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Michael R. Krätke: Sob o guarda-chuva do BRICS

O chamado grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) esteve reunido. Todo o mundo confia agora no seu crescimento e nas suas reservas monetárias. A República Popular da China dispõe de mais de US$ 3,2 trilhões de dólares em reservas de divisas; o Brasil mais de US$ 543 bilhões; a Índia mais de US$ 320 bilhões; a Rússia mais de 543 bilhões. Todos eles são potenciais investidores e neste momento possuem uma quarta ou uma quinta parte das suas reservas em títulos europeus.

As cenas recordam o fatal verão de 2008 e, no entanto, tudo é muito diferente: o drama tem lugar na Europa e neste momento os Lehman estão a ser resgatados. O pequeno banco grego Protonbank passa a estar sob o controle do Banco Central grego, o franco-belga Dexia continua em atividade graças às ajudas estatais francesas e é, de fato, nacionalizado.

Ninguém quer correr o risco de um crash bancário, e há boas razões para isso. Só o Dexia é tão grande como todos os grandes bancos gregos juntos, os grandes credores da dívida grega tomados de ansiedade. Começa uma nova vaga de resgates dos bancos europeus, mas não é com isso que a crise europeia se atenua. Falta o ar aos hiperativos, hiper-nervosos e alguma coisa pouco racionais mercados e aos políticos profissionais no seu amadorístico espectáculo.

A última reunião do Fundo Monetário Internacional foi muito reveladora: a nova diretora do Fundo, Christine Lagarde, pediu ao Banco Central Europeu que rompesse com o seu maior tabu e comprasse mais títulos de dívida da euro-zona, num valor, ainda por cima, de 100 a 200 bilhões de euros. Não tardou a chegar a resposta da Alemanha: Aonde iríamos parar se o BCE se pusesse a interpretar o papel de lender of last resort (prestamista de último recurso) e com isso se sugerisse ao mundo inteiro que por detrás do nosso dinheiro não está o crédito estatal mas a máquina de imprimir notas? Se isto se tornasse público poderia ser perigoso.

E tanto ou mais interessante do que a declaração de Christine Lagarde foi um encontro realizado longe da vista do FMI. Aí estiveram reunidos o chamado grupo de estados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em cujo crescimento e em cujas reservas monetárias todo o mundo confia agora. A República Popular da China dispõe de mais de US$ 3,2 bilhões em reservas de divisas; o Brasil mais de US$ 543 bilhões; a Índia mais de US$ 320 bilhões; a Rússia mais de US$ 543 bilhões. Todos eles são potenciais investidores e neste momento possuem uma quarta ou uma quinta parte das suas reservas em títulos europeus. Só a Rússia mantém com esses empréstimos 45% dos seus ativos.

De boa vontade

Se esse grupo de estados pusesse todo o seu peso no prato adequado a fazer pender a balança a favor do euro nos mercados financeiros, a euro-zona ficaria estabilizada. Reforçar a moeda europeia enquanto rival do dólar surge como uma tentadora opção para os estados BRICS. Mas este cenário vem acompanhado da precaução em não prejudicar os interesses comerciais próprios no espaço europeu. Desde janeiro que os chineses compram com regularidade títulos do plano europeu de resgate assim como títulos de dívida da Grécia, Espanha, Itália e Irlanda. Fizeram-no, no entanto, de forma limitada, de modo a tranquilizar os intervenientes dos mercados financeiros. Os negociadores italianos e gregos têm-se preocupado também em piscar o olho à exportação maciça de capital dirigida aos seus estados.

Em Pequim promovem-se os investimentos e a participação directa na florescente indústria europeia e em iniciativas comerciais na Europa. Mas, entretanto, porque haveriam os chineses de adquirir fundos do estado ou os precários títulos do tesouro dos países europeus mais endividados? Se a Europa emitisse eurobonds decerto seriam adquiridos de boa vontade no extremo oriente. Na sua recente viagem à Europa o primeiro-ministro Wen Jiabao sublinhou repetidamente que a China queria ter um maior envolvimento com a União Europeia, mas apenas na condição de que fosse abandonado o seu restrito cabaz de divisas. Entre outras coisas, tratar-se-ia da expectativa de que fossem aceites concessões em matéria de política comercial, como a aceitação de um yuan artificialmente barato, em grande parte graças às enormes reservas em dólares. Apesar de tudo isto os EUA manobram nos bastidores para que a ajuda dos estados BRICS seja limitada a operações de resgate formalizadas em euros. Com isto tudo, os brasileiros mantêm-se reservados, os indianos dispõem-se a agir apenas até um certo ponto, e os chineses só pensam atuar tomando como contrapartida dos seus milhares de milhões uma posição mais destacada na Organização do Comércio Mundial (OMC) e também, sobretudo, no FMI e no Banco Mundial, onde procuraria, com o apoio da UE, uma posição predominante. Esse poderia ser um acordo viável.

O Japão, ainda uma das maiores potências industriais, tem – apesar da sua enorme dívida estatal atingir os 220% do PIB – a mesma vontade manifesta de adquirir títulos de tesouro europeus. Para Tóquio está muito em jogo: a retirada dos investidores europeus do mercado de títulos japoneses ("títulos samurai”), ao mesmo tempo que a debilidade do euro constitui um nítido entrave para a economia japonesa exportadora.

*Michael R. Krätke, membro do Conselho Editorial de SINPERMISO, é professor de política econômica e direito fiscal na Universidade de Amsterdam, investigador associado ao Instituto Internacional de História Social na mesma cidade, e catedrático de economia política e diretor do Instituto de Estudos Superiores na Universidade de Lancaster no Reino Unido.