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UBM: Yusra Ataya fala sobre a mulher muçulmana no Brasil

O Portal Vermelho reproduz entrevista feita pela União Brasileira de Mulheres (UBM) com a Assistente Social pontagrossense Yusra Ataya. Graduada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e pós- graduanda em Mídia Política e Atores Sociais também pela UEPG, Yusra fala sobre a escolha pelo curso de serviço social, uma atividade que, segundo ela, tem princípios fundamentais que a faz exercer a profissão sem discriminar e não ser discriminado por cor, raça, opção sexual, religião. 

- UBM

Recém filiada à UBM, ela também fala sobre a discriminação da mulher e, especialmente, da mulher muçulmana. Em relação à emancipação feminina, Yusra acredita que “ela só poderá ser exercida plenamente se conquistada através da libertação das mulheres de toda forma de exploração, seja econômica, cultural ou entre os sexos”. Confira a entrevista concedida à coordenadora nacional da UBM, Elza Maria Campos:

Elza Maria Campos: Yusra, fale para nós o significado de seu nome.

Yusra Ataya: Este nome vem de uma Surata do Alcorão. A caverna, e significa: se você estiver nos dias de tempestades, que Deus abra seus caminhos. Mas ele foi colocado porque minha mãe foi ao cinema assistir um filme árabe (em Ponta Grossa-PR) enquanto solteira e gostou do nome da cantora.

Elza Maria Campos: Como você foi despertada para a luta em defesa dos direitos das mulheres muçulmanas?

Yusra: Falar de mulher é universal. Mas o que mais me instigou foi a relação das diferenças. Inclusive no estágio de Serviço Social – no Centro municipal da Mulher – com a assistente social Marli Koloda. E como brasileira nata e muçulmana, minha pesquisa surgiu como um desafio no curso, ou até mesmo veio quebrar paradigmas. Mas para mim era uma coisa normal. Fiz com prazer. Eu posso falar das três culturas. Sou um misto das três mulheres: muçulmana, ocidental e brasileira. Outra questão que me despertou interesse foi a intensificação da imagem passada na mídia – pós 11 de setembro – das mulheres usarem burca e serem oprimidas por causa do Islamismo (o que não é verdade); surtiu muita curiosidade na sociedade brasileira: O uso do véu (como poder masculinizado), circuncisão, entre outras questões.

Elza Maria Campos: Você tem feito estudos, publicado artigos que tratam da discriminação às mulheres muçulmanas tanto no Oriente como no Ocidente. Fale um pouco sobre o drama vivido pelas mulheres muçulmanas.

Yusra: Sim, há discriminação e violência, mas não são todas as mulheres muçulmanas que sofrem violência, não e mesmo? A mídia focou muito o Afeganistão como exemplo de mulher muçulmana oprimida. Mas ela não vai aos outros países. O que pesa é o poder. Mas elas podem sofrer vários tipos de violência: patriarcal, matriarcal, familiar e estatal. Enquanto estiverem nos países de maioria islâmica.

Já no ocidente ela não sofre só violência enquanto gênero, mas como minoria. É o caso de mulheres muçulmanas serem multadas na França e na Bélgica por usarem o hijab, o nikab ou a burca. Então se elas saem de véu e estão acostumadas? O ocidente desta forma vai oprimir a mulher muçulmana e deixá-la em casa. O nikab e a burca são coisas tribais, segundo a Benazir Butho. Eles cobrem toda a mulher dos pés a cabeça.

O profeta no Alcorão pede que use véu. Ele pede. O uso não pode ter força de ninguém e sim vir da vontade dela. Para que ela não mostre seus atrativos. Para não ser molestada ou abusada publicamente. No Corão (Corão, Sura Nur, verso 31) está escrito: “Dizem às fieis que recatem seus olhares, conservem seus pudores e não mostrem seus atrativos, além dos que normalmente aparecem, que cubram o colo com seus véus e não mostrem seus atrativos, a não ser a seus esposos, seus pais, seus filhos, seus enteados, seus irmãos, seus sobrinhos, as mulheres suas servas, seus criados insetos das necessidades sexuais ou as crianças que discernem a nudez das mulheres(…).

Elza Maria Campos: O movimento feminista nacional e internacional tem marcado suas lutas pela denúncia da mutilação de mulheres muçulmanas de países devido ao crescimento do clitóris, ou para que as mesmas não tenham prazer. Esta é uma das formas mais odiosas e ofensa grave aos direitos humanos. Como podemos contribuir para findar esta luta?

Yusra: O Islã aparece, também, como o grande mentor das atrocidades dirigidas às mulheres; seja na forma de opressão, ditados por práticas comunais, como a mutilação de mulheres na África, onde ainda se pratica isso como um costume normal. Segundo a pesquisadora Saadawi, estas práticas não podem ser relacionadas com o Islã, muito menos com os valores que estes atribuem à virgindade. Esta autora, que é medica psiquiatra no Egito, explica que esta mutilação não tem função alguma biologicamente, servindo apenas para a retirada de um pedaço do corpo da menina ou da mulher. O clitóris cresce muito ai eles estirpam. Mas isso nada tem relação com o Islamismo. E sim com uma cultura deles; local.

