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O mundo vai se contar em que idioma?

A cada 15 dias, um idioma desaparece no planeta, por pressão dos deslocamentos populacionais, das políticas linguísticas de certos países, dos conflitos étnicos ou ainda do imperialismo anglo-saxão, cujo atrito já há muito causa desgaste à província francófona de Québec e seus 8 milhões de habitantes, em uma América do Norte que funciona em inglês. Quando uma língua desaparece, vai com ela toda uma cultura, e muitas vezes um povo.

Dos seis mil idiomas que são hoje falados no planeta, a maioria deve cessar de existir, na prática, antes do final deste século, de acordo com cálculos da Unesco; e isso impõe uma questão: dada a constatação acima, com que palavras a humanidade, que acaba de atingir o marco simbólico dos sete bilhões de pessoas, vai se contar, daqui por diante?

As supremacias do presente, do mandarim, espanhol, inglês, francês e árabe – cinco idiomas falados por 4 bilhões de pessoas no planeta – não serão automaticamente perpetuadas. Um exemplo? Em 2033, o peso demográfico do continente asiático deve equivaler a mais de 53% da população mundial, o que emprestará força e expandirá o alcance de idiomas como o híndi, o indonésio, o télugo ou o bengali, em um vasto mosaico cultural cada vez mais globalizado.

A tendência ainda é tímida, mas logo se tornará mais perceptível sob o efeito das massas humanas que crescem em determinados locais e dos aparelhos digitais de comunicação que permitirão expor especificidades culturais a todo o planeta.

Basta comparecer a um festival de cinema qualquer, não importa o país, para perceber a mutação em curso. A Ásia já produz mais longas-metragens que os Estados Unidos e a Europa, e isso é aparente. Nesses eventos de divulgação e competição, as criações coreanas, japonesas e chinesas adquirem importância cada vez maior. E também conquistam cada vez mais o afeto de um planeta sobremodo jovem.

O quadro narrativo de Bollywood – proveniente da Índia – está envolvido em empreitada semelhante, e nos últimos anos seu bom humor contagiante está expandindo seus atrativos para além das fronteiras naturais de seu mercado, a Paris, Toronto, Barcelona, Nova York, Montreal, Berlim, Buenos Aires. Também os mangás, gênero literário de origem japonesa, bem como os videogames, há alguns anos vêm criando as bases para um novo encadeamento cultural planetário, em constante evolução.

Essa tessitura vem sendo urdida nos idiomas previsíveis, que vivem em uma zona de instabilidade devido ao peso humano em queda livre da América do Norte e da Europa; no Oriente Médio, África e Ásia, ao contrário, o som da humanidade a se contar vem se amplificando de tal modo que começa a ser entendido em outras regiões, fazendo sombra aos idiomas em extinção, como o araki, de Vanuatu; o juhur, de Israel; o karone, do Senegal; o karaim, da Lituânia; e o cape khorkhoe, da África do Sul, todos eles a caminho da desaparição.

Fonte: Folha de S.Paulo