Dinho, símbolo da resistência de Corumbiara, vira livro

Assassinado em maio deste ano, o líder camponês e sobrevivente do Massacre de Corumbiara Adelino Ramos tem sua história contada no livro “Dinho, o herói da Amazônia”. A obra vem das mãos de José Barbosa de Carvalho, engenheiro agrônomo com forte ligação junto aos movimentos rurais.

Por Anderson Bahia, no blog Vamos pintar o mundo de povo

Líder do Movimento Camponês Corumbiara, Dinho foi assassinado este ano / Foto: Pastoral da Terra
 

Este singelo blogueiro conversou com o autor sobre a vida do homenageado, o Movimento Camponês Corumbiara (MCC) e as dificuldades para publicar a obra, já que na região até quem escreve sobre a questão agrária sofre represália. Barbosa que o diga. No lançamento do seu último livro, teve a própria casa queimada. Mas assim como Dinho, insiste no desafio. Confira a entrevista:

Vamos pintar o mundo de povo: O que motivou você a escrever sobre o Adelino Ramos?

José Barbosa de Carvalho: O motivo principal, em primeiro lugar, é dar alguma forma de colaboração para que o assassinato do Adelino Ramos, o Dinho, um dos maiores líderes camponeses da Amazônia, não caia no esquecimento. E, em segundo lugar, para manter o assunto em evidência e contribuir para que o assassino e quem está por trás dele não fiquem impunes.

Vamos pintar o mundo de povo: O homenageado fez parte do Movimento Camponês Corumbiaras (MCC), do qual você chegou acompanhar alguns encontros. Fale um pouco sobre o MCC.
Barbosa: O Dinho foi um dos fundadores do Movimento Camponês dos Corumbiaras, o famoso MCC, fundado poucos meses depois do massacre ocorrido na cidade que leva esse nome, em Rondônia. Na ocasião, em 1995, a polícia invadiu um assentamento montado na fazenda Santa Elina, e mataram 16 pessoas e deixaram mais de 50 gravemente feridas.

Desde o ano seguinte, passaram a organizar os encontros do MCC que reúne trabalhadores rurais de Rondônia e do sul do Amazonas e no qual se discute a precariedade dos projetos de assentamento do Incra, principalmente a falta de infraestrutura, as questões ambientais da Amazônia e a violência no campo e as áreas destinadas a Reforma Agrária, cujas terras são utilizadas por não clientes dela.

Eu tive pessoalmente no quarto, sétimo e oitavo encontros, realizados respectivamente em 2002, 2005 e 2006. Participei também da Jornada Camponesa “Escuta Brasil”, que culminou com o bloqueio das BR’s 364 e 425, e está entre as ações mais consequentes do movimento na reivindicação de suas pautas, já que essas são vias de escoamento de produção agrícola e do Polo Industrial de Manaus (PIM).

Vamos pintar o mundo de povo: O que ele (Dinho) representava para o MCC?
Barbosa: Podemos afirmar que o Dinho era a maior liderança desse movimento. Até mesmo pela sua experiência. Foi uma pessoa que sempre esteve ligado às causas dos trabalhadores do campo. Começou lá no Paraná, de onde era originário, e desde criança participou da luta pela terra e pela reforma agrária naquele estado. Depois veio para Rondônia, militou no movimento sindical dos trabalhadores rurais e, em 1995, participou dos acontecimentos que redundaram no massacre de Corumbiara. A figura dele era de suma importância para o movimento, era um líder respeitado. Mas, além dele, há vários outros, inclusive mulheres envolvidas na luta camponesa.

Vamos pintar o mundo de povo: Você tem falado das dificuldades enfrentadas pelos agricultores nesses conflitos agrários na Amazônia. E, quanto à publicação de livros que trazem essa polêmica, quais os desafios que se impõem?
Barbosa: As dificuldades são enormes. As editoras ficam apreensivas com a publicação dessas obras, mas estamos acostumados a enfrentar desafios e acreditamos que esse é mais um que será vencido. Mas a postura das editoras tem lá sua razão. Durante o lançamento do meu livro ano passado, minha família teve um prejuízo de mais de R$ 200.00,00. Enquanto estávamos na atividade, minha casa foi incendiada e até hoje não se chegou a conclusão sobre os autores daquele atentado.

Vamos pintar o mundo de povo: Como você tem planejado o lançamento do livro?
Barbosa: Os desafios são imensos para a publicação da obra. Estamos procurando editoras de São Paulo, de Brasília, para lançar esta obra. Queremos lançar não só em Manaus, mas também em Porto Velho, Belém, Rio Branco. Nas principais cidades da Amazônia. Pretendo lançá-lo na passagem dos 6 meses do assassinato do Dinho e o nosso objetivo principal é divulgar essa questão da luta camponesa na região e exigir que os mandantes e assassinos de Dinho sejam devidamente punidos. A nossa esperança é que essa publicação contribua para o fortalecimento do MCC.

