José Cícero – Caatinga: Há cheiro de fumaça e de descaso no ar

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Nesta quinta-feira, 28 de abril, comemora-se no Brasil o Dia Nacional da Caatinga. Mas convenhamos… O que devemos mesmo comemorar? Se o bioma dos nossos sertões nordestinos vem sendo vergonhosamente castigado pela sanha destrutiva e tresloucada do bicho homem. Por sinal o único dos animais, que cabotinamente pensa que não é animal…

O que devemos comemorar? Se o caos ambiental também se expressa com todas as suas pálidas e negras nuances nos nossos grotões, até mesmo nos mais distantes das grandes metrópoles?

O que se haveríamos de comemorar? Se os atuais números da devastação a cada dia continuam a crescer como um verdadeiro câncer a se abater sobre a fauna e sobre a flora daquilo que ainda resta das nossas matas. A propósito, será que o povo brasileiro em geral, e nordestino em particular, pelo menos está consciente desta comemoração?

Com que moral nós, os sertanejos da passividade, os acadêmicos da indiferença, os tecnocratas dos birôs trancados nos seus escritórios a ar-condicionado poderão participar desta simbologia? Ainda, com que cara de pau deverão se apresentar neste ato os latifundiários fomentos do vil metal, os políticos fisiologistas, os cegos da imprensa-marrom, os pequeno-burgueses insensíveis, os ‘ecochatos’ do pensamento tosco e mesquinho acostumados com suas frases feitas de efeitos e os covardes que a todos os demais se igualam justamente pelo teor da sua absurda indiferença.

Então, o que de fato teremos que comemorar? Nossa caatinga está num processo acelerado de desaparecimento total. Só os cegos dos governos, além dos capitalistas de plantão da pós-modernidade não vêem o que está a ocorrer com os recursos naturais da nossa Caatinga. E a do nosso Ceará em especial.

Grandes levas de espécies animais e vegetais ou já estão completamente perdidas ou em vias de desaparecerem para sempre. O processo de extinção das nossas espécies é, de longe, uma realidade que nos fura os olhos. Todo o desequilíbrio e a degradação dos ecossistemas também se expressam na biodiversidade dos nossos sertões historicamente entregues ao abandono e ao “Deus dará”.

Nossos rios, nascentes e riachos estão num avançado processos de destruição. Explorados que são pela fome de poder e de dinheiro dos insensíveis. Verdadeiros cupins humanos curtindo o nababesco luxo das cidades sob o alto preço da degradação dos nossos ecossistemas. O que haveremos de comemorar diante de toda a insensatez e a ignorância de uma sociedade cega pelo consumismo? Como haveremos de reagir no sentido de que possamos preserva o que ainda resta?

O que comemorar? Quando assistimos atitudes esdrúxulas como o desmatamento, as queimadas, a caça e a pesca predatória, a poluição dos nossos lençóis freáticos, pelas enxurradas de esgotos despejados nos nossos frágeis mananciais. Decorrendo daí todo o processo de assoreamento, erosão desenfreada, derrubada da mata ciliar, barramento indiscriminado dos nossos rios, extinção de espécies endêmicas entre outros fatores cujas consequências serão incalculáveis.

Mas, digamos, se não temos muito o que comemorar neste Dia da Caatinga – um bioma único do planeta. Devemos pelo menos aproveitar este momento para uma reflexão profunda acerca da nossa relação histórica com a “mata branca” do sertão e seus recursos naturais. Quem sabe assim, possamos abrir os olhos para a catástrofe e o abismo que se avizinham e que estamos todos conscientes ou não, indo ao seu encontro.

Quem sabe, também possamos despertar deste sono letárgico de eternos embriagados a que estamos todo submetido, quer seja, o da destruição total do próprio planeta perante a nossa própria insensibilidade…

Talvez, se nada for feito no sentido da mudança do nosso velho paradigma socioambiental, poderemos ter o mesmo fim trágico que tiveram os dinossauros a cerca de 65 milhões de anos.

Que neste dia dedicado à Caatinga possamos pelo menos reavaliar nossos princípios e nossa maneira de nos relacionarmos com a natureza e os recursos naturais da biosfera. Vivamos então a Caatinga do Ceará e do Nordeste como um todo. Pois este bioma singular é, por assim dizer, o maior patrimônio que ainda temos em se tratando das riquezas naturais dos nossos sertões. Malgrado todo o golpe, agora encetado pelo chamado novo código florestal.

Cumpre destacar que o bioma da Caatinga chega a ocupar cerca de 13% do território brasileiro, sendo o 3º ecossistema do Brasil mais degradado, perdendo apenas para o da Mata Atlântica e o do Cerrado. Portanto, um dos mais ameaçados de desaparecer para sempre da face da Terra.

Um patrimônio genético dos mais consideráveis do planeta. Por conseguinte, a Caatinga representa o único bioma exclusivamente brasileiro, hoje ameaçado em virtude do que já foi desmatado, num total de 45% da sua antiga cobertura natural, segundo os informes do Ministério do Meio Ambiente, dados de 2010.

José Cícero é professor, poeta e escritor

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