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México, um país à procura de uma esperança

No relatório anual ao Congresso mexicano, o presidente Felipe Calderón falou sobre os mortos provocados pela "guerra ao narcotráfico". Preferiu não citar números. Não é necessário: o país inteiro sabe que foram cerca de 40 mil até o fim de agosto, número que pode chegar a 50 mil ao final de seu mandato. Ou seja: quase dez mil ao ano. O mesmo número de soldados norte-americanos mortos na guerra do Vietnã. Mais do que os mortos nas guerras da Líbia e do Iraque somados.

Por Eric Nepomuceno.

Cumprindo uma determinação constitucional mexicana, o presidente Felipe Calderón entregou, na quinta-feira – primeiro dia de setembro –, seu relatório anual de governo ao Congresso Nacional. O eixo central de sua mensagem, que traz um balanço do que foi feito e anuncia o que se pretende fazer ao longo do próximo ano – que será o último de sua presidência –, estava baseado no combate ao crime, especialmente os praticados por grandes cartéis de narcotraficantes que assombram o país com atos de violência cada vez mais desmedida. E, uma vez mais, Calderón reiterou que não haverá um único segundo de trégua na guerra aberta que decretou contra o narcotráfico desde que tomou posse, em dezembro de 2006.

Em sua mensagem ao Congresso, o presidente mexicano citou números que considera sonoros. Mencionou o número de toneladas de cocaína (110), heroína (duas) e maconha (dez mil) apreendidas, recordou as apreensões de armas (mais de 120 mil) e granadas (onze mil), falou dos 185 laboratórios para produção de drogas sintéticas que foram desmantelados.

Calderón também mencionou os mortos provocados por essa guerra, e se solidarizou com as famílias das vítimas inocentes. Nesse ponto, preferiu não citar números. Não foi necessário: o país inteiro sabe que foram cerca de 40 mil até o final de agosto, e que de prosseguir o andar dessa carruagem nefasta, serão 50 mil quanto ele termine seu mandato presidencial. Ou seja: quase dez mil por ano. O mesmo número de soldados norte-americanos mortos na guerra do Vietnã. Mais do que os mortos nas guerras da Líbia e do Iraque somados.

Nessa espécie de balanço anual de gestão, Felipe Calderón também citou, é claro, dados da economia mexicana. Não disse explicitamente, mas deixou claro que, dentro do cenário global, as coisas até que não estão assim tão mal em seu país. Oficialmente, o México prevê para este ano um crescimento de cerca de 3,3% em seu PIB. Fora do governo, é difícil achar quem concorde com essa previsão. Mas admite-se as coisas poderiam estar bem pior. O país continua recebendo investimentos externos, mas a parte destinada à produção dificilmente ultrapassará a marca dos 20 bilhões de dólares este ano. A parte destinada ao mercado financeiro é bem superior, de quase 32 bilhões de dólares, mas boa parte da equipe econômica do governo prefere ver esse capital especulativo mais como prova de confiança na economia do país que como andorinhas aventureiras.

Para a maior parte da opinião pública, realmente as coisas – no aspecto econômico – até que estão bem. Todo o resto, porém, é um desastre, a começar pela linha adotada por Calderón para combater o narcotráfico.

A corrupção continua endêmica, apesar das medidas adotadas desde a presidência de Vicente Fox, do mesmo Partido de Ação Nacional (PAN) de Calderón, e que pôs fim a quase 70 anos de domínio absoluto do Partido Revolucionário Institucional (PRI), tempos de um verdadeiro império da opressão e da impunidade. Os números esgrimidos por Calderón para falar de sua política social (educação e saúde) estão a uma distância estratosférica do que se vê na vida real. É impossível encontrar o número de habitações populares que ele diz ter entregue, e nem o maior dos néscios acreditaria que ele cumprirá o que anuncia daqui ao fim de seu governo.

Há um palpável sentimento de frustração na Cidade do México, apesar de se viver aqui numa espécie de ilha de tranqüilidade quando se pensa no grau descabelado de violência que açoita o resto do país.

Nas eleições presidenciais de 2000, terminar com o domínio do PRI foi como abrir uma porta de esperança para a construção de um novo país, com enorme potencial criativo. Nos primeiros seis anos de governo do PAN – com Vicente Fox – ainda havia a crença generosa de que era preciso tempo para pôr o carro nos trilhos. Foram seis anos de desencontros e encontros, mas ainda persistia uma certa esperança. Com Calderón, essa esperança se desvaneceu. A tal porta ficou aberta para o nada.

Em 2012 haverá eleições presidenciais no México. As candidaturas ainda estão na etapa das apostas e especulações. Sobre esses nomes ainda desconhecidos, porém, paira desde já a forte impressão de que o poder voltará às mãos do PRI. Tudo que se espera é que seja de um PRI renovado. Ou seja: o país volta à etapa das esperanças, depois de doze longos anos de uma espera que se transformou, dia a dia, em frustração.

Fonte: Carta Maior