Altair Lebre: o Código Florestal e os equívocos de Gilson Caroni
Dirijo-me aos leitores do Vermelho para me contrapor ao sr. Gilson Caroni, ilustre professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso, do Rio de Janeiro, que, no artigo “Amazônia: Qual o código da nossa esquerda?”, do dia 16, tece comentários aparentemente lúcidos, alguns até verdadeiros.
Por Altair Lebre
Publicado 25/05/2011 15:19
Passamos aos fatos que me levaram a me contrapor a suas idéias. O professor questiona: “Será o Código Florestal é a prova dos nove para o habitual transformismo que, vez por outra visita forças progressistas?”. Em seguida, o colunista afirma que “é hora da esquerda se livrar do imaginário herdado do padrão fordista e incorporar a luta pela preservação natural ao seu horizonte político”.
Acusação gravíssima. Primeiro, porque meu partido, o PCdob, é de esquerda. Ideologicamente, não seguiu o caminho revisionista, nem desistiu da luta pelo socialismo. Optou por um modelo próprio brasileiro de socialismo. Realizou autocrítica da algumas experiências práticas do socialismo real. Todavia, continuamos nos orientando pelos ensinamentos tão atuais de Marx, Engels, Lênin e brasileiros como Zumbi dos Palmares, Tiradentes, José Bonifácio, João Amazonas, entre outros que contribuíram com nosso processo civilizatório.
Também não acho que a esquerda fordista seja responsável pela destruição da natureza — mas, sim, o capitalismo que produz de forma desordenada, e assim agem priorizando o individualismo em prejuízo do coletivo, incentiva a disputa sem respeito ao que é moral. O importante é chegar à frente, e não buscaro bem da humanidade.
O colunista afirma de forma correta que o “equilíbrio ambiental e desenvolvimento sustentável são elementos indispensáveis para o futuro do País”. Mas o professor passa a utilizar argumentos que se encontram embutidos de uma visão “santuarista”.
O deputado Eron Bezerra (AM), membro da direção nacional do PCdoB e responsável pela secretária nacional da Questão Amazônica e Indígena, disse recentemente que estes — os “santuaristas” — “recorrem à ameaça de uma tragédia ambiental global para sustentar a necessidade de se tornar ainda mais rigorosas as regras de licenciamento ambiental”. Acrescento o que está nos dicionários: “santuarista” vem de “santuário”, lugar consagrado pela religião, onde é proibido tocar, a fim de preservar a espécie que nela habita.
Como herdeiro da guerrilha do Araguaia, como herdeiro dos muitos que foram assassinados no campo pelos latifundiários grileiros, na luta por um pedaço de terra para nela viverem e plantarem, nas cidades pelos posseiros, nosso partido foi o que mais sofreu perdas — e não posso admitir que o capitalismo seja tão incompetente a ponto de não conseguir nem sequer fazer a reformar agrária.
Em um país que necessita se desenvolver, por qual motivo devemos sumariamente eleger os agricultores, pecuaristas, grandes ou pequenos, e quem exploram as riquezas naturais de nosso país inimigos a serem confrontados prontamente? Esta posição é no mínimo equivocada. Quem gera riqueza, divisa, emprego para o nosso povo continuar no caminho civilizatório e desenvolvimentista não pode ser inimigo da nação.
É claro que, em uma disputa comercial de nossos produtores com o mercado americano ou europeu, tenho certeza de que a nação brasileira, a esquerda e seu povo têm que estar do lado dos brasileiros. Já contra o trabalho escravo no campo, nas batalhas por melhorias de trabalho e salariais, devemos estar juntos aos trabalhadores. E é assim que tem de ser a luta no campo democrático-popular.
