Sem categoria

Governo grego capitula à UE e anuncia cancelamento de referendo

O ministro de Finanças da Grécia, Evangelos Venizelos, disse nesta quinta-feira (3) que o país vai informar aos seus parceiros da União Europeia que planeja cancelar a realização de um referendo sobre a aceitação do segundo pacote de horrores contra o povo trabalhador grego, receitado e monitorado pelo FMI.

O primeiro-ministro do país, George Papandreou, já havia antecipado que iria desistir do referendo, manifestando esperanças de um acordo com a oposição de direita em apoio às duras medidas de austeridade que o país terá de adotar sob o “plano de ajuda”. Esperanças que se revelaram falsas.

Ultimato

Trata-se de uma capitulação pura e simples ao ultimato dado pelos líderes da União Europeia um dia antes (2), quando anunciaram o congelamento do suposto socorro à Grécia (é preciso dizer, a bem da verdade, que se trata de dinheiro para cobrir o pagamento de juros) até que o pacote de horrores seja aprovado.

Para justificar o recuo, Papandreou disse esperar a colaboração da oposição e seus correligionários chegaram a anunciar que o líder da legenda oposicionista Nova Democracia, Antonis Samaras, apoia o pacote. É um partido de direita, que perdeu as últimas eleições gerais no país para os "socialistas" e teoricamente seria mais cordial com a União Europeia.

Chantagem mal sucedida

Samaras, porém, desmentiu a informação, voltou a pedir a renúncia do governo e comandou uma retirada dramática da bancada que lidera no Parlamento no meio de um debate sobre a viabilidade da atual administração. Disse que o atual governo não tem mais qualquer credibilidade na Grécia ou no exterior e sugeriu que o primeiro-ministro andou mentindo. “Eu pedi ao senhor Papandreou para renunciar para que o país possa realizar eleições. Se ele entendeu que eu queria governar com ele, então entendeu errado”, afirmou o líder da oposição.

As pesquisas indicam que a direita sairia vitoriosa se eleições antecipadas forem convocadas neste momento de crescente desgaste e desmoralização do partido situacionista (social-democrata) e seu pusilânime chefe, George Papandreou, cujo recurso retórico à consulta popular não passou de um gesto chantagista para atrair a oposição de direita, que acabou mal-sucedido. A esta altura a renúncia do gabinete e convocação de novas eleições parece inevitável.

O plano europeu vai aprofundar a crise na Grécia (notemos que o país caminha para o quarto ano consecutivo de recessão) e o retrocesso dos direitos trabalhistas, de forma que a nação helênica amargará o aumento do desemprego, que hoje já castiga mais de 16% da população economicamente ativa, e a classe trabalhadora terá de engolir cortes adicionais de benefícios conquistados no passado.

Maioria contra o pacote

O caminho imposto pelos líderes da União Europeia, FMI e Banco Central Europeu (BCE), apelidados de “a troika”, não interessa ao povo grego e não passaria no teste do plebiscito. Mais de 60% da população rechaçam o pacote e votariam contra se fosse consultado, segundo informações divulgadas hoje (3) pelo jornal espanhol El País com base em pesquisa realizada na semana passada.

A lição que fica de tudo isto é a crescente aversão do capitalismo europeu à democracia. As coisas foram a um ponto que um dos editores do respeitado Frankfurt Allgemeine Zeitung, Frank Schirrmacher, escreveu um indignado artigo, intitulado “Democracia é lixo”, que teve os seguintes trechos reproduzidos no site Projeto Nacional, em artigo intitulado “Em causa, a democracia”, assinado por Fernando Brito:

“Consternação na Alemanha, na Finlândia, em França e até no Reino Unido. Consternação nos mercados financeiros e nos bancos. Consternação em toda a parte porque o primeiro-ministro grego, Georges Papandreou, põe a hipótese de um referendo para obter resposta para um problema decisivo para o destino do seu país.

Esta terça-feira [1 de novembro] pudemos ver, minuto após minuto, os banqueiros e os políticos brandirem a ameaça da queda das Bolsas. A mensagem era clara: se disserem sim, os gregos são idiotas. Quanto a Papandreou, agiu precipitadamente, porque lhes fez a pergunta. No entanto, antes que a espiral do pânico se descontrole, seria sensato tentar compreender, com algum distanciamento, aquilo que está a passar-se diante dos nossos olhos. É o espetáculo do abastardamento dos valores que, em tempos, se considerava serem encarnados pela Europa”.

Democracia de mercado

“Não somos capazes de ver que, cada vez mais, submetemos os processos democráticos à apreciação das agências de notação, dos analistas e dos agrupamentos bancários? Nas últimas 24 horas, todos esses atores foram assaltados com perguntas, como se tivessem alguma coisa a dizer sobre a vontade do povo grego de decidir o seu próprio destino”.

O fato é que, na crise, o capitalismo tende invariavelmente à reação política para impor goela abaixo dos povos os interesses do capital financeiro que estão não apenas divorciados dos da maioria como também, hoje, em flagrante contradição com o desenvolvimento das forças produtivas e, por isto, se traduzem em pacotes recessivos e, na Europa, no desmantelamento do Estado de Bem Estar Social.

Não é difícil enxergar na crise do capitalismo europeu o choque entre as relações de produção e as forças produtivas, que como dizia Marx origina as revoluções sociais que povoam as páginas da história. E nunca é demais lembrar que democracia tem apenas um valor fugaz, retórico e relativo para a burguesia europeia, que em passado não muito distante recorreu ao nazifascismo em defesa dos seus interesses coloniais e imperialistas. Vivia-se, então, sob o signo da Grande Depressão, deflagrada pelo Crash da Bolsa de Nova York em 1929, que vazou os anos 1930 e desembocou na 2ª Guerra Mundial.

Da Redação, Umberto Martins, com agências