Alejandro Nadal: Obama, os falcões e o crepúsculo imperial
A Casa Branca enviou para o Congresso o seu projeto de orçamento para o próximo ano fiscal. O objetivo central é a eliminação do défice com reduções anuais da despesa de US$ 400 bilhões no próximo quinquénio. Planeia-se reduzir o défice em mais de US$ 1 trilhão ao longo dos próximos 10 anos.
Por Alejandro Nadal, no La Jornada
Publicado 14/07/2011 19:39
O debate em torno do orçamento é uma mostra de quão mal estão as coisas nos Estados Unidos. De um lado estão os falcões das finanças públicas “sãs”. Para eles, o inimigo principal da economia é a despesa pública descontrolada.
Como se a crise fosse provocada pelo dispêndio fiscal. Em vez de enfrentar essa narrativa distorcida, Obama preferiu dobrar-se e tratar de conciliar. Este será um dos seus erros mais graves e é produto da sua negação em entender as raízes do problema e em tornar efetiva a sua promessa de mudança.
A economia dos Estados Unidos continua submetida a grandes pressões. O crescimento esperado para os próximos anos será medíocre e incapaz de absorver o desemprego que a crise trouxe. Embora esse desemprego (9,7%) seja elevado, se se levar em conta as medidas mais realistas do próprio Bureau of Labor Statistics (BLS), resulta que mais de 12% da PEA está desempregada.
Dados oficiais revelam que, das 10 recessões que a economia estadunidense sofreu entre 1950-2010, o desemprego na crise atual foi o mais alto e o mais tenaz. Na recessão de 2001 (quando rebentou a bolha das ilusões dot.com), os Estados Unidos perderam 2% dos seus empregos e demoraram quatro anos a recuperá-los. Na crise atual, perderam-se 5% e ainda se está bem longe de restabelecê-los.
O queda na procura efetiva continua a ser a principal ameaça para a economia estadunidense. Nos anos anteriores à crise de 2007, o endividamento das famílias manteve artificialmente o consumo e o nível de vida da população. Hoje esse recurso não está disponível por muitas razões: uma delas é o colapso no valor dos ativos residenciais que foi utilizado para alavancar o endividamento.
O preço desses ativos caiu mais de 30% e espera-se que se reduza ainda mais 15%. A cumprir-se esse prognóstico, a queda de preços de casas será a mais espetacular na história dos Estados Unidos.
O desemprego e, para fechar o círculo, os baixos salários que uma grande parte da força de trabalho recebe, também explicam a insuficiência da procura agregada. Os salários reais continuam na estagnação que marcou as últimas três décadas.
A classe política e a elite negam-se a entender que os Estados Unidos necessitam de uma viragem decisiva na sua política fiscal e que só uma estratégia redistributiva permitirá iniciar as mudanças estruturais necessárias para sanear a economia.
Com os preços das casas em declínio e com os salários estagnados, a procura efetiva permanecerá abaixo da linha de flutuação. E, mesmo com as baixas taxas de juro que a Reserva Federal aplica, nem os bancos querem emprestar, nem as famílias endividar-se. Os limites da política monetária ficaram evidenciados desde há já dois anos. Resta então a política fiscal.
O crescimento no défice fiscal nos Estados Unidos deve-se a três fatores. Primeiro, o colapso económico reduziu de forma notável os rendimentos tributários, o que era de se esperar. Segundo, os programas de salvamento que beneficiaram a Wall Street e outras empresas em bancarrota, bem como o estímulo fiscal, dispararam o défice. O terceiro fator é o pagamento de juros que tudo isto implica.
Isto é, o défice está intimamente ligado à conjuntura da crise, mas não a gerou. Mais, se não fosse o estímulo fiscal de 2009, o crescimento seria ainda menor e a coleta teria diminuído mais. Esse estímulo já se esgotou e foi interrompido. E agora faz-se questão de reduzir a despesa porque há que eliminar o défice a todo o custo.
Não se pode esquecer: em dezembro, a Casa Branca e o Congresso (já dominado pelos republicanos) acordaram estender os cortes aos impostos dos ricos num montante de US$ 900 bilhões. Hoje “descobrem” que há um défice de US$ 1,6 trilhões que há que cortar a todo o custo. A economia política do orçamento é claríssima.
Os privilégios dos ricos não serão tocados enquanto se castigam os apoios aos mais pobres em áreas como a saúde e a educação. Literalmente, vai doer a muita gente este orçamento (amanhã chegará a hora à segurança social).
E a despesa militar? Os cortes não virão das áreas nucleares da “segurança nacional”, embora alguma coisa contribuirá a retirada (disfarçada) do Iraque e do Afeganistão. Em contrapartida, a despesa federal em educação, energia, infraestrutura, ciência e meio ambiente cairá 2% do PIB: a mostra mais clara do crepúsculo imperial. Será também o sinal do ocaso do governo Obama?
Fonte: Informação Alternativa