Mais de 90% dos agricultores pequenos e grandes estão na ilegalidade, recebendo multas exorbitantes. É ou não é um momento oportuno para tão propagada aliança do campo com a cidade (camponês-operária)? Vamos ficar do lado da ilegalidade? O grande tem como reflorestar ou comprar terra para compensar o déficit exigido pelo Código de 1965 — e o pequeno agricultor, que é a maioria e sobrevive com uma renda mensal que não ultrapassa a dois salários mínimos, vai ter de vender suas terras para pagar as multas e ocupar um lugar na favela ou nas periferias dos grandes centros urbanos?
O colunista critica que, desde 1960, se amplia e estimula a mineração, a expansão da pecuária e da lavoura monoculturista, com “abertura de estrada” para transporte da produção, asfalto e outros projetos de povoamento, hidrelétricas. Tal critica não se sustenta principalmente em se tratando de um país de 200 milhões de bocas para alimentar. Para assegurar trabalho e moradia de forma digna, faz-se necessário um ordenamento, evitando concentração somente nos centros urbanos (situação caótica vivenciada nos grandes cidades).
Desenvolvimento sustentável, além de ser necessário, virou moda nos vocabulários. Meu avô Abel, que era ribeirinho do rio Juruá, um dos principais afluentes à margem direita do rio amazonas, plantou até seus 82 anos feijão de corda e melancia nas praias. Com sua atitude de sobrevivência, alimentava seus familiares, vizinhos, e a sobra ele ainda trocava no mercado por produto que não produzia no sítio.
Convivi pelo menos 13 anos com ele até me mudar para a capital Rio Branco. Não testemunhei nenhuma agressão à natureza em sua atitude. Senhor colunista, não tem como deixar de explorar as riquezas minerais que a natureza e Deus nos deram.
Políticas compensatórias devem ser consideradas, como a Zona Franca de Manaus. No Acre, estado onde nasci e vivem meus familiares e amigos, 90% da população é de funcionários públicos federal, estadual ou municipal que carecem de perseguir sua vocação. Na gestão do governador Jorge Viana (PT) se iniciou um processo de licenciamento ambiental para construção do primeiro shopping center. Isso passou pela gestão do governador Binho (PT), que muito se esforçou, mas esbarrava nos órgãos ambientais e no Ministério Público. Quem sabe na gestão do atual governador, Tião Viana (PT), os acreanos tenham o sonho de ter o primeiro centro de compra do estado.
Não perdi o vínculo com os povos da floresta. Todos sabemos a importância de preservar o meio ambiente, não somente para as futuras gerações. Precisamos de rios e bacias limpas para sobreviver. A água é fundamental para a sobrevivência do ser humano e para nosso ecossistema. Qualquer propriedade rural cuida, porque dela precisa.
Volto ao meu Cruzeiro do Sul (AC), de céu azulado e estrelas brilhantes, nas quais avistamos claramente a constelação de Cruzeiro do Sul. Havia uma época não tão longínqua em que, se quiséssemos comer carne, maçã, uva ou legume, tínhamos de acordar às 3 da manha para irmos ao mercado municipal disputar estes produtos com outros cruzeirenses. Se fossemos às 5, já não encontrávamos mais, e os preços eram exorbitantes — o que geralmente levava as famílias a consumir estes produtos somente nos finais de semanas. Mais tarde, fiquei sabendo que era assim em boa parte do Brasil.
Nosso agronegócio e pecuária cresceram junto com a população, e hoje não se faz necessário irmos de madrugada disputar um pedaço de carne. Quanto mais se produz, mais barato fica — é a lei da oferta e da procura. Atende à necessidade interna dos milhões de brasileiros e ainda exporta, trazendo divisa para o nosso país. Isto, sim, é combater a pobreza. Isto, sim, é ser humano e deve ser tarefa dos comunistas no atual círculo civilizatório.
O colunista cita filme de faroeste, leva-me à minha infância, em que assistia a filmes americanos onde os heróis eram aqueles que mais exterminavam seus índios. Os mesmos que dizem “fazenda aqui” (nos Estados Unidos) e “floresta lá” (no Brasil). É óbvio que, se a população cresce, a não ser que queiramos exterminar os seres humanos para proteger a natureza, há a retirada de madeira para construção civil, para construir um casebre, para a indústria carvoeira. Que deve ser sobre o controle do Estado e dos brasileiros, inclusive para diminuição da emissão de gás carbônico.
Cresce a população, e vão se exaurindo os recursos naturais da terra. Aproveita-se para plantação, para pastagem — este é o circulo natural. Nossas leis, sim, o executivo e nosso ordenamento jurídico devem agir para regular, executar e punir, e é isto que o novo código se propõe. O que não podemos é considerar os produtores do campo criminosos, a ponto de os colocarmos na ilegalidade.
Existe categoria de sociólogo na ilegalidade no Brasil? Existe categoria de advogado, promotores, procuradores, médicos, (entre outros) na ilegalidade no Brasil? É justo que só eles que enfrentam o sol e chuva em uma propriedade rural, estradas de péssima qualidade para transportar seus produtos, sejam penalizado? É justo que eles paguem financiamentos bancário com juros mais alto do mudo e ainda sejam tratados como criminosos?
A grilagem é crime e, como tal, deve ser tratada pelo ordenamento jurídico, pelo Estado e pela sociedade, deve ser fiscalizada, e a policia deve impedir que aja impunemente a motosserra. Os tratores, hoje tão modernos, revolucionaram a produção no campo e humanizaram o trabalho, dispensando ferramentas como a pedra lascada ou a necessidade de fazer fogo riscando gravetos. É a evolução da humanidade, em minha opinião já prevista por Deus, que nos deu o raciocínio e a inteligência.
Assim é o progresso civilizatório da humanidade que quer se desenvolver, mas faz reserva legal de 80% na Amazônia; que é o proposto, cria gado, lavoura extensiva. Mesmo com o tamanho de nossa população se faz reserva legal, de forma única, já que país nenhum o faz. Evita assim deserto, dá sua contribuição, evitando desequilíbrios ambientais que impeçam de continuarmos vivendo no planeta terra.
O colunista está certo quando afirma que o solo característico da floresta amazônica, “embora rico em elemento orgânico como ferro, e alumínio” — eu acrescentaria ainda ouro, minérios raros e de grandes valores, além da biodiversidade —, “é extremamente pobre em nutrientes”. Aquela terra cinza que bem conheço, para ser utilizada a cada safra, tem que passar por um processo de adubo. Terra boa é a vermelha que temos aqui em São Paulo e em outros estados.
Acerta mais uma vez o colunista ao afirmar que quem sustenta em pé a floresta é ela mesma, que ao meu entendimento sabe se defender muito bem dos holandeses e americanos, com seus Saci-Pererês, Curupiras, Caiporas, cobras, onças, muriçocas, febre amarela e malária. Com sua beleza de floresta, rios de águas doces, os pássaros e outros animais em seu círculo natural, espalha semente e, sem a ação do homem, sai reflorestando a selva. Parte dela realmente só tem uma função — ser floresta.
O colunista utiliza a expressão “necessidade de manter a cobertura florestal, já que removida, o ciclo se rompe”, pois a camada de “terra preta”, que acho estar mais para cinza, “é superficial, é rapidamente degradada, carrega terra para os barrancos dos rios acelerando a erosão”. E por fim diz que disso sabe, ou deveria saber, o relator do Código Florestal, deputado federal Aldo Rebelo, e encerra seu artigo comparando o antagonismo da esquerda à floresta degradada.
Esta afirmação me leva a destacar duas questões. A primeira delas: como o capitalismo só visa lucro, planta e cria gados sem planejamento — sem a preocupação com o desenvolvimento sustentável (a não ser quando lhes é benéfico, necessidade premente de preservar a floresta e as água ou, do contrário, coloca-se em risco sua produção, seu lucro) —, a esquerda brasileira, os socialistas e os comunistas, os que se opõem ao capitalismo deveriam ser orgulhar. Somos o único país que possui reserva legal, que tem mais de 80% das matas amazônicas preservadas, uma reserva de floresta nativa que ultrapassa 50% do território nacional.