Vamos pintar o mundo de povo:
Você era amigo pessoal do Adelino Ramos. Como o descreve?
Barbosa: O Dinho era uma pessoa corajosa, determinada, uma pessoa que tinha luz na sua caminhada e que era respeitado por todos, até mesmo pelas autoridades. Na jornada “Escuta Brasil”, cheguei a ver o Ouvidor Agrário Nacional, Dr. Gercino José da Silva Filho, falar para uma plateia de mais de 200 pessoas da satisfação que tinha em ser amigo dele. O Dinho era uma personalidade decidida e que enfrentava o latifúndio sem medo. Jamais acreditava que um dia seria assassinado. Sabia do perigo de denunciar madeireiros, fazendeiros e até partícipes da máquina estatal, mas jamais pensava que isso ocorreria de fato.

Vamos pintar o mundo de povo:
Apesar desse pensamento, o Dinho recebeu várias ameaças de mortes, não?!
Barbosa: Ele era ameaçado constantemente e respondia a bastante processos na Justiça de Rondônia. Era pressionado de todos os lados. No lançamento do meu primeiro livro, “Desmatamentos, grilagens e conflitos agrários”, em julho do ano passado, na livraria Valler, denunciou que estava sofrendo ameaças que davam conta de que ele teria somente 30 dias de vida. Três dias antes, participamos de uma audiência do Incra em que se discutiu a violência no campo e lá anunciou isso. Esteve na TV Cultura também, onde repetiu a denúncia. Ameaças de morte contra a pessoa do Dinho eram constantes. Nas oportunidades em que ele ficou alojado na minha casa, comentava sobre isso, mas era uma pessoa corajosa.

Vamos pintar o mundo de povo: E quem o matou?
Barbosa: O assassino do Dinho é membro da família Machado, que devido a essa questão de terra já executou membros da própria família. São pessoas ligadas aos madeireiros e aos latifundiários. São conhecidos no município de Lábrea e também na vizinha Vista Alegre do Abunã (RO) e, principalmente, no ramal do Ipê, onde tem o Parque Nacional Mapinguari. São madeireiros que violaram o Projeto de Assentamento Florestal Curuquetê, também invadido por grileiros.

Vamos pintar o mundo de povo:
Você tem conhecimento de como o assassino e os mandantes estão hoje?
Barbosa: Sabemos que apenas o assassino foi preso e está se discutindo a possibilidade de que o processo seja federalizado. A informação que nós temos é que os mandantes ainda não foram encontrados. Aquela área do sul do Amazonas e um pedacinho de Rondônia, bem próximo ao Acre e também a Bolívia, é uma área de intensos conflitos por terra e por madeira.

Vamos pintar o mundo de povo: Depois do assassinato, como está a região?

Barbosa: A notícia que tenho é de que o clima na região é de medo. No assentamento do PDS Gedeão, que fica próximo, lá então o clima é de muito medo. Principalmente por causa da ameaça feita por grandes proprietários de terra contra os agricultores. Não estive lá, mas as pessoas que têm ido trazem a notícia que o clima é de muita tensão.

Vamos pintar o mundo de povo: Com a repercussão da morte dele, divulgada em rede nacional de rádio, TV e internet, o que pode se esperar como resposta do Estado?
Barbosa: Após o assassinato do Dinho e o casal do Pará, o Estado tem agido com rapidez. Temos que destacar o papel da comissão do senado que apura a violência do campo na Amazônia, do qual faz parte a senadora Vanessa Grazziotin. Essa comissão já esteve em Vista Alegre do Abunã, onde ele foi assassinado, e tem feito o acompanhado. Recentemente, ouvimos falar no envio de homens da força nacional para conter a violência realizada em Santo Antonio do Matupi, que é uma região próxima do conflito.

Vamos pintar o mundo de povo: E quanto ao movimento, quais os caminhos a serem percorridos para essa luta continuar?
Barbosa: Nós falamos no livro sobre o futuro do Movimento Camponês Corumbiara. Apesar de ter sofrido uma baixa significativa com a morte de seu grande líder, o movimento continua firme e coeso para lutar pela reforma agrária. Porque essa questão é o imperativo para que haja desenvolvimento nacional.

O Brasil precisa sair de um sistema fundiário atrasado, que remonta os tempos das sesmarias para dar um salto mais avançado com a questão do acesso à terra. Permitir que milhões de trabalhadores rurais que permanecem sem terra possam participar da produção e também da fixação no campo, aumentando a produção agrícola e o consumo. Com a morte do Dinho, o movimento sofre uma derrota, mas não a guerra. A luta continua até que a reforma agrária seja definitivamente implantada e com sucesso no Brasil.