Em 2006, enquanto professora da Universidade Unilagos Mangueirinha, estava orientando uma acadêmica sobre a violência doméstica contra a mulher e uma das bibliografias era da Saffioti. Um dos casos levantados no livro foi de que essa prática foi realizada no Brasil. E que o médico e a menina eram islâmicos. Só queria esclarecer, que se isso acontecer, podem chamar autoridades competentes. Isso não está associado com práticas islâmicas. O islamismo nunca se referiu contra o prazer sexual. Tanto é que não existe no Islã espaço para o celibato aos modos da religião católica. Os chefes religiosos, ao contrário do catolicismo, casam-se. E as mulheres, na maioria das vezes casam-se cedo. Nisto Explica Tariq Ali: “Por outro lado o Islã e quase reichiano em sua preocupação com o sexo. A vida é banhada em sexualidade. O sexo é sacro. Uma vida sexual saudável para homens e mulheres é essencial para realizar a harmonia comunal.”

Elza Maria Campos: Estamos no mês do "11 de setembro", disseminado na imprensa com uma série de imagens falsas e de preconceitos sobre o Oriente Médio. Como você se sente e como seu povo também percebe esta situação?

Yusra: Ninguém pergunta o que é o islã? O "11 de setembro" não só matou 3 mil pessoas nos EUA, como feriu 1 bilhão e meio de muçulmanos no mundo. Feriu também o profeta Muhammad e a real mensagem do Islamismo. Aquilo não é jihad [guerra santa]. E aqueles que cometeram atos contra a vida humana, com certeza não podem ser denominados muçulmanos. Não vejo apoio a este ato de nenhum muçulmano ou muçulmana. Foi um ato repudiado pela comunidade Islâmica no Brasil e no mundo. Como diz Busato: “A imagem do povo radical e extremista associada aos islâmicos é o retrato mais difundido em formas de noticias, que na maioria das causas privilegiam abordagens sobre conflitos internos e tragédias. Na imprensa ocidental é difícil encontrar informações humanizadas sobre o islã. Poucas notícias tendem a retratar algo mais que um lugar arruinado e anárquico. Raramente esta imagem é contrabalanceada por percepções da vida quotidiana, que poderiam apresentar o Islã a partir de outros aspectos”.

Elza Maria Campos: Você acaba de se filiar à UBM, que a recebe com muita alegria. Como a UBM poderá desenvolver ações de apoio à sua luta? E como você também pode contribuir com a UBM para ampliar a ação de solidariedade que a entidade desenvolve já há muitos anos?

Yusra: Adorei o convite. Sinto-me lisonjeada. E podemos somar forças no que diz respeito ao direito das mulheres. Seja de qualquer nacionalidade, cor, credo. Ser mulher é universal. Trazendo, no referido trabalho, várias reflexões sobre a mulher e a cultura muçulmana, espero contribuir para que a sociedade brasileira venha a conhecer um pouco mais sobre o Islamismo, como também, desmistificar e desconstruir a imagem da cultura, que muitas vezes, configura-se, na sociedade ocidental, somente como algo ameaçador. O Brasil é o país que mais respeita suas diferenças. Um país de misturas e cores. De uma maioria cristã e uma minoria muçulmana. E que vivemos amistosamente muito bem. Você não vê desrespeito com a cultura muçulmana como em outros países.

Elza Maria Campos: Qual o papel dedicado às mulheres muçulmanas em seus países?

Yusra: É delicado falar de cada país. Cada qual abraça o Islamismo diferente. O interessante seria ver ao vivo. Não ficar apenas sob a égide dos livros. Existem países em que elas vivem normalmente como as mulheres do ocidente. Respeitadas e valorizadas. Não e só isso que a mídia vende não.

Elza: Você escolheu a profissão de Serviço Social, destaque qual a relação desta profissão com a luta pela libertação da mulher?

Yusra: O serviço social sempre está engajado em alguma luta. Mas ele muda conforme a realidade de cada geração. Hoje podemos estar à frente na luta não só dos trabalhadores, como foi nas décadas passadas. Como estamos numa era de comunicação e mais aberta, começaram a aparecer outros direitos. O direito pela demanda à diferença como diz Samira Khauchakje.

O serviço social tem em seus princípios fundamentais exercer a profissão sem discriminar e não ser discriminado por cor, raça, opção sexual, religião. As demandas pelas diferenças e pelo direito das minorias vêm aumentando. São os novos desafios da profissão. Talvez não na superação, mas na amenização dos conflitos existentes.

