A primavera dos países subdesenvolvidos e o inverno da ONU
Enquanto o mundo rico se desdobra para criar mecanismos que lhe permitam sair da crise financeira mundial, países em desenvolvimento, cada vez mais importantes no cenário global, cobram reformas nos organismos multilaterais e se insurgem frente à falta de representatividade nas instâncias de governança mundial.
Por Vanessa Silva*
Publicado 22/09/2011 08:33
Respaldados pelo cenário econômico favorável em que vivem seus países, durante a abertura da 66ª Conferência da Assembleia Geral da ONU, os presidentes latino-americanos estiveram entre os mais convictos defensores de uma nova correlação de forças que lhes garanta espaço nas decisões da entidade.
Primeira presidente a abrir uma Assembleia da ONU, Dilma Rousseff deu início ao debate ao ressaltar que “o mundo precisa de um Conselho de Segurança que venha a refletir a realidade contemporânea; um Conselho que incorpore novos membros permanentes e não-permanentes, em especial representantes dos países em desenvolvimento”. Segundo a mandatária, “a legitimidade do próprio Conselho depende, cada dia mais, de sua reforma”.
A discussão a respeito do possível reconhecimento da Palestina como Estado membro da ONU, no entanto, deixou evidente o conflito de interesses existente entre as nações. Discurso após discurso, presidentes reiteraram o apoio ao reconhecimento do Estado Palestino.
A resposta dos Estados Unidos, que foi o segundo país a manifestar-se, logo após o discurso do Brasil, veio em forma curta e pró-Israel. O presidente Barack Obama reiterou a não disposição do país de intervir a favor da Palestina e seu compromisso “inabalável” com Israel. “Estou convencido de que não existe um atalho para o fim de um conflito que dura há décadas. (…) A paz não nascerá de declarações ou de resoluções da ONU. Se fosse assim tão fácil, isso já teria sido feito. (…) Afinal de contas, são os israelenses e palestinos – não nós – que devem chegar a um acordo a respeito das questões que os dividem: fronteiras e segurança, refugiados, e Jerusalém.”
A fala de Obama não constitui exatamente uma novidade – ele já havia declarado que, caso o Conselho decida pelo reconhecimento da Palestina como Estado, seu país vetará a resolução –, apenas reforça o posicionamento dos Estados Unidos frente às decisões da ONU: pouco importa o que os demais países decidem.
A mesma postura é mantida frente ao bloqueio comercial que o país mantém contra Cuba desde 1962. Desde 1992 são votadas, sem sucesso, resoluções na ONU para colocar um fim à guerra econômica travada contra a ilha. Em 2010, 187 países respaldaram Cuba, e apenas Estados Unidos e Israel se opuseram ao texto. Mas o bloqueio foi mantido.
Entre os membros permanentes e com direito a veto no Conselho de Segurança estão Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China. Os demais 10 membros que integram o conselho são eleitos pela Assembleia Geral para mandatos de 2 anos.
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, ressaltou que não compartilha “da necessidade de ampliar os membros permanentes [do Conselho de Segurança]”, ao contrário, considera “que é preciso eliminar não só os membros permanentes, mas também o direito de veto, que impede que realmente este Conselho cumpra sua verdadeira função”.
Ainda mais crítico, o presidente da Bolívia, Evo Morales, defendeu que é chegada a “hora de discutir a reformulação dessa organização” e deixou no ar a dúvida quanto à real função das Nações Unidas: “A ONU está subordinada ao Conselho de Segurança. Para que servem estas Nações Unidas se aqui tem um grupo de países que decide intervenções e matanças? Aqui se fala de uma paz duradoura, mas como é possível existir uma paz duradoura com bases militares norte-americanas, com intervenções?”.
O questionamento segue sem resposta. Em seu discurso, a presidente brasileira lembrou que “o debate em torno da reforma do Conselho já entra em seu 18º ano” e ressaltou não ser “possível protelar mais”.
*Jornalista, colaboradora do Vermelho