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Mesmo com bons salários, falta mão de obra nas fábricas dos EUA

Há muito conhecidas pelas demissões e por transferir empregos para o exterior, as indústrias americanas se encontram agora numa posição muito diferente: na luta para conquistar o escasso talento doméstico. Pequenos e grandes fabricantes de todos os tipos de produtos, sejam máquinas, ferramentas ou químicos, estão caçando possíveis funcionários no ensino médio, em faculdades e nas forças armadas.

As fábricas estão até roubando empregados umas das outras, retreinando pessoas que antes tinham empregos de colarinho branco e, em alguns casos, contratando ex-detentos que aprenderam a operar máquinas quando estavam atrás das grades. Mesmo com o desemprego nos Estados Unidos em 9%, as indústrias têm tido dificuldade para encontrar trabalhadores capacitados em quantidade suficiente por causa da confluência de três tendências.

A primeira é que, depois de passar mais de uma década em queda, os empregos americanos no setor manufatureiro estão aumentando modestamente. Foram criadas 25 mil vagas em abril — o sétimo mês seguido de ganhos —, segundo a firma de processamento de contracheques Automatic Data Processing Inc. e a consultoria Macroeconomic Advisers.

Em segundo, a aposentadoria da geração dos "baby boomers", os nascidos após a Segunda Guerra, começou a tirar das fábricas os trabalhadores mais experientes. Cerca de 2,7 milhões de trabalhadores da indústria, ou quase um quarto do total, têm 55 anos ou mais. E, por último, o sistema educacional americano não está treinando gente suficiente com o conhecimento de matemática e ciência necessário para operar e consertar sofisticadas máquinas industriais controladas por computador, vagas que pagam entre US$ 50 mil e US$ 80 mil por ano mais benefícios.

As indústrias afirmam que pais e orientadores vocacionais não incentivam os jovens mais inteligentes a considerar uma carreira no setor industrial. "Entra gente aqui o tempo todo dizendo 'sei soldar'", diz Denis Gimbel, gerente de recursos humanos da Lehigh Heavy Forte Corp., de Bethelehem, na Pensilvânia, que produz peças para navios, entre outros produtos. "Bom, minha avó já sabia soldar." Ele precisa de pessoas que entendam os detalhes de um torno de US$ 1 milhão e outros equipamentos para moldar metais.

Há anos que as indústrias preveem que a aposentadoria dos nascidos no pós-guerra criaria dificuldades. Entre os que tentaram se adiantar às tendências demográficas — com resultados variados — está Jeff Kelly, diretor-presidente da Hamill Manufacturing Co., uma empresa de controle familiar que fica perto de Pittsburgh e fabrica peças de metal para navios e máquinas.

A Hamill não tem vaga para quem só quer apertar botões. A empresa, de 127 empregados, modifica constantemente suas serras e tornos para produzir um pequeno número de peças e atender a especificações em eterna mutação. Não há ciclos longos de produção rotineira.

Numa manhã do fim de abril, Trent Thompson, um aprendiz de 20 anos na Hamill, de calça rasgada e boné preto, recebeu a tarefa de abrir três furos num disco de aço carbono do tamanho de um pires. Para ter certeza que o espaço entre os furos era o ideal, ele rabiscou um triângulo e alguns cálculos trigonométricos num bloquinho. Até um erro minúsculo poderia inutilizar US$ 400 em metal.

Em outro canto da fábrica, Bill Schaltenbrand, de 59 anos, cortava peças ainda maiores e mais complicadas. Um computador já tinha definido onde ele deveria furar e cortar, mas Schaltenbrand, com 40 anos de casa, faz suas próprias contas para checar os planos. Os computadores, diz, às vezes "produzem umas bobagens". Parte da perícia de Schaltenbrand envolve ler esquemas com vários números e símbolos que confundiriam muita gente.

Em sua busca por talento, a Hamill coopera com escolas vocacionais próximas — participando de seus conselhos consultores, doando equipamentos e fornecendo palestrantes. Kelly, o diretor-presidente, ajuda a organizar um projeto chamado BotsIQ, em que estudantes do ensino médio aprendem a construir robôs para combates.

