Líbia, versão e fatos: Europa mira negócios de US$ 200 bilhões
Uma forte campanha midiática em todo o mundo vende à opinião pública uma versão idílica da intervenção dos Estados Unidos e da Otan na Líbia, executada em nome da democracia, proteção dos direitos humanos e dos civis e caça a um “tirano” que a velha imprensa burguesa equipara a Hitler. A verdade que emana dos fatos é bem outra. A “reconstrução” traz a oportunidade de negócios bilionários.
Publicado 16/09/2011 16:18
O conflito ainda prossegue no país, mas os grandes capitalistas já se movimentam e mal escondem a avidez por lucros gordos que a tragédia líbia, provocada pelo chamado Ocidente, promete. Reportagem de Lina Saigol e Rachel Sanderson publicada no Financial Times, traduzida pelo Valor (16-9) e parcialmente reproduzida abaixo, sugere que as razões objetivas da ação imperialista são menos idealistas e mais materialistas do que parecem.
Disputando posições
Grandes empresas europeias estão disputando posições para abocanhar bilhões de dólares em contratos na Líbia, usufruindo da boa vontade do Conselho Nacional de Transição (CTN), após a derrubada do regime de Muamar Gadafi.
As estimativas do CTN apontam para um gasto de aproximadamente US$ 200 bilhões na próxima década para reconstruir a infraestrutura do país, danificada por anos de baixos investimentos, por sanções e pela guerra. Na quinta-feira (15), o CTN disse que seus aliados estrangeiros na guerra (leia-se: EUA, França, Inglaterra e outras potências da Otan) terão prioridade na concessão de contratos. Ele também prometeu rever acordos com países que não se envolveram e manifestaram restrições aos bombardeios, que custaram a vida de milhares de líbios inocentes.
A guerra resulta numa nova repartição do país pelas grandes potências, com inevitável deslocamento de interesses. Traz lucros para os interventores (EUA e Europa) e prejuízos para quem não apoiou a guerra imperialista, incluindo a China, que agora busca reduzir as perdas com o reconhecimento da CNT. Como diria Machado de Assis, "ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas".
Um alívio na crise
Empresas não petrolíferas européias, às voltas com uma grave crise e com a contração da demanda no velho continente, estão em busca de oportunidades em todos os setores – de equipamentos médicos e suprimentos hospitalares a telecomunicações, água, maquinário agrícola e serviços de software. O fato mostra como as potências imperialistas buscam na guerra uma solução para a crise econômica.
O Reino Unido enviou seu primeiro representante da governamental UK Trade & Investment a Trípoli na terça-feira. E planeja enviar uma delegação do Conselho de Negócios Líbio-Britânico à capital e a Bengasi em outubro.
Gordas recompensas
Empresas francesas, como a construtora Vinci, a farmacêutica Sanofi e a France Telecom, estão organizando uma missão comercial oficial que irá à Líbia no fim de setembro para conseguir uma vantagem sobre os concorrentes.
"O CNT tem demonstrado estar disposto a recompensar as empresas e os países que o ajudaram e por isso não é cedo demais para as empresas estabelecerem ou restabelecerem sua presença na Líbia", disse Emad Mostaque, diretor de estratégia da Religare Capital Markets para o Oriente Médio e o norte da África. Gordas recompensas, certamente, já que sem as bombas da Otan a oposição a Kadafi não teria ido muito longe.
Recolonização
Empresas italianas, que têm vínculos que remontam à colonização da Líbia, agiram rapidamente no sentido de retomar relações em base individual ou provincial, sem esperar que uma delegação oficial preparasse o caminho.
A Finmeccanica, grupo de defesa semiestatal italiano, tem como objetivo retomar contratos nos setores de infraestrutura e segurança que firmara com o antigo regime, ao passo que o UniCredit, banco italiano que conta com o Banco Central da Líbia e a Autoridade de Investimentos Líbia entre seus maiores acionistas, está na vanguarda das negociações para descongelamento dos ativos líbios.
No entanto, Oliver Miles, antigo embaixador britânico na Líbia, disse estar aconselhando as empresas no sentido de que ainda é muito cedo para entrar no país, a menos que estejam ajudando a superar problemas imediatos, como a escassez de suprimentos médicos.
Advertência
"Este é o momento errado para a maioria das empresas voltarem à Líbia. Como os combates ainda não terminaram, o país tem outras prioridades no momento, e a autoridade de transição não está tomando decisões sobre a reconstrução", disse Miles.
Robert Tashima, da consultora Oxford Business Group, disse que os investidores querem saber quem está no comando, como serão tratados os contratos pré-existentes e que modelo assumirá a política econômica. "Em termos de preocupações com contratos pré-existentes, uma série de grandes empresas europeias já buscou obter garantias [de continuidade] e algumas, como a italiana Eni, uma das maiores investidoras no setor de hidrocarbonetos, enviou equipes para avaliar danos à sua infraestrutura", afirmou Tashima, editor regional da publicação "Africa and the Levant".
Porém, mais que capital estrangeiro, a Líbia necessita de competência e know-how técnico. Nesse sentido, os especialistas acreditam que serão mantidas as exigências de formação de joint ventures com empresas líbias e de uma quota de 75% dos empregos reservados para pessoal local.
Com Valor