A segunda razão: apesar de a população e a demanda por alimento e moradia terem crescido de forma gigantesca de 1965 aos dias de hoje, o relator da matéria manteve a reserva legal e a proibição de novos desmatamentos. Como diz Eron Bezerra, “o novo Código Florestal já teve sua votação adiada por três vezes, apesar do relator da matéria, deputado Aldo Rebelo, ter feito alterações no texto original de seu relatório em busca de um acordo, entre as partes interessadas, para assegurar a votação”.
No dia 11 de maio, testemunhei a consagração de mais de 30 anos dedicados á nação e a seu povo de um comunista de esquerda, Aldo Rebelo. Ao ser escolhido quase por unanimidade dos partidos para relatar a matéria, ele se utilizou do equilíbrio que lhe é peculiar e promoveu em toda a nação um debate durante dois anos jamais vistos em nosso parlamento. Seu primeiro ato foi ouvir por quase um dia inteiro os ambientalistas, o governo, os governantes estaduais e municipais, os agricultores pequenos e grandes.
Visitou quase a totalidade dos estados da federação ouvindo os interessados na matéria, dezenas de audiências públicas (sempre garantindo a presença dos seguimentos interessados) e um democrático debate da Comissão Especial na Câmara. E seu relatório, utilizou o equilíbrio em preservar a natureza e produzir de forma sustentável, demonstrando grandeza. Cedeu na busca deste equilíbrio dos diversos segmentos interessados na matéria.
Penso que este trabalho já é vitorioso. Aldo deu demonstração de respeito à democracia, um verdadeiro comunista, um defensor da nação e principalmente um “estadista”. Estava certo João Amazonas, que, quando vivo, o chamava de “menino de ouro do PCdoB”, por sua inteligência, discurso e ação. Na noite 11 de maio, Aldo teve seu nome aclamado por quase a totalidade de seus pares na Câmara Federal. Eu — que entrei pra esquerda com 15 anos e para o partido comunista com 17 — me orgulho de pertencer a seu partido e acho que a esquerda consequente deveria se orgulhar.
Existe um conto indiano que um homem contratou um servo para diariamente completar os seus depósitos com água. O servo comprou dois potes, como é comum na Índia, amarrou-lhes cordas à boca e tomou de uma haste resistente para carregá-los, sobre os ombros. Diariamente, ele ia à fonte, enchia os potes, trazia-os, completava os depósitos — era feliz com seu trabalho. Certo dia o pote rachou, e perdia-se água pela rachadura, obrigando o carregador a retornar mais vezes à fonte. Por fim o pote rachado disse: “Fulano, jogue-me fora. Estou rachado e lhes canso mais, tens que dar várias viagens!
O carregador lhe disse: “Mas eu não estou reclamando. Olhe aqui, venha ver, por favor”. Carregou-lhe com cuidado, subiu o aclive e explicou-lhe: “Veja que, na distância até a casa do amo, de um lado está verde, cheio de flores; e note que, do outro lado, esta árido. Quando percebi que você derramava água, passei a plantar sementes e tenho um jardim sem nenhum trabalho. Meu amo gosta do jarro de flores que lhes ponho na mesa no café. Daí você me é de uma utilidade incomparável”.
Muito de nós somos constituídos por potes rachados — enquanto não se encontram os vasilhames perfeitos. Portanto, continuemos levando a nossa luta, talvez ou às vezes falhando no cumprimento do dever, cuja meta perseguimos, mas pelo menos, em nosso caminho, haverá flores para aqueles que vierem depois colherem-nas. Vejo como este conto o trabalho de nosso nobre deputado federal Aldo Rebelo. Assim deve ser a esquerda, do velho se leva aprendizado para o novo e se constrói um novo ciclo civilizatório.
* Altair Lebre é acreano de Cruzeiro do Sul e membro do PCdoB-SP