Num sábado recente, ele entregou os troféus depois que um robô chamado Grim Reaper 3 (algo como A Morte 3), parecido com uma balança de banheiro com lâminas circulantes, derrubou um rival chamado Black Mamba e o transformou numa pilha fumegante.

Cinco anos atrás, por meio de suas ligações com as escolas locais do ensino médio, Hamill conheceu Walter Gasper. Filho de mecânico, Gasper tirou notas boas no ensino médio e fez cursos preparatórios para a faculdade. Ele diz que o orientador tentou convencê-lo a não fazer cursos técnicos, mas ele os fez mesmo assim porque gostava de trabalhar com máquinas. Hamill o contratou como aprendiz quando tinha 17 anos e o deixou trabalhar em meio período enquanto terminava o ensino médio.

Kelly exibia orgulho em junho do ano passado enquanto posava para uma foto com Gasper e o troféu de primeiro lugar que ele conquistou numa competição nacional em que aprendizes exibem suas habilidades metalúrgicas.

Três meses depois, Gasper partiu para outro emprego em Cheswick, Pensilvânia, numa divisão da Curtiss-Wright Corp., uma fabricante muito maior de bombas e geradores que compra peças da Hamill. A Curtiss-Wright ofereceu 60% a mais por hora. "Eu só queria melhorar um pouco minha carreira", diz Gasper, agora com 21 anos. Embora não tenha diploma universitário, ele ganha US$ 55 mil por ano. Diferentemente de muitos jovens americanos, ele não tem dívidas de crédito educativo.

Kelly diz que já reajustou os salários em 18% a 25% nos últimos dois anos, mas mesmo assim perdeu dez funcionários para a Curtiss-Wright. Greg Hempfling, um diretor da Curtiss-Wright, diz que não está roubando empregados — apenas anunciando vagas. A oferta de mão de obra industrial qualificada foi "dizimada" na área de Pittsburgh, diz, e isso forçou a Curtiss-Wright a anunciar ofertas de emprego em locais a centenas de quilômetros de distância como Detroit.

Mesmo alguns gigantes multinacionais têm dificuldade de encontrar trabalhadores qualificados em quantidade suficiente. Numa divisão americana da alemã Bayer AG que fabrica plásticos e poliuretano, a idade média dos empregados é de 52 anos, diz Gregory Babe, diretor-presidente da subsidiária da Bayer nos EUA. A falta de mão de obra qualificada "é um problema real, e vai ficar muito pior", diz.

As indústrias estão enfrentando problemas agora, em parte, porque algumas delas economizaram no recrutamento quando estava mais fácil encontrar trabalhadores. A Woodward Inc., fabricante de peças para aviões e equipamento de geração de eletricidade sediada em Fort Collings, no Estado do Colorado, passou décadas operando sua própria academia para treinar operários, mas a fechou no fim dos anos 90 numa rodada de cortes de custos.

O resultado, diz Keith Korasick, que supervisiona a parte industrial da fábrica da Woodward em Fort Collins, "é que meio que perdemos nossa reserva de bons metalúrgicos e técnicos". Agora a Woodward está patrocinando mais de 20 estudantes em faculdades comunitárias em Fort Collins e Rockford, Illinois, o local da outra grande unidade industrial da empresa.

A Woodward paga a faculdade e outros custos dos estudantes para programas de dois anos de qualificação industrial. Os estudantes também recebem por cerca de 20 horas de trabalho semanal. Assim que terminarem os cursos de dois anos, a Woodward pretende contratá-los para empregos de tempo integral que pagam de US$ 25.000 a US$ 48.000 por ano.

As empresas afirmam que o sistema educacional americano não produz estudantes o suficiente com boa base de matemática, ciências e engenharia. Cerca de 5% dos diplomas universitários nos Estados Unidos são de engenharia, em comparação com uma média de 20% na Ásia, segundo a Fundação Nacional de Ciência.

Na mais recente comparação de notas em testes de matemática e ciência da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento com estudantes de 15 anos, os americanos ficaram bem atrás dos chineses, japoneses, coreanos, canadenses e alemães.

Da Redação, com informações do The Wall Street Journal