Sem categoria

Exceções do Poder Judiciário criam supersalários

Regras que excluem da conta diversas excepcionalidades permitem que conselheiros do CNJ, ministros do Supremo e do STJ e outros magistrados recebam vencimentos que ultrapassam o teto constitucional, fixado atualmente em R$ 26,7 mil.

Os supersalários também estão na esfera judiciária. Alguns chegam à beira dos R$ 59 mil mensais. No entanto, é tudo dentro da lei. Apesar do texto da Constituição determinar que ninguém pode receber mais do que o teto, algumas normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) excluem várias verbas do cálculo do teto. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, disse que a sociedade e a Constituição são desrespeitadas pelo grande número de exceções previstas nessas normas interpretativas.

Já o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), Cézar Peluso, preferiu não comentar o assunto. O Supremo defende no Congresso um projeto que eleva o atual teto para mais de R$ 30 mil mensais, ao custo de R$ 464 milhões, ao ano.

O CNJ tem um conselheiro que ganhou R$ 27.757,99 em julho. Um levantamento feito pelo Congresso em Foco, a partir das folhas de pagamento de 976 magistrados dos tribunais superiores e federais em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Brasília, constatou que 69 deles têm salários acima do teto, entre maio e agosto, mesmo após retirar da conta ganhos como 13º e férias. Se considerar que até seis ministros do Supremo, que podem ganhar mais que seus subsídios, esse contingente pode chegar a 75 magistrados, ou 8% do total.

Nas folhas obtidas não há os nomes dos beneficiados, somente cargos e valores. E, ao contrário dos outros tribunais, o Supremo não está obrigado a publicar suas folhas de pagamento na internet. Uma resolução do CNJ isentou a corte máxima do Brasil dessa medida de transparência.

Ao todo, esses 75 magistrados receberam mais de R$ 2 milhões em salários por mês. Se todas essas remunerações acima do teto fossem comprovadamente ilegais, os pagamentos irregulares somariam pelo menos R$ 32 mil.

O CNJ justificou que o conselheiro que recebeu R$ 27.757,99 em julho “certamente” está embasado em exceções ao teto. A remuneração não é paga pelo conselho diretamente, mas por seu órgão de origem – que pode ser o Supremo Tribunal Federal (STF) ou até o Ministério Público da União, por exemplo.

No STF, os seis ministros efetivos e substitutos que exercem trabalhos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Dias Toffolli e Luiz Fux – também têm condições de receberem mais que o subsídio. Eles acumulam a remuneração no STF com jetons do TSE, de R$ 801,69 por sessão, verba limitada a oito sessões, por mês, ou 16 em período eleitoral. Com isso, a remuneração desses ministros pode chegar a R$ 33.136,68 ou até R$ 39.550,23. Além de resolução do CNJ, um julgamento do próprio Supremo excluiu esses jetons do cálculo do teto.

Abono de permanência

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Ari Pargendler recebeu R$ 28.316,37 em maio, o que incluiu uma verba de pouco mais de R$ 1 mil por ser o presidente da corte. Outros 14 ministros receberam R$ 28.179. Um ministro recebeu R$ 29.054, graças a um auxílio, que pode ser um tíquete-alimentação, por exemplo. O STJ também justificou que tudo é legal porque os 16 ministros recebem abono de permanência, um benefício concedido a todo funcionário público que completa o tempo para pedir a aposentadoria, mas decide continuar no trabalho – essa verba também não está no cálculo do teto.

No Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que atua em São Paulo e no Mato Grosso do Sul, três desembargadores ganharam quase R$ 59 mil em julho. Mas R$ 32 mil dos R$ 58.927,37 do salário bruto se referiam a “vantagens eventuais”, como férias e 13º. Mas mesmo descontando essa remuneração legal, a renda desses magistrados fica acima do teto. Feitos os mesmos descontos, outro desembargador ganhou R$ 28.465. A assessoria do TRF-3 não prestou esclarecimentos.

Julgamento dos supersalários

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) e a Justiça Federal de Brasília possui 17 desembargadores ganhando mais que R$ 26.723 e, a princípio, estourando o teto constitucional. Um desembargador ganhou R$ 28.465 no mês passado. Os outros, R$ 26.770.

O órgão especial do TRF-1 é quem vai julgar as ações do Ministério Público contra a Câmara e o Senado envolvendo os supersalários de senadores, deputados e servidores. Auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) identificaram pagamentos de rendimentos de até R$ 35 mil no Senado e ainda apuram casos na Câmara. Forçadas por decisões de primeira instância, as duas Casas cortaram os salários acima do teto, mas suspenderam a obrigação no tribunal.

As assessorias do TRF e da Justiça Federal de Brasília também não esclareceram o pagamento supostamente acima do teto, bem como o o fato de algum desembargador ser considerado suspeito para julgar a causa dos supersalários do Legislativo. O presidente do CNJ e do Supremo, Cézar Peluso, não quis se pronunciar sobre o caso. “O ministro só se pronuncia sobre casos concretos que cheguem à Suprema Corte ou ao CNJ, na qualidade de presidente dos dois órgãos”, afirmou sua assessoria.

Excesso de exceções

Auditor do TCU, o candidato a ministro do Tribunal de Contas Rosendo Severo acha “complicado” para um desembargador com salário de mais de R$ 26.723 julgar um assunto desses. “Ele deveria se declarar impedido”, disse Rosendo.

O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, entende que há um “excesso de exceções” nas regras que livram determinadas verbas do cálculo do teto. Para ele, há interpretações da Constituição que equivalem a salários indiretos, o que desrespeita a vontade da sociedade e dos legisladores da maior lei do país. “Todas as vezes que há um desrespeito à Constituição, há um desrespeito à vontade do povo”, criticou Ophir.

“As interpretações não se compatibilizam com o sentimento do legislador. A vontade do legislador constitucional era de haver apenas um subsídio e todos os salários ficarem limitados a isso.”

O presidente da OAB disse ser normal que 13º salário e férias não entrem na conta. Entretanto, estender isso para remunerações de caráter habitual, como abono de permanência e funções comissionadas, no caso do Legislativo, seria uma condescendência indevida.

“As exceções deveriam ser realmente exceções”, concorda o auditor do TCU Rosendo Severo. Quando o assunto é teto, a Constituição é “rigorosa” e “moralizadora”. “Está havendo uma flexibilização do texto”, reclama Rosendo.

O presidente do CNJ e do Supremo não quis comentar se as exceções hoje existentes eram exageradas. “As regras para o cálculo do teto foram definidas pela Constituição Federal. Não cabe ao ministro Peluso avaliá-las”, disse, por meio de sua assessoria.

Fonte: Congresso em Foco