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Aurélio Munhoz: A farsa da democracia

O tema não é novo e parecia ter sido relegado à poeira do tempo, nos últimos dez anos, por força da rigorosa pressão em defesa de menos gastos públicos imposta sobre os governantes pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Por Aurélio Munhoz, em Carta Capital

Infelizmente, porém, a celeuma ganhou frescor graças à decisão do Senado de aprovar a realização do plebiscito que vai delegar à população a tarefa de decidir se o Brasil terá, ou não, mais dois Estados – Carajás e Tapajós, ambos desmembrados do Pará.

A explosiva criação de novos Estados não poderia retornar em pior cenário. No momento em que a presidenta Dilma Rousseff se esforça por imprimir uma marca de seriedade e austeridade em seu governo e em que algumas das principais potências econômicas do planeta vivem uma crise sem precedentes, como os EUA e o Japão, não faz nenhum sentido parir novas unidades federativas.

Fazê-lo não passa da mais deslavada demagogia, aliada a uma dose hercúlea de irresponsabilidade e de desrespeito ao bolso do contribuinte.

Não há a menor consistência no discurso de que a criação dos dois Estados garantiria mais representatividade política à população das regiões onde seriam instaladas as novas unidades federativas e, simultaneamente, toda a legião de barnabés que teria de ser empregada para manter a máquina pública azeitada.

A melhoria da qualidade de vida da população e a efetiva democracia representativa não ocorrem simplesmente por força da existência de governantes e de parlamentares oriundos de uma determinada zona geográfica, mas sim (e unicamente) pela atuação concreta dos agentes públicos em defesa do interesse público. Não são, portanto, conquistas intrínsecas ao Estado e à classe política, seja ela de onde for; são apenas um dos muitos subprodutos da democracia.

A teratológica democracia brasileira, desfigurada por uma sopa de letras de partidos geralmente fracos e por governos bons de voto (mas muitas vezes péssimos nos quesitos moralidade e honradez), é um mosaico de exemplos que comprovam a veracidade destes conceitos.

Não por acaso, as pesquisas – todas elas – apontam os políticos como o segmento mais desacreditado da sociedade brasileira. No seu âmago, ironicamente, está o exército de 55 mil vereadores que lotam gabinetes nas Câmaras Municipais, apenas para ficarmos no exemplo da classe à qual se atribui a condição de nossa mais legítima representante – ainda que muitos dos seus integrantes não passem de mercenários da política e herdeiros do espírito do histriônico Brancaleone.

A posição que sustentamos também pode ser traduzida em números. Levantamento feito pelo economista Rogério Boueri, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), denuncia: caso sejam mesmo criados, os Estados de Carajás e Tapajós serão economicamente inviáveis. Pior: dependerão dos cofres geridos pelo Palácio do Planalto para manter suas onerosas estruturas públicas. Não é pouca coisa. Algo entre R$ 2,2 bilhões e R$ 2,9 bilhões ao ano.

O Brasil não precisa de duas novas unidades federativas, mas sim de governantes e de parlamentares comprometidos com sua gente.

A criação de novos Estados não passa de uma farsa com aura democrática. Mais uma dentre as muitas bruxarias que a política brasileira engendra, como nos ensinou o cientista político Raymundo Faoro em um livro brilhante – “A democracia traída” – e também em uma das suas antológicas frases sobre a fragilidade desta surrada instituição nacional. “O sapateiro não é a pessoa mais autorizada a dizer onde o sapato aperta”. Morto há oito anos, Faoro, como se vê, continua atual como sempre.

* Aurélio Munhoz é jornalista, sociólogo, consultor em Comunicação e presidente da oscip Pense Bicho.