificando mais nem com o PD nem com outros pequenos partidos que se proclamam de esquerda, ou comunistas, ou outras legendas similares.

Por que o PD de hoje tem em seu interior muitas vozes que aceitam tranquilamente a linha Marchionne na Fiat e manifestam impaciência com as políticas relativas ao FIOM e CGIL (maiores sindicatos da Itália)?

O fato de que o PD abrigue internamente muitas vozes, as quais aceitam a linha de Marchionne na Fiat, deriva da composição anômala que se quis dar a esse partido, renunciando a cada ideia que poderia parecer até mesmo vagamente similar à interpretação marxista da luta de classe. Na verdade, a luta de classe não foi inventada por Marx, mas apenas revelada por Marx, e é uma luta que se desenvolve espontaneamente, naturalmente no caso de uma sociedade dividida em diferentes classes e em que existam abismos de separação entre riqueza e pobreza. A doutrina interclassista que foi aceita pelo Partido Democrático não é em si absolutamente negativa, porque é evidente que um partido, inclusive o antigo Partido Comunista, abriga em si vários extratos e classes sociais, várias culturas, caso contrário não seria um verdadeiro partido programático.

Mas o que deve caracterizar um partido de esquerda é a prioridade que atribui à causa dos desafortunados e excluídos, caso contrário renuncia à sua qualidade de partido de esquerda e, anoto, abriga posturas – hoje encontradas no PD – que não conseguem ver ou, realmente, se recusam a ver as injustiças que estão presentes na organização da sociedade e na organização do trabalho humano. Ignoram o fato de que a riqueza inevitavelmente nasce da exploração.

Fonte: Opera Mundi