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Amorim: Obama deveria apoiar Brasil no Conselho da ONU

O apoio de Obama à candidatura da Índia por um assento permanente do Conselho de Segurança foi um importante passo. Nós, no Brasil, concordamos com esta posição de Obama, pois temos uma relação muito estreita com a Índia. Em suas propostas em relação à Índia, os Estados Unidos são motivados por sua rivalidade com a China, os seus interesses na Ásia, no Afeganistão e assim por diante. Mas como você poderia justificar a Índia no Conselho de Segurança e não o Brasil?

por Celso Amorim

Os quatro cantos do sistema global já refletem a nova realidade geopolítica do mundo. O Brasil, por seu turno, está no centro das negociações comerciais internacionais. Em matéria financeira, somos um dos líderes no G-20. Contribuímos concretamente para a reforma do sistema de quotas do Fundo Monetário Internacional, o FMI, juntamente com os outros países do BRIC. Ao final das negociações sobre questões climáticas, em Copenhague, em 2009, foram o presidente Barack Obama, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os líderes de China, Índia e África do Sul que em conjunto chegaram a um acordo possível. Em todas estas áreas, já é aceito amplamente que o Brasil é um líder. Apenas na esfera da paz e da segurança é que não o somos.

Durante meus oito anos como ministro das Relações Exteriores, trabalhei incansavelmente para alterar esta situação. Nossa estratégia foi de duas mãos: tentar trabalhar dentro das Nações Unidas, mas ao mesmo tempo pressionar por reformas a partir de fora da organização internacional. Extraímos lições de outro grande exemplo recente de mudança no sistema multilateral: a reforma do FMI.

Nunca teria sido viável a mudança no sistema de cotas se a pressão viesse só de dentro do FMI, mas esta alteração foi possível graças à pressão exercida pelo grupo de países do G-20.
Da mesma forma poderá ocorrer com as Nações Unidas. Poderemos também começar algum tipo de reforma a partir do exterior, por exemplo, mantendo reuniões dos representantes do G-20 em vez de tratar apenas com os Ministros das Finanças. (Agora que eu não sou mais ministro das Relações Exteriores, posso dizer isso porque eu não estou falando em interesse próprio!) A construção destes grupos informais vão ajudar a pressionar as instituições de
mudança formal no âmbito das Nações Unidas.

O apoio de Obama à candidatura da Índia por um assento permanente do Conselho de Segurança foi um importante passo. Nós, no Brasil, concordamos com esta posição de Obama, pois temos uma relação muito estreita com a Índia. Em suas propostas em relação
à Índia, os Estados Unidos são motivados por sua rivalidade com a China, os seus interesses na Ásia, no Afeganistão e assim por diante. Mas como você poderia justificar a Índia no Conselho de Segurança e não o Brasil? Como você poderia ter mais um país asiático — porque o Japão, provavelmente, também terá que se juntar à Índia — e não indicar um país da América Latina ou da África? Como você pode premiar um país que decidiu se tornar uma potência nuclear e negar o mesmo para um país que não? O Brasil poderia ter desenvolvido armas atômicas — temos a capacidade de processar o urânio — mas optou-se por escrever em nossa
Constituiçã o que a energia nuclear deve ser usada somente para fins pacíficos. Nós não devemos ser penalizados por isso.

Tenho consciência que a reforma da ONU será muito difícil. Mas também sei que é uma necessidade absoluta, e é uma obrigação, porque caso contrário, o Conselho de Segurança vai se tornar cada vez menos relevante. É claro que a reforma levará tempo, embora talvez não tanto como nós podemos imaginar. Se você tivesse me perguntado antes da crise financeira de 2008, quanto tempo levaria para o G-7 se tornar o G-20, eu teria dito que talvez uns 10 anos.

Mas demorou menos de um. Espero que não tenhamos de esperar uma crise semelhante, desta vez na área de segurança, para provocar o Conselho de Segurança a agir. O que está acontecendo hoje no mundo árabe, deve ser uma tomado como um alerta: nenhum país isoladamente no mundo é capaz de lidar com esta situação, não são capazes nem mesmo de
a nalisá-lo. Quanto mais o mundo escuta outras pessoas que tenham boas relações na região, mais escolhas e opções teremos.

Tendo vivido todos estes anos e assistido tantas coisas mudarem, acho que a mudança é possível. Reformar o sistema de segurança global é uma questão da governança mundial nos próximos anos. O Brasil, por seu mérito, está à altura do desafio.

Fonte: FOREIGN POLICY
Tradução: Pedro de Oliveira