Estatuto da Cidade chega a dez anos com muito a avançar

Um dos principais objetivos do Estatuto é ordenar o crescimento das cidades. Porém, nem todas possuem Plano Diretor.

Nada de garotos dormindo ao relento. Nem jovens mendigando dinheiro e atenção no sinal. Muito menos famílias inteiras se arriscando a morar num barraco à beira do rio. Tampouco índices assustadores de violência, como os de hoje.

Para os descrentes, um perfil inalcançável de cidade. Aos envolvidos na causa e debates políticos, uma utopia possível. Mesmo que a longo prazo. E prevista em diretrizes num documento formulado por poder público, setor privado, universidades e movimentos populares.

Neste domingo, 10, a Lei nº 10.257 completa uma década. Período apontado por especialistas como de conquistas e desafios. Tudo na tentativa de implementar a base do Estatuto da Cidade: uma reforma urbana com o desenvolvimento não mais pautado no lucro a todo custo.

Reforma essa que garantiria acesso irrestrito à moradia, saneamento ambiental, mobilidade, educação, saúde, trabalho, cultura e lazer. “O Estatuto define o presente e o futuro, de acordo com o projeto de cidade que queremos”, resume o relator do projeto e autor do substitutivo que se tornou lei, senador Inácio Arruda (PCdoB-CE).

Mudança que começaria com a formulação de planos diretores nos municípios com mais de 20 mil habitantes e integrantes de áreas de especial interesse turístico, influenciadas por empreendimentos ou atividades com alto impacto ambiental.

Gargalo

Mas isso nem sempre acontece. Segundo a Associação dos Municípios e Prefeitos do Ceará (Aprece), 97 das nossas 184 cidades são obrigadas a ter Plano Diretor. Senador Pompeu, Reriutaba, Lavras da Mangabeira, Jaguaruana, Cedro e Araripe, no entanto, não dispõem do documento (ver quadro).

O estudo é de 2009 e foi realizado pela Aprece. A Secretaria Estadual das Cidades, porém, fala na obrigatoriedade de 105 municípios terem o Plano – 72 declararam ao órgão a existência de um.

Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga lista datada de 2009 em que 88 cidades são indicadas como detentoras de Plano Diretor. Outras 30 estariam em processo de elaboração das diretrizes norteadoras do crescimento urbano.

É esse o ponto mais importante do Estatuto. E o principal gargalo. “Tem município em que sociedade e Câmara não conhecem o Plano, feito só para conseguir financiamentos”, cita o titular da secretaria das Cidades, Camilo Santana.

A localidade que for obrigada e não formular o Plano Diretor tem acesso restrito a repasses estaduais e federais. “Os municípios estão se envolvendo, sim. E a Aprece tem criado ações para mobilizar, capacitar e orientar esses planos. Mas só ter o plano não significa muito. Ele precisa ser feito com o envolvimento da sociedade”, pontua o economista e coordenador do Núcleo Técnico da Aprece, Talles Gomes.

“É necessário vontade política do Executivo e Legislativo”, resume o professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), Renato Pequeno.

Saiba mais

Foi o senador cearense Pompeu de Sousa quem apresentou a primeira proposta de reforma urbana. Era 1989 e o projeto foi engavetado na Era Collor.

Em 1999, o então deputado federal Inácio Arruda elaborou novo texto. Ali nascia o Estatuto da Cidade, aprovado em 10 de julho de 2001.

O Estatuto responsabiliza os municípios pela implementação de suas regras e não governos Estadual e Federal.

Em nota, o Ministério das Cidades disse que “atua desde 2003 no desenvolvimento institucional do município, por meio de capacitações e repasse de recursos técnicos e financeiros”.

Pontos do Estatuto

Plano Diretor

É obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes e municípios integrantes de áreas de especial interesse turístico ou influenciadas por empreendimentos ou atividades com alto impacto ambiental.

Usucapião especial

Amplia a chance de iniciativa para usucapião coletivo. Facilita a regularização fundiária de áreas urbanas de difícil individualização.

Direito de preempção

Confere preferência ao poder público para adquirir imóvel que esteja sendo vendido pelo proprietário a outra pessoa.

IPTU progressivo no tempo

Combate à ociosidade de terrenos urbanos.

Desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública

Torna a desapropriação de imóveis urbanos ociosos semelhante à adotada para fins de reforma agrária.

Gestão democrática

Audiências e consultas públicas, da iniciativa popular de leis, planos e projetos.

Direito de superfície

Permite a transferência do direito de construir sem que este alcance o direito de propriedade do terreno.

Estudo de impacto de vizinhança

Documento técnico exigido com base em lei municipal para concessão de licenças e autorizações de construção, ampliação ou funcionamento.

Fonte: Jornal O Povo

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