Sem categoria

Os bares de São Paulo: as gafieiras de "antigamente"

Por Mouzar Benedito*

Gafieira, de Camilo Tavares

Som de Cristal, Lila’s, Atlântico, Garitão, Paulistano da Glória… Eram muitas as tradicionais e deliciosas gafieiras da região central de São Paulo, incluindo Barra Funda e Brás. Incluo no “roteiro” de bares do passado porque íamos lá para beber, mais para beber do que para dançar, aproveitando o ambiente gostoso.

Som de Cristal, um estabelecimento da rua Rego Freiras, foi durante muito tempo sinônimo de gafieira para apreciadores da dança pela dança, sem amassos, que isso lá era proibido, como em algumas outras. Depois, estudantes menos puristas da dança tomaram de assalto o Garitão, na Barra Funda, e depois ainda o Paulistano da Glória, que, como o próprio nome indica, ficava na rua da Glória.

No Som de Cristal, uma noite, apareceu um cara para cantar sozinho, com um aparelho que substituía um conjunto inteiro, o sintetizador, e o Estêvão Maya-Maya, maestro que estava lá pra beber, ficou irritado com aquilo que tomava lugar dos músicos, saiu bravo: “Não fico em lugar em que tocam filho-da-putafone”.

O Atlântico, na avenida Ipiranga, perto da Rio Branco, era outra boa gafieira. O Paulistano da Glória era ponto da esquerda todas as sextas-feiras. A gente olhava e já ironizava: “Aquela mesa ali é do Partidão, aquela outra é do PCdoB, a seguinte é do MR-8…”. A Flor da Mocidade Paulista, na Ipiranga, mas bem lá no fim, também era um lugar que atraía muita gente, mas eu não gostava porque era muito frequentada por policiais do DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais, da Polícia Civil), que fica ali pertinho. Não tinha problema nenhum com a polícia (a não ser a política), mas não gostava de frequentar o mesmo ambiente.

Uma característica da maioria dessas gafieiras era essa: ia-se lá para dançar, com o maior respeito. Qualquer tentativa de comportamento “inadequado” era punido, com o infrator sendo colocado pra fora, por bem ou na marra. Mas havia exceções. O Lila’s, na praça da Sé, era mais condescendente.

O Ricardinho, um amigo cearense, colega de faculdade, doido por dança, era especialista em descobrir gafieiras novas, desconhecidas do público não específico. E eu aprendi com ele. Íamos para um determinado ponto depois das onze horas da noite e ficávamos observando. Passou uma empregada doméstica bem arrumadinha pra um lado… Passou outra… Na terceira íamos atrás. Foi assim que descobrimos o Badaró, belíssima gafieira num quarto andar (inteiro) da rua 24 de Maio. Ficamos em frente ao Mappin, ou seja, em frente ao Teatro Municipal, e usamos o método, não deu outra. Esta era uma gafieira só mesmo pra dançar e tomar aperitivos e cerveja. Nada de licenciosidades.

No Badaró, eu às vezes ficava só ouvindo a música, sem conversar, porque achava que os músicos de lá eram ótimos. E eram mesmo: recentemente, fiquei muito surpreso lendo a biografia do Casé, um dos maiores saxofonistas da história do Brasil. Por este livro escrito pelo jornalista e também saxofonista Fernando Barros, fiquei sabendo que de vez em quando o Casé tocava lá.

Uma outra gafieira que frequentávamos muito era o Imperador, no Brás. Esta foi o Chico Beltramini quem descobriu, quando foi levar em casa uma namorada que morava lá perto. Era um local “misto”, frequentado também por prostitutas da região. Só que lá dentro o comportamento tinha que ser moderado. Às prostitutas e não prostitutas juntamo-nos nós, um bando de estudantes. Muitas amigas iam com a gente lá. Passei uns anos afastado e, em 1974, voltei lá. Já não era bem a mesma coisa.

A música continuava a dos velhos tempos, com um show ao vivo de Roberto Luna. Terminado o show, uma coisa inédita nos outros tempos: rufar dos tambores e o anúncio de que fulana de tal, “a Pantera”, faria um striptease. Música apropriada, entra a tal Pantera rebolando sensualmente dentro de uma bata que ia do pescoço aos pés. Uma morena bonita de rosto, que era o que dava pra ver, com um belo corpo, dava para supor pelos movimentos que fazia.

Uns dois minutos dançando, rebolando, e ela não tirava a tal bata. “Vai demorar um tempão esse striptease”, pensei. Mas de repente, ela puxou a bata e jogou pro alto. O striptease só demorou isso: não havia mais nem uma peça de roupa embaixo. Peladinha de tudo, ela tentou rebolar mais um pouco, mas um bando de homens correu em direção ao palco e ela entrou correndo numa porta, que teve que ficar protegida por fortíssimos leões de chácara.

* Mouzar Benedito é jornalista e escritor, nasceu em Nova Resende (MG), sendo o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, entre Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010), publicados pela Editora Boitempo.