A morte de Kadafi e o que esconde a imprensa burguesa
A morte do líder líbio Muamar Al Kadafi foi anunciada pelos grandes meios de comunicação ligados ao imperialismo como uma “vitória da democracia” e do “povo líbio” sobre um “ditador” e o seu governo “assassino”. Os principais políticos burgueses, entre eles, os criminosos de guerra Barack Obama e Nicolai Sarkozy celebraram a morte do líder líbio, comemorando de maneira macabra a morte de uma liderança que fora alvejada do poder de maneira brutal.
Por Gabriel Gonçalvez Martinez, em seu blog
Publicado 06/11/2011 15:03
Para justificar o ataque perpetrado pela OTAN, braço armado internacional das potências imperialistas, foi preciso realizar uma intensa operação de demonização de Kadafi e de seu regime, que nos últimos meses foi alvo intenso das deturpações e manipulações por parte dos meios de comunicação burgueses. Era necessário vender a imagem de que a Líbia vivia sob um regime ditatorial comandado por um ditador louco e sanguinário.
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Para as potências imperialistas, todos aqueles que contrariam de alguma forma os seus interesses são logo classificados como “ditadores” e “malucos”. Mas, que o imperialismo é agressor por sua própria natureza, já sabemos, portanto não nutrimos nenhuma ilusão em relação ao mesmo. No presente texto tentaremos analisar algumas características do discurso ideológico da burguesia em relação à Líbia e ao antigo governo do país, fundamentais para a construção de uma “opinião pública” simpática à queda e a execução sumária do líder líbio.
As transformações sócio-econômicos da Líbia Verde
Uma das principais características de anos de governo liderado por Muamar Al Kadafi foi a constante elevação do padrão de vida do povo líbio. Kadafi chegou ao poder do país africano em 1969, após liderar um golpe de estado promovido por jovens oficiais do Exército Líbio, insatisfeitos com a situação do país na época. O país até então era comandado pelo Rei Idris, monarca pró-imperialista que sempre fora um fiel cão de guarda dos interesses estrangeiros no país.
Durante o período em que Idris comandou o país a situação do povo líbio era crítica: mais de 80% da população era analfabeta e o Petróleo não trazia nenhum beneficio para o país, pois era controlado por empresas estrangeiras. Depois da derrubada do monarca um novo período se inicia na Líbia e começa um processo de transformações inspirados no pan-arabismo, conhecido como “Revolução de Al Fateh”. Durante o governo liderado por Kadafi o petróleo e o gás natural – principais recursos naturais do país – foram nacionalizados e os lucros obtidos por essas medidas foram revertidos à construção de infraestrutura e investimentos em educação e saúde.
A Líbia conseguiu se desenvolver, atingindo um patamar de desenvolvimento humano muito superior que a da maioria dos países africanos. O IDH líbio, por exemplo, até antes dos conflitos atiçados pelo imperialismo eram maiores dos que os do Brasil. Quase 100% da população do país possuía acesso à água potável e o índice de mortalidade infantil era baixíssimo para os níveis africanos (antes da revolução de cada 1000 crianças que nasciam, 100 morriam, número que abaixou para 16 depois das transformações empreendidas pela revolução líbia).
No que diz respeito à educação, milhares de escolas e universidades foram construídas. O sistema de ensino no país era universal e totalmente gratuito. Muitos estudantes líbios recebiam bolsas de estudos para se formarem no exterior, com todas as despesas pagas pelo governo de Kadafi.
A Líbia Verde e o direito das mulheres
As mulheres também obtiveram uma série de conquistas com a revolução liderada por Kadhafi. País de tradição islâmica, na Líbia as mulheres tinham total liberdade para se locomover pelo país – fato visto como uma heresia em países como Arábia Saudita e Kuwait. Também possuíam a liberdade para conduzir veículos, prática proibida na Arábia Saudita, ditadura monárquica-feudal amiga dos Estados Unidos e dos países europeus. Os casamentos forçados também foram abolidos no país.
As mulheres podiam escolher livremente com quem se casar. Em países como o Afeganistão, as mulheres que se recusarem a se casar com o homem escolhido por sua família podem ser presas. O direito ao divórcio também era garantido, fato que também é inadmissível em muitos países árabes e de tradição islâmica. As mulheres também exerciam um papel protagonista na sociedade líbia ocupando diversos postos que em outros países árabes são exclusividade dos homens. São cientistas, advogadas, professoras universitárias, médicas, funcionárias de governo, militares, etc. Óbