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O homem ao lado quebra tabus no cinema argentino

Deixe de lado por um momento os filmes sobre sentimentos e reflexão interior e as histórias mínimas – etiquetas que costumamos dar ao cinema argentino desde sua retomada nos anos 1990 – e pense em abordagens mais populares para rever a sétima arte no país vizinho. Misture pitadas de gênero, humor negro e algo de crítica social e você está no caminho que o levará a El hombre de al lado, filme dos argentinos Mariano Cohn e Gastón Duprat que estreou nesta sexta-feira (20) em salas de SP e RJ.

O homem ao lado quebra tabus no cinema argentino

Eleito o melhor filme nacional do ano passado pela Academia das Artes e Ciências Cinematográficas da Argentina, El hombre de al lado foi considerado por muitos um passo necessário ao enriquecimento do cinema argentino, cujo selo já conquistou os principais festivais internacionais, mas ainda não caiu no gosto dos seus. Para os críticos, o filme é autoral e bem realizado. Estreou em 2010 um dos principais eventos de cinema dedicados à produção independente, o Festival de Sundance, onde levou o prêmio de melhor fotografia, e depois passou ao de Mar del Plata, e lá foi eleito o melhor filme no mesmo ano.

Para o público – primeiro, o da Argentina, onde ele atingiu 250 mil espectadores (número considerado satisfatório pelo mercado local), depois o de países como Turquia, França e Estados Unidos –, ele é um Filme, aquele evento social que nos mantém grudados a uma cadeira por quase duas horas, leva nosso ânimo para cima e para baixo e inclusive nos faz rir.

Quebrando tabus

“‘O filme recebeu boas críticas, conquistou o público e reuniu boas condições para ser produzido, como atores famosos, apoios, etc. Mas acho que seu ponto mais positivo é unir uma proposta de autor, cuidadosa, refinada em sua abordagem, com uma história que conquista o público. É o tipo de cinema que nos interessa fazer, a mim e ao Mariano”, disse Gastón Duprat em entrevista ao Opera Mundi.

Esse é o segundo longa-metragem realizado pela dupla, que começou trabalhando em videoarte, depois passou à televisão (com criações de tom independente, consideradas importantes, como o programa “TV Abierta” e o canal da cidade de Buenos Aires) e então chegou ao cinema. O primeiro, El artista (2008), gerou comentários elogiosos e parecidos, mas não o impacto de El hombre, cujo grande trunfo, segundo Duprat, é quebrar alguns tabus em relação a fazer cinema em seu país. “Porque na Argentina se faz cinema de autor que é pouco acessível ou então propostas comerciais sem maiores pretensões artísticas”, afirma.

Vizinho não se escolhe

Leonardo (Rafael Spregelburd) é um designer industrial que vive em La Plata, zona metropolitana de Buenos Aires, com sua família – uma esposa frívola e uma filha pré-adolescente e incomunicável – na única casa criada pelo famoso arquiteto suíço Le Corbusier na América. Sua comodidade e sua vida aparentemente sem defeitos se veem abaladas quando um vizinho até então desconhecido decide abrir uma janela que dá vista ao seu mundo.

O homem ao lado é Victor (Daniel Aráoz), um vendedor de carros usados, rústico e veemente, mas do tipo carismático e disposto a cultivar suas relações. Em jogo na nova vida de ambos os lados está o medo do desconhecido e especialmente do conhecido, porém diferente. “São temas que interessam a todos nós e, nesse sentido, este é um filme universal”, afirma Gastón Duprat.

Gêneros para espectadores

Apesar de equilibrar autoria e público e ter sido classificado por alguns como “comédia negra”, El hombre de al lado não é um filme que se encaixe em gêneros, segundo seu codiretor. A discussão, porém, já começa a despontar no cinema argentino, graças a filmes como esse e a outros mais obviamente pautados pela gramática das obras “industriais”, como a ficção-científica Fase 7 (2011), de Nicolás Goldbart, e, antes dela, o suspense amoroso O segredo de seus olhos (2008), que rendeu um Oscar a Juan José Campanella.

“Gêneros, para mim, não dizem muita coisa. Não acredito em filmes que são pensados a partir de estratégias de marketing. Acho que, partindo do que considero bom e relevante, sou sincero com os espectadores e, assim, tenho mais chances de conquistá-los. Os gêneros não vêm antes das histórias e nem sempre atraem mais público como se pensa”, defende-se Duprat.

É em tom despretensioso, porém atento, que a dupla Cohn-Duprat dá sequência à sua obra pop-autoral, na linha de artistas que admira, como Charly García, Tarantino, George Lucas, Antonio Gasalla e Alberto Laiseca. Com a participação deste último, escritor argentino nascido em Rosário, os dois lançaram no dia 5 de maio na Argentina seu mais recente trabalho: Querida, voy a comprar cigarrillos y vuelvo, uma história sobre viajar no tempo. Essa, sim, mais afim aos gêneros, ainda que, no fundo, diga muito mais.

Fonte: Opera Mundi