Artigo: Trabalho Decente e os sentidos de sua promoção
Falar de uma Agenda de Trabalho Decente é colocar-se a pautar temas amplos, complexos, mas, que precisam ser tratados e priorizados. Afinal, não dá mais para conceber um mundo onde o homem avança na tecnologia de maneira fantástica, conquista espaços antes nem conhecidos, mas, ainda avança muito timidamente no combate às desigualdades sociais.
Por Arielma Galvão*
Publicado 11/08/2011 15:16 | Editado 04/03/2020 16:19
Viver os princípios de uma Agenda do Trabalho Decente é mais que isso. É compreender que não se promove trabalho decente sem articulação, sem mobilização, sem pensar coletivamente e sem diálogo. Quando se percebe a essência do que isso significa, quando isso passa a ser um principio na lógica de um trabalho a ser desenvolvido, o desenho das ações, a forma de pautá-las, de encaminhá-las, é contaminada por esse entendimento. Esse entendimento permite inclusive perceber que nossas demandas precisam estar alinhadas a uma coletividade. Não dá para promover Trabalho Decente a partir apenas do meu mundo, pois não adianta ser decente apenas para mim, é necessário ser para o outro e para a sociedade.
Parece simples, mas é na vivência mais intima com esse processo que percebemos a dimensão das dificuldades. Como é desafiador articular, mobilizar, envolver as pessoas numa lógica que na verdade apresenta um novo paradigma, um novo modelo.
Viver os princípios do Trabalho Decente é também fortalecer os instrumentos nos quais ele se materializa, seja através dos instrumentos de políticas públicas, seja na participação da construção da própria Política. E, vale o despertar para o fato de que, esse fortalecimento é mais amplo que demandas e vaidades individuais. Trata-se de uma concepção baseada no crescimento coletivo, e em perceber que quando alguns instrumentos de políticas públicas são exitosos, isso refletirá também nas particularidades de cada um. Não é um movimento no sentido de anular-se no todo, mas buscar identificar como podemos somar nesse todo, a partir de nossa diversidade.
É com esse espírito que se materializou a construção da IIIª Conferência Estadual de Emprego e Trabalho Decente na Bahia. E, é com esse espírito que se fortalece a promoção do Trabalho Decente em nosso Estado. E, aqui lembro novamente da complexidade que é a gestão de uma política como essa, que para dar certo no âmbito institucional precisa antes de tudo ser resultado também de uma vontade política e governamental. Felizmente tivemos isso aqui em nosso Estado, o que tornou possível fazer da Agenda Bahia do Trabalho Decente o que ela é hoje. O posicionamento do Governo e de um Gestor, que priorizou um trabalho como esse demonstra a preocupação com um tipo de desenvolvimento atento à necessidade do combate às desigualdades sociais. A lógica capitalista e perversa torna esse desafio bem mais forte do que se imagina, mas a certeza da possibilidade do combate a essa lógica permite o desenvolvimento de estratégias como a da Agenda.
Felizmente também, tivemos e temos à frente dessa política uma representação que foi historicamente tirada dos espaços de decisão. A referência aqui é à mulher negra.
Nos nossos dias, é de conhecimento, inclusive acadêmico, que a questão de gênero é, em si mesmo, um complicador para a representação nos espaços de poder. Mas, ele se intensifica ainda mais quando somado à questão de raça. É fato o entendimento de que para as mulheres negras há a exigência de um grande esforço para a conquista de espaços pretendidos, e ainda uma necessidade constante de mostrar que se é competente.
Além disso, muitas pagam um preço alto pela conquista de determinados espaços, abdicando muitas vezes do lazer, da realização da maternidade, do namoro ou casamento. Além da necessidade de comprovar a competência profissional, tem de lidar com o preconceito e a discriminação racial que lhes exigem esforços para a conquista do ideal pretendido. (SILVA, 2003)
Quando se busca conhecer um pouco da história de vida e luta das mulheres negras, é impossível deixar de reconhecer sua importância histórica e necessidade de respeitá-las. São mulheres que não aceitaram ficar "no seu lugar", e disseram através de suas histórias que querem ver garantido o direito de escolher "o seu lugar'.
Portanto, ter na Agenda do Trabalho decente como umas das prioridades, a questão da promoção da igualdade de gênero e raça, e ver na gestão desse instrumento de política pública, uma mulher negra, é bastante positivo e representativo. Quando conseguimos fazer uma leitura a partir de entendimentos como esse, conseguimos identificar que é um fenômeno bem maior que a associação apenas a pessoas, de forma pessoal ou individual. Quando ampliamos nosso olhar, fazemos outras leituras. Como por exemplo, do que significa ter na gestão de um instrumento de política pública como esse, uma representação não comumente encontrada em determinados espaços.
É a partir de toda essa compreensão, que finalizo esse pequeno texto, que é mais uma vontade de dividir com outros companheiros/as uma forma de ver (que claro, não é a única), fazendo referência à duas grandes mulheres que atuaram ou atuam na frente, de forma representativa, de todo um processo de construção que é validado a várias mãos. Me refiro a Tatiana Silva e Patricia Lacerda, primeira e atual coordenadora da Agenda Bahia do Trabalho Decente. Cada uma com sua forma de ser e agir, mas tendo em comum a dor e a delicia de, como mulher negra, conquistar espaços a partir da dedicação, seriedade, compromisso, transparência e competência.
Promover o Trabalho Decente não é fácil. Encarar esse desafio é o primeiro passo, e aceitar que não faremos isso sozinhos/as nos coloca numa condição de compromisso e ação em prol de uma sociedade mais justa.
*Arielma Galvão é Assessora Técnica da SETRE/Membro da União Brasileira de Mulheres