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OEA: Brasil tem pouco tempo para punir envolvidos no Araguaia

O Brasil está na contagem regressiva para cumprir a sentença que recebeu da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), para investigar e apontar responsáveis pelos crimes de tortura, morte e desaparecimento de civis, praticados por servidores públicos a mando do próprio Estado, durante a ditadura militar. Entidades lançam petição, na segunda (24) para que decisão da OEA seja cumprida.

Em 24 de novembro de 2010, o país obteve a seguinte sentença: um ano para investigar e punir responsáveis pelo desaparecimento de 62 pessoas na Guerra do Araguaia, entre 1972 e 1974, e pela falta de esclarecimento sobre as pessoas envolvidas na violação dos direitos civis. A Corte também determinou a abertura dos arquivos para a sociedade.

Para Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, o governo vem cumprido parte da sentença, mas ainda precisa desobstruir o judiciário, a partir de uma nova leitura da Lei da Anistia (nº 6683/79), por parte do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para dar resposta aos apelos populares, o presidente militar João Figueiredo criou, em 1979, a Leia da Anistia. Inicialmente, ela tinha um caráter mais restrito, beneficiando  apenas os que violaram os atos institucionais, a partir de 1964, deixando fora civis que recorreram à luta armada. Com o tempo, foi ganhando outra leitura e sendo ampliada até atingir a todos, inclusive torturadores e responsáveis pela morte de presos políticos.

Vladimir Herzog

O caso Vladimir Herzog é um exemplo utilizado para exigir o cumprimento da sentença internacional. O jornalista foi encontrado morto em uma cela do DOI-Codi, em 25 de outubro de 1975. O Ministério Público Estadual de São Paulo entrou com inquérito para apurar os motivos de sua morte. Mas, o processo foi trancado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) justamente com base na Lei de Anistia.

Em 2008, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolou no STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153), com objetivo de revisar e reparar erros cometidos pelo poder público, nesse caso, contestando a validade do texto da Lei da Anistia.

Em abril de 2009, o STF julgou válida a Lei de Anistia, entendendo ser impossível processar criminalmente os agentes do Estado que praticaram crimes contra opositores do governo durante o regime militar. Dos oito ministros do Supremo, somente dois  (Ayres Britto e Ricardo Lewandowski) concordaram que o dispositivo legal não poderia servir para perdoar os crimes do período, por considerá-los hediondos.

“…em prol da garantia da supremacia dos Direitos Humanos, especialmente quando degradados por crimes de lesa-humanidade, faz-se mister reconhecer a importância dessa sentença internacional e incorporá-la de imediato ao ordenamento nacional, de modo a que se possa investigar, processar e punir aqueles crimes até então protegidos por uma interpretação da Lei de Anistia que, afinal, é geradora de impunidade, descrença na proteção do Estado e de uma ferida social eternamente aberta, que precisa ser curada com a aplicação serena mas incisiva do Direito e da Justiça”, declarou o Juiz ad HOC Roberto de Figueiredo Caldas, durante a sentença que condenou o Brasil em novembro de 2010, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, referindo-se à decisão do judiciário brasileiro.

A ADPF 153, ainda está sendo apreciada pelo judiciário e pelo legislativo.

Campanha Cumpra-se

Na segunda-feira (24), quando faltará um mês para o cumprimento da sentença da OEA, as organizações Grupo Tortura Nunca Mais-SP, Associação Juízes para a Democracia, a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e o Coletivo Manifestação.org, lançam em São Paulo uma petição on-line, com textos de familiáres e ex-presos políticos, para pressionar às autoridades a cumprirem a decisão da OEA, contra a anistia ampla e irrestrita.

A campanha está sendo organizada na rede social Facebook . No aniversário de um ano, isto é, em 24 de novembro de 2011, deve acontecer manifestações em vários pontos do país.

Consequências

Caso a Corte Interamericana de Direitos Humanos entender que o paísl não cumpriu as medidas sentenciadas há cerca de um ano, será aberto um novo processo e, além de sofrer desprestígio internacional, o país poderá ser excluído da OEA.

