Líbia: vai longe o tempo que o regime era anti-imperialista
As revoltas no mundo árabe refletem, e por sua vez agravam, a grande crise do capitalismo global. Um dos pilares do imperialismo estadunidense – o seu controle dos recursos energéticos do Oriente Médio – está a ser abalado em profundidade. O imperialismo investe todo o seu arsenal para travar os acontecimentos, ou canalizá-los em direções "aceitáveis". E procura retomar a iniciativa.
Por Jorge Cadima, no Avante!
Publicado 03/03/2011 14:42
É também nesta ótica que se deve analisar a ação do imperialismo relativamente à Líbia. As reações oficiais e midiáticas são claramente diferentes das registradas nos casos da Tunísia ou Egito. Não há análises cautelosas sobre "transições ordeiras". Não há a "ameaça do fundamentalismo islâmico". Entrou em cena a máquina de propaganda e desinformação que antecede as intervenções políticas e militares imperialistas. Numa só semana revivemos as patranhas dos "3 mil mortos em Timisoara", dos "bebês arrancados das incubadores no Kuwait pelos soldados de Saddam", do "genocídio dos albano-kosovares", das "armas de destruição em massa". O Ministério das Relações Exteriores britânico entrou nos anais da diplomacia (e da provocação) declarando ter informações de que Kadafi estava a caminho da Venezuela. O imperialismo, responsável por centenas de milhares de mortos só nas guerras dos últimos anos, derrama lágrimas de crocodilo pelos mortos da repressão do regime líbio, para abrir caminho a um novo crime.
Longe vai o tempo em que o regime líbio se caracterizava pelo anti-imperialismo. Há anos que predomina a colaboração econômica, mas também política e entre serviços secretos, com as potências imperialistas. Hoje Kadafi coleciona inimigos entre as forças progressistas do mundo árabe e Oriente Médio. Mas a sua colaboração com o imperialismo não impede que este o sacrifique.
A intervenção imperialista – já em curso – não resulta apenas dos enormes recursos energéticos da Líbia, que detém as maiores reservas petrolíferas na África. É também a tentativa do imperialismo retomar a iniciativa, instalando-se militarmente num país que faz fronteira com o Egito e a Tunísia, lançando um aviso a outros levantamentos populares em curso no mundo árabe (do Iêmen ao Barein, sede da 5ª Frota Naval dos EUA), aliviando a pressão sobre os seus aliados em perigo (daí o entusiasmo da al-Jazira e da al-Arabiya pela Líbia), a começar pela Arábia Saudita, uma das mais bárbaras ditaduras pró-EUA e peça central da dominação imperialista da região, centro promotor do fundamentalismo mais retrógrado e reacionário, mas sempre poupada pelos "comentaristas" de serviço.
E, quem sabe, encontrar finalmente uma sede em África para o AFRICOM… A comunicação social fez grande alarido da viagem do primeiro-ministro inglês ao Cairo, "a primeira após a queda de Mubarak". Mas foi um acerto de última hora numa viagem "a estados do Golfo não democráticos, acompanhado de oito dos principais produtores de armas britânicos". Em simultâneo, "o ministro da Defesa britânico está na maior feira de armamentos da região, em Abu Dhabi, onde 93 outras empresas britânicas promovem os seus produtos" (The Guardian, 21 de fevereiro de 2011). Os lucros de mão dada com o apoio aos seus serventuários.
É sinal dos tempos que o principal comentador político do jornal conservador inglês Daily Telegraph escreva (24 de fevereiro de 2011): "Os impérios podem colapsar no decurso duma geração […] Hoje, é razoável perguntar se os Estados Unidos, aparentemente invencíveis há uma década, não seguirão essa trajetória. A América sofreu dois golpes profundos nos últimos três anos. O primeiro foi a crise financeira de 2008, cujas consequências ainda não se fizeram realmente sentir [!]. […] agora parece que 2011 irá assinalar a queda de muitos dos regimes ao serviço da América no mundo árabe. É pouco provável que os acontecimentos venham a seguir o rumo asseado que a Casa Branca gostaria de ver. […] A grande questão está em saber se a América irá aceitar a redução do seu estatuto com graciosidade, ou se irá responder com violência, como os impérios em apuros têm tendência histórica a fazer". Os acontecimentos destes dias estão a dar resposta à interrogação. Cabe aos povos impedir que o imperialismo estadunidense e europeu, no seu declínio historicamente inevitável, afundem a Humanidade na catástrofe.
Fonte: Avante! Título do Vermelho