Filme Estamos Juntos embaralha o fantástico e a realidade social

Sete anos depois de Cabra Cega, Toni Venturi apresenta Estamos Juntos, um novo longa-metragem de ficção. Sete anos é um ciclo de vida, um período em que muita coisa pode acontecer – como, no caso dele, diversos documentários e campanhas publicitárias. Ocorre que esses dois filmes parecem ter sido feitos por pessoas diferentes.

Por Luciano Ramos*, para o Pipoca Moderna

Em lugar da objetividade histórica do primeiro, no qual Venturi focalizava o relacionamento de um guerrilheiro com os companheiros que o escondiam, temos aqui uma narrativa quase fantástica que nos permite visualizar certas coisas imaginadas pela protagonista interpretada por Leandra Leal. Há um misterioso personagem que dialoga com ela (Lee Taylor), apenas quando se encontra a sós, e que talvez sirva para sublinhar a sua solidão. Ou, quem sabe, para que a personagem não seja constrangida a falar sozinha.

O peso da realidade contemporânea, no entanto, está bem presente no roteiro. Há uma médica residente que também trabalha como voluntária para um movimento de sem-teto, até se descobrir mortalmente enferma.

A protagonista do filme, vencedor de sete prêmios no festival Cine-PE, é uma moça do interior, pobre e solitária em cujo horizonte nada parece dar certo. Seu único amigo é um DJ (Cauã Raymond) cujas preferências e ritmo de vida pouco têm a ver com os dela. Relaciona-se afetivamente com homens errados e se agarra ao trabalho voluntário como um náufrago a uma tábua esburacada.

Como personagem, nem chega a apresentar algum traço de caráter que nos leve à identificação com ela, o que constitui um desafio para habilidade da atriz Leandra Leal.

Ainda que seguro,visualmente imaginativo e competente como diretor, Toni Venturi não resistiu à tentação de abrir na narrativa uma vertente social que prejudicou sua fluência. Aproveitando imagens reais que ele mesmo produzira para o documentário Dia de Festa (2006), com cenas documentais da ocupação de um prédio desabitado no centro de São Paulo, ele toca em assuntos que, mesmo interessantes em si, desviam o foco da trama central. Mas, pode ser até que esse fato não seja tomado como defeito, e sim como qualidade.

*Luciano Ramos é escritor, crítico de cinema e professor dos cursos de pós-graduação da FAAP. Escreveu as minisséries Avenida Paulista e Moinhos de Vento, além da novela Champanhe da Rede Globo, dirigiu o Departamento de cinema da Rede Bandeirantes, editou o Guia de Filmes e Vídeo, da Editora Nova Cultural, é autor do livro Os Melhores Filmes Novos (Editora Contexto, 2009) e apresenta o programa Cinema Falado na Rádio USP.