Confira trechos da entrevista concedida por Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo, ao Brasilianas:

Brasilianas: Que ações efetivas o governo tem tomado desde a decisão da Corte Interamericana, em 24 de Novembro de 2010?
Marcelo Zelic: O que o governo fez até hoje, para cumprir a sentença da OEA, foi a publicação do texto reconhecendo a responsabilidade do Estado Brasileiro pelos crimes ocorridos na Ditadura Militar, ainda assim, muito criticado pelos familiares de vítimas e ex-presos políticos [no Diário Oficial da União, edição 141, de 15 de junho de 2011]. O Congresso Nacional também aprovou a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas [uma das exigências da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao condenar o Brasil, ano passado], mas a presidenta Dilma ainda não a sancionou, ou seja, está nas mãos dela incorporar isso ao sistema jurídico interno. O governo também tem feito buscas dos restos mortais dos desaparecidos na Guerra do Araguaia [que ocorreu no norte do Tocantins entre 1972 e 1974], apesar de não ter publicado ainda nenhum resultado. Por outro lado, o foco central da sentença feita pela Corte ainda não foi resolvido, que a desobstrução da justiça através da Lei da Anistia [nº 6683/79].

Brasilianas: O que vocês consideram como avanços de direitos humanos conseguidos até hoje, em relação aos crimes ocorridos em nome da ditadura militar brasileira?
MZ: Tivemos avanços na justiça, mas na ação civil. O Ministério Público tem capitaneado um amplo trabalho onde tem levantado, por exemplo, a reparação para os familiares e atingidos, que devem ser ressarcidos por responsáveis envolvidos no desaparecimento forçado, tortura e morte de pessoas. Mas, no âmbito do criminal, da apuração dos fatos e responsabilização de quem os praticou, nós estamos parados. Tanto que foi preciso que a OAB entrasse com uma proposta de nova interpretação da Lei da Anistia no STF, através da ADPF 153. Depois da decisão do STF [que julgou improcedente a ADPF], a OAB entrou com embargo na OEA, que resultou na condenação do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos e fez com que o STF voltasse a analisar a matéria da ADPF 153. Infelizmente, até o momento ninguém do STF se manifestou sobre o assunto. O jeito como a Lei de Anistia está sendo interpretada colide com a jurisprudência da Corte, sendo um impedimento legal para se fazer justiça no país.

Brasilianas: Então, quando uma família, ou ex-preso político entra com uma ação civil, chega um momento em que ele é barrado pela Lei da Anistia?
MZ: Sim, a exemplo do caso Vladimir Herzog que está hoje sendo analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, porque foi trancado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, com base na Lei de Anistia, com confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 1993.
É preciso destacar que há toda uma mobilização de familiares e ex-presos políticos, e de entidades de direitos humanos, no sentido de promover outras ações, só que agora criminais.

Assim, quando a justiça tranca a ação e alega como justificativa o entendimento do STF, essas pessoas vão direito para a Corte Interamericana. Esses juízes, no momento que arquivam esse tipo de processo, estão violando o Pacto de São José, da Costa rica, ou seja, a Convenção Americana de Direitos Humanos, criada em 1969, e ratificada pelo Brasil em 1992. E nós, por outro lado, estamos estudando os mecanismos, que podem existir no Conselho Nacional de Justiça, para também promover, pelo menos, uma punição administrativa, uma vez que esses juízes, simplesmente, violam um tratado internacional.

Assim, nosso desafio não é só pegar os casos barrados no Brasil e levá-los até a corte internacional, precisamos também responsabilizar as pessoas do judiciário que hoje violam a constituição e os tratados internacionais.

Brasilianas: E a Comissão Nacional da Verdade, criada para atender o pedido da Corte de investigar os crimes ocorridos durante a Ditadura Militara?
MZ: Ela tem um problema de origem que é a questão de ter surgido como uma estratégia para mostrar a Corte que país que estaria cumprindo a sentença. Mas essa estratégia vai por água abaixo porque não cumpre a sentença. Agora fora isso é um avanço no país se ela se estabelecer, agora, é preciso fazer isso de forma a ouvir a sociedade civil.
Se [no Senado, onde aguarda aprovação] desenvolverem aquele mecanismo que as Universidades vão poder fazer as pesquisas, mas não apenas desenvolver, e sim pegar verbas de fundações de apoio a pesquisa, por exemplo, para que professores e alunos contribuam com a comissão da verdade, tudo bem. É um caminho. Mas o caminho dos direitos humanos no Brasil passa pelo cumprimento da sentença, e não pela Comissão Nacional da Verdade.

Fonte: Brasilianas