Elza Maria Campos: Destaque alguns aspectos que considera relevante para a emancipação da mulher.

Yusra: A emancipação feminina só poderá ser exercida plenamente se conquistada através da libertação das mulheres de toda forma de exploração, seja econômica, cultural ou entre os sexos. Claro que a libertação econômica – no caso das ocidentais – foi um marco importante nesta emancipação, mas ainda não é o suficiente para tornar a mulher realmente livre. Não é necessário um processo de globalização cultural, pois o mundo hoje cobra respeito às religiões e tradições diferenciadas da mesma forma que exige maior respeito à vida; e a convivência harmoniosa entre estas diferenças culturais será conquistada quando houver o respeito à vida e aos direitos em toda e qualquer sociedade de qualquer parte do mundo.

Apesar das contradições entre ambas as culturas, de seus valores distintos, percebe-se que tanto a mulher oriental quanto a ocidental ainda caminham em busca de um reconhecimento mais amplo de sua cidadania. Não só por ser do sexo feminino e nem pelas distinções entre ambos os sexos, mas em busca de um reconhecimento nos atributos de suas particularidades como gênero feminino. Não se trata, portanto, de questionar as revoluções e nem os movimentos feministas, e muito menos o islamismo, mas de avaliar e buscar novos caminhos em conformidade com os direitos humanos.

Equiparando estas duas mulheres, nota-se que, ainda, continuam na batalha pelo reconhecimento de gênero. A mulher ocidental livrou-se da opressão, da exclusão da igreja e do Estado e duma família patriarcal, conquistou direitos, mas ainda persegue sonhos de igualdade, pois enfrenta muitas vezes uma carga de trabalho superior ao do homem e tem um salário desigual. Hoje, as preocupações do movimento feminista viraram-se para a defesa de oportunidades sociais e econômicas iguais para as mulheres, incluindo igualdade no emprego.

Elza Maria Campos: Qual sua idade, seus sonhos?

Yusra: Tenho 37 anos. Sonhos… Muitos sonhos.Tenho vontade de tornar “Um Olhar para Elas" (tema de monografia) em um livro.

Elza Maria Campos: Como vê a questão de gênero na atualidade e o papel da mulher muçulmana?

Yusra: É muito importante termos uma mulher na Presidência da República e uma Ministra da Casa Civil. O Brasil demonstra para o mundo ser um país raro (em pouco tempo de democracia). Pois são apenas 18 representantes de Estado do sexo feminino. Um número pequeno, se contarmos 192 países. Mas o nosso país esta à frente neste aspecto.

Enquanto pesquisadora – e mulher – é um absurdo que em pleno século 21, 70 % das mulheres do mundo ainda sofram violência (dados da ONU- Brasil), sejam elas ocidentais ou orientais. No Brasil, a cada dois minutos cinco mulheres estão sofrendo violência. Temos um milhão e meio de meninas e jovens grávidas. Precisamos mudar, pensarmos em nós como mulheres. Não em igualdade com homens. Pois como diz o Islamismo, somos iguais em espécie: humana. Mas diferentes no aspecto biopsíquico e social.

É certo que o status da mulher muçulmana e as atitudes para com ela mudaram muito após a morte de Mohamad (Maomé). Saadawi diz: “na própria essência do Islã e em seus ensinamentos, como praticados na vida do profeta, as mulheres ocupavam uma posição relativamente alta”.

Hoje não consigo encontrar uma bibliografia que seja para comparar a mulher do século 21 às mulheres do Islamismo genuíno (século VII). O Islã, infelizmente, não conseguiu alquebrar totalmente alguns costumes pré- islâmicos depois da morte do profeta e do governante da UMMA (comunidade islâmica). Não há relatos históricos, e nem no alcorão, de atitudes ilícitas do profeta para com as mulheres.

Em nenhum momento da história do islã, enquanto Mohamad viveu e propagou a sua religião, houve algum fato de discriminação ou violência para com qualquer mulher. Muito pelo contrário, as mulheres do profeta, ou mesmo as mulheres que conviveram em sua trajetória, foram grandes e elevadas. Dentre elas: Khadija (esposa), Fátima (sua filha), Aisha (esposa), entre outras, que também se converteram. Nisto também coloca o profeta, que sua religião não seria nada, se não fosse por sua esposa Khadija. Para o profeta Muhammad, “a mulher foi feita da costela, não dos pés para ser pisada, nem da cabeça para ser superior, mas sim do lado para ser igual, debaixo do braço para ser protegida e do lado do coração para ser amada.”

Hoje ainda percebe-se a inversão de valores propagados em nome de um outro Islã. Infelizmente o Islã passou a ser interpretado de várias formas e usado de várias maneiras que o diferem da sua forma genuína, e nisto, a imagem do islã e da mulher, é vendida na mídia (ocidental), como algo nefasto.

Fonte: UBM