Risco de calote nos EUA provoca nova onda de baixas nas bolsas
A novela da dívida pública dos EUA, recheada de episódios aparentemente surrealistas, ainda se arrasta e continua provocando danos aos mercados de capitais. O risco de calote do maior devedor do mundo assusta os investidores e semeia instabilidade.
Publicado 25/07/2011 20:14
A semana começou mal para as bolsas de valores, que encerraram os pregões nesta segunda-feira, 25, em baixa na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, o Ibovespa acompanhou a tendência internacional e caiu 0,50%, abaixo dos 60 mil pontos (59.970). A crise da dívida norte-americana é a maior vilã dos mercados, mas a situação da Europa (onde a Grécia amargou uma nova redução da classificação de risco) também é fonte de fortes dores de cabeça.
Palavras ao vento
Apesar dos apelos e ultimatos de Obama e do secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, o impasse entre o Executivo e o Parlamento, dominado pelos republicanos, permaneceu sem solução nesta segunda-feira. O presidente queria uma solução até sexta da semana passada, fez inúmeras reuniões com a oposição para alcançar este objetivo e não foi atendido. Geithner declarou que era indispensável uma solução ainda hoje, 25, mas também foi ignorado. Foram como palavras ao vento.
Os líderes do Partido Republicano na Câmara dos Representantes informaram que pretendem votar na quarta (27) um novo projeto de lei para reduzir os gastos públicos e permitir dois aumentos no limite de endividamento do governo federal até 2012, o primeiro de US$ 900 bilhões, ainda em 2011, e o segundo no valor de US$ 1,6 trilhão, durante o próximo ano. O parcelamento pode criar novos impasses em 2012, ano de eleição presidencial nos EUA.
Cortes de despesas
No Senado, os democratas, que detêm a maioria, estão preparando outro projeto que prevê uma única elevação, de US$ 2,4 trilhões, associado a propostas para reduzir o déficit fiscal em cerca de US$ 2,7 trilhões. Segundo o líder da maioria democrata no Senado, Harry Reid, todas as medidas previstas envolvem cortes de gastos.
O atual teto para a dívida da Casa Branca, de US$ 14,29 trilhões (mais de quatro PIBs do Brasil), foi atingido em maio deste ano e o governo tem feito ajustamentos na despesa, na contabilidade pública e receitas fiscais para continuar operando normalmente, mas este expediente esgota em 2 de agosto. Se o limite da dívida não for elevado nos próximos dias, o país incorre em moratória, uma vez que a arrecadação de tributos é insuficiente para bancar as despesas governamentais. Pelo menos 40% dos gastos são cobertos com dinheiro obtido através da emissão de novos títulos da dívida, o que pressupõe a ampliação do endividamento.
FMI fala em choque severo
O FMI voltou a alertar hoje para os riscos do calote. “O limite de endividamento federal deve ser rapidamente aumentado para evitar um choque severo para a economia americana e para os mercados financeiros mundiais”, avisa a instituição no seu relatório anual sobre a economia dos EUA, que diverge dos planos (tanto republicanos quanto democratas) para combate ao déficit público e sugere uma redução gradual.
“As propostas oficiais de redução do déficit poderão estar demasiado concentradas no início da execução orçamental, tendo em conta a fraqueza do ciclo [econômico] e, ao mesmo tempo, serem insuficientes para estabilizar a dívida em meados da década”, informa o relatório do FMI. O fundo reviu para cima sua projeção da relação entre dívida pública e PIB dos EUA, que deve fechar em 99% em 2011 e subir a 103% em 2012.
Divergências
As divergências entre democratas e republicanos, que esticam a corda com o propósito de desgastar o presidente Obama (já em campanha pela reeleição), se referem ainda ao tamanho e perfil dos cortes e aumento dos impostos. Os republicanos não querem saber de aumento de impostos para os ricos e insistem em reduções mais drásticas das despesas sociais. Os dois partidos não cogitam diminuir as despesas e aventuras militares do império, que são a principal fonte do déficit interno e da aflição dos povos no Oriente Médio.
A crise da dívida nos EUA é motivo de preocupação internacional porque é, em grande medida, uma dívida externa. Sem poupança interna, o governo é levado a contrair empréstimos no exterior. A lógica do sistema de reservas em dólar (indiretamente, através da aquisição de títulos do Tesouro) induz os bancos centrais dos países com superávit nas contas externas (balanço de pagamentos) a investir o excedente em divisas nos papéis do Tio Sam.
Alimento para a crise
Por duas vezes ao longo deste mês, autoridades da China, que é a maior credora dos EUA, pediram maior responsabilidade do império com os investidores externos. Os norte-americanos já impuseram aos estrangeiros uma redução unilateral no valor dos seus ativos em dólar (e do passivo estadunidense) através da política de desvalorização da sua moeda por meio da emissão de mais de US$ 2 trilhões.
Qualquer que seja a saída para o impasse, a situação da economia continuará crítica nos EUA, na Europa e, por extensão, no mundo. A tesoura sobre os gastos públicos num momento de alto desemprego e estagnação da produção nos dois lados do Atlântico vai alimentar a crise, impedir a recuperação e, quem sabe, jogar o mundo numa nova recessão. Sem a possibilidade de recorrer ao déficit fiscal para estimular a economia, é bem provável que o Federal Reserve retome a política de emissões, jogando mais lenha no fogo da guerra cambial e da inflação.
A crise surpreende muitos observadores, assume uma aparência surrealista e arranha a reputação dos títulos do Tesouro norte-americano, até ontem considerados como os mais seguros do mundo. O tamanho dos débitos que assustam o mundo reflete o crescente parasitismo dos EUA, que será forçado a restringir o consumismo, e evidencia a irracionalidade da atual ordem econômica internacional, fundada na liderança estadunidense e no padrão dólar. Seria muito bom para a humanidade se o déficit fosse reduzido com um corte profundo das despesas militares, o fim das guerras imperialistas no Oriente Médio e a retirada das bases (mais de 800) que o império mantém pelo mundo. Mas não é isto que está no horizonte sombrio da economia política internacional.
Bolsas em queda
Na Ásia, a maior baixa nas bolsas ocorreu em Xangai, com queda de 2,29%, talvez refletindo o fato da China ser a maior credora dos EUA; Tóquio encerrou com -0,81%; na Europa, a bolsa de Madri também desabou (-1,92%), Londres concluiu o dia com -0,16%; nos EUA, o Dow Jones caiu 0,70%, a Nasdak 0,56% e o S&P também recuou 0.56%.
China: 1.159,8
Japão: 912,4
Inglaterra: 346,5
Brasil: 211,4
Da Redação, Umberto Martins, com agências