Grajaú, bom Grajaú
Em artigo, Allan Kardec homenageia a terra natal, Grajaú, que anteontem chegou ao seu Bicentenário.
Publicado 15/03/2011 11:28 | Editado 04/03/2020 16:47
Allan Kardec Duailibe
Grajaú é um retrato na parede, na sala de estar de minha alma. Envelhecido ou encanecido, é o que guardo comigo e me acompanha, espelhando minha infância, meu pai, meu avô… Coleto essa imagem do velho Drummond, mas que cala fundo. Falar de Grajaú é entrar em um estágio diferente, Nirvana sagrado.
Quem não se lembra de suas molecagens e peraltices de menino? Quem não se emociona quando recorda ser “irresponsavelmente feliz”, como diria o velho Chico Xavier? Pular de cima da ponte na água barrenta do rio, filha das chuvas; entrar na chapada ‘a busca de pequi e bacuri; caçar de baladeira (o que nunca consegui, em parte por incompetência, em parte por pena dos passarinhos). Na verdade, como qualquer criança, sempre tive a idéia de que Grajaú era o centro da Terra. Depois de crescer, me convenci que era mesmo. Afinal, o rio Grajaú deságua no Mearim que, por sua vez, desemboca na Baia de São Marcos para formar o grande Oceano Atlântico! ‘O Grajaú, minha aldeia!
Agora mesmo, ouso compartilhar com você, atravessar o rio da minha infância para agradecer a felicidade de ter deitado os olhos naquelas matas belas – que hoje não existem mais: foram dilaceradas em sua maioria. Ontem, as correntes da escravatura açoitaram a imagem de nosso país, hoje, os correntões desalmados desancam as árvores que não voltarão mais. Pés de bacuri, pequi, mutamba, cajuí serão não mais do que uma bela memória daqueles que os viram vivos. Nessa data creio ser o momento também de refletir sobre o passado, de exaltar o que realizamos, entender o que somos, mas identificar nossas deficiências. Não vejo outro sentido, a não ser esse de estudar Grajaú, quando da celebração desses 200 anos.
Creio justo compartilhar com os colegas de outros amados rincões que Grajaú celebrará, segundo o reitor Natalino Salgado, mais uma vitória em seu bicentenário: a inauguração do campus da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Grajaú e toda a região central do Estado vão ser beneficiadas com a construção do Campus Grajaú, por conta do REUNI, assegurando oportunidades para o jovem entrar em uma universidade pública e poder se formar por competência. É uma luta antiga do nosso município, em que trabalhamos várias pessoas (nominar algumas seria injusto com outras). Não e’ demais falar que já tínhamos trazido a grande Uema, e lutaremos, definitivamente, pelo IFET.
A cidade é o palco de nossos anseios. Para aqueles que direta ou indiretamente a constroem, mesmo que seja só em seu imaginário, ela sussurra, fala e grita. Ela é franca e aberta, mas em muitos sentidos é de uma beleza e de um mistério que só aos olhos treinados e aos corações humanizados se mostra inteiramente. Principalmente quando se desnuda em uma bela noite, ou invade nossos sonhos nas chuvas ansiosas por espaço. E se faz presente e diferente em cada instante. O fato é que meu passado, meus pais, meus contemporâneos e meus anseios estavam e ainda estão a vagar pelas ruas dessa cidade, me atam a ela. Reminiscências das noites quentes nas chapadas e nas calçadas, as brincadeiras nas ruas, os campinhos, os papagaios e os grandes quintais à sombra dos pés-de-mangas. Aquela sensação de aconchego no aceno de velhos conhecidos e lembranças dos que se foram, como o professor Pedro Paulo.
Morei no Japão ao longo de oito anos, afetado por um terrível tsunami na última sexta-feira. Mas é um país admirável, que fascina não só pela sua encantadora cultura milenar, mas também pelo contraste entre o antigo e o moderno, a tradição e a evolução cultural e tecnológica. O Japão possui lugares místicos e paisagens belíssimas, como a do Monte Fuji e as tão típicas árvores de cerejeira, símbolo do país. Hoje moro na ponte área São Luís-Rio de Janeiro, cidades cujas qualidades não necessitam serem mencionadas. Mas que um dia chegarão ao nível de Grajaú!
Portanto, nesse momento de comemoração, é hora de aproveitar para sonhar. Para viver. Para abraçar a velha terra carcomida pelo tempo, sábia pelos anos, bela pelas auroras. Construir mais uma ponte sobre o rio que outrora era cruzado por canoas, e seguir adiante, fazendo, lutando, trabalhando. Creio que a maior batalha e a melhor herança será sempre a da educação. É nela que cruzarão os futuros timoneiros, os bebês-generais que certamente farão dessa terra, de Grajaú, algo ainda maior, por ser tão amada, tão adorada, tão paparicada. Poetas, engenheiros, médicos e tantos outros nascerão no aconchego da mãe-educação. Mãe-Grajaú. Viva você! viva tu!
Allan Kardec Duailibe é Diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP).