“Derrotar oposição é desafio de Chávez em 2012”, diz especialista
Após quase uma década do golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez, o governo venezuelano vem firmando e colhendo resultados sociais, políticos e econômicos de sua Revolução Bolivariana. Agora, Chávez se prepara para derrotar a oposição e enfrentar as eleições presidenciais de 2012.
Por Fabíola Perez
Publicado 10/05/2011 08:36
Na Venezuela, a oposição não abandonou a estratégia do golpe, apenas entendeu que vai ter de disputar no terreno do voto. A análise do economista e cientista social Nildo Domingos Ouriques, membro do Instituto de Estudos Latino-Americanos, reflete o atual momento político vivido pelo país que há nove anos sofreu um golpe militar contra o presidente, Hugo Chávez.
“A estratégia de desestabilização do governo é elaborada em Washington e conta com o apoio da burguesia venezuelana, de governos hostis ao país, como Colômbia e México, e das elites que não compartilham a perspectiva bolivariana”, declara Ouriques ao Vermelho.
Em abril passado, no dia em que milhares de apoiadores de Chávez foram às ruas para lembrar o triunfo de 2002 sobre os militares golpistas, o líder bolivariano lembrou que os Estados Unidos "organizaram, financiaram e dirigiram" o golpe. O presidente destacou ainda que o golpe é parte integrante de uma estratégia elaborada em Washington, da qual faz parte a invasão ao Iraque, “cujo real objetivo foi a tomada do controle dos recursos petroleiros do mundo”.
Para Ouriques, a oposição vem tentando se reestruturar desde que perdeu espaço com os avanços do governo, mas, segundo ele, não há uma liderança que consiga unificá-la. “A oposição não tem credibilidade histórica diante das maiorias, não tem um programa alternativo e, principalmente, não existe unidade que a mantenha”, ressalta. Entretanto, para dar sequência às conquistas da Revolução Bolivariana, que já vem sendo posta em prática há mais de dez anos, e minimizar o crescimento da oposição no país, Chávez terá de enfrentar alguns desafios ainda neste ano.
Em setembro de 2010, a oposição venezuelana conseguiu voltar ao Parlamento após as eleições legislativas, nas quais a população foi às urnas para escolher os deputados da Assembleia Nacional. Foi criada a Mesa da Unidade Democrática (MUD) para abrigar um conjunto de forças políticas opostas a Chávez. Mas, o desafio dos opositores é escolher um candidato capaz de enfrentar o atual presidente no pleito de 2012 e unificar a oposição até o processo eleitoral.
Para conter o crescimento desse grupo, Ouriques acredita que Chávez precisa “cortar a cabeça da burguesia financeira”. De acordo com o economista, esse segmento das elites se fortaleceu muito nos últimos quatro anos e seus objetivos são “incompatíveis com os da revolução”.
“A falta de nacionalização dos altos postos de comando gera problemas em todos os níveis, como a fuga de capitais, inflação, desemprego, fechamento de fábricas, entre outros”, alerta Ouriques. “É dessa forma que a burguesia financeira assalta o Estado e se apropria da renda petroleira, que subiu de maneira extraordinária em razão do preço do petróleo. Isso o governo não pode permitir”, acrescenta.
Com esse cenário, o especialista afirma que o presidente precisa ficar atento, uma vez que a oposição pode crescer ainda mais neste ano pré-eleitoral. Para ele, Chávez deve enfrentar a burguesia financeira. Na opinião de Ouriques, “ou o governo promove essa mudança ou pode perder parte do eleitorado popular que o apoia”.
Resistência socialista
A um ano e sete meses da eleição presidencial, Chávez continua a evocar a vitória diante do golpe de 2002, que o tirou do poder por 47 horas. "A investida fascista de 11 de abril foi, para nós, o que a investida imperialista da Praia Girón foi para os cubanos – o chicote contrarrevolucionário", compara Chávez. A Assembleia Nacional e o Supremo Tribunal foram dissolvidos, e a Constituição de 1999 anulada. À margem da lei, o presidente da Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio, Pedro Carmona, assumiu o poder.
Segundo Ouriques, Chávez gozava de uma imensa popularidade, e a restituição ao poder só foi possível graças à mobilização das massas populares. “A elite latino-americana e o poder imperial não compreenderam a imensa ruptura que a chegada do presidente Hugo Chávez ao Palácio de Miraflores significou para a Venezuela”, ressalta o especialista.
Oriques aponta dois motivos principais que levaram o presidente de volta ao governo. “Em primeiro lugar, houve muitos assassinatos de inocentes que protestavam produzidos por franco-atiradores. Em segundo, a população começou a perceber que, sem Chávez à frente da presidência, perderia muitas das conquistas sociais que o governo estava implantando”.
Para ele, o golpe não foi apenas contra Chávez, mas “contra toda a democracia participativa e protagônica que, pela primeira vez, tem poder efetivo de participação”, principalmente por meio dos referendos e plebiscitos, nos quais a população é convocada a optar por determinadas mudanças políticas e sociais. “As massas populares compreenderam que a derrubada de Chávez significaria o fim desse processo de participação popular”, analisa Ouriques.
Foi devido ao golpe que o caráter bolivariano e socialista da revolução se aprofundou. Depois de abril de 2002, as principais mudanças sociais e econômicas se intensificaram. “Chávez percebeu que não tinha a menor possibilidade de manter a estabilidade do regime político se não aprofundasse a revolução. O presidente aprendeu, a direita aprendeu e as massas aprenderam”, garante o especialista.
Neste ano, para lembrar o dia em que as manifestações populares recolocaram o governante venezuelano no poder, Chávez discursou enfatizando a importância da fundação do Partido Socialista Unido da Venezuela. Para o presidente, a nova legenda permitirá o desenvolvimento de uma plataforma para transformar a sociedade e “libertá-la dos padrões de consumo neoliberais”.
Chávez também criticou a corrupção e a insegurança. Segundo ele, os exemplos de honestidade e desprendimento devem partir daqueles que estão à frente dos órgãos do Estado. “Não devemos aproveitar os cargos para enriquecer, favorecer parentes ou traficar influências”, frisou. O governante observou ainda que “a corrupção é uma ameaça ainda mais grave que a dos Estados Unidos para o futuro da revolução”.
Conquistas do projeto bolivariano
Ainda que passando por obstáculos como o cerco imposto pela imprensa e a oposição dos Estados Unidos, de outros governos latino-americanos e da própria elite venezuelana, Chávez firmou sua convicção no projeto bolivariano e tomou as primeiras medidas para pôr em prática o que chama de “socialismo do século 21”.
Após do golpe de 2002, muitas mudanças se intensificaram. O presidente demitiu diretores e gerentes da empresa de petróleo da Venezuela – a PDVSA –, e ele mesmo assumiu o comando da instituição. “Com a estatização da empresa, Chávez voltou a ter sob controle o petróleo do país. A renda petroleira é uma de suas conquistas”, afirma Ouriques. Ao longo das mudanças, Chávez vem enfrentando também a forte oposição midiática, não renovando a concessão pública da RCTV, que apoiou o golpe, e incentivando rádios e TVs comunitárias.
A primeira mudança radical no país, fruto da intensificação do projeto bolivariano, é a aposta do governo na participação das camadas populares. “O debate político na Venezuela ocorre todo o ano, é um dos mais intensos e democráticos”, conta o especialista.
Como a economia ainda depende muito do petróleo, o governo de Chávez procurou diversificar a base produtiva do país, promovendo o estímulo às cooperativas e propriedades coletivas. No campo social, o objetivo do projeto bolivariano foi atender às urgências das áreas da saúde, educação e habitação. Para isso, o governo criou as Missões Sociais, afim de propor mudanças e romper com esquemas ultrapassados do Estado que impedem o avanço nessas áreas.
Ouriques destaca que o projeto bolivariano possibilitou que a política externa de Chávez se projetasse ao mundo, com destaque para a integração latino-americana. “As conquistas na política e na economia permitiram maior grau de autonomia para a política externa da Venezuela”, ressalta. “A integração está em pleno curso, ainda que indesejada por Washington. Toda e qualquer iniciativa de integração é fundamental, não para ser mais forte que os Estados Unidos, mas para se opor a eles”, afirmou.
“Os norte-americanos estão agora numa situação mais difícil que há cinco anos e, pelo contrário, a Venezuela está muito mais apoiada internacionalmente, sobretudo na América Latina”, ressalta. “Na época, só Cuba e Venezuela davam a cara por seus povos. Mas agora podemos ver que nunca a Venezuela esteve tão apoiada por países e povos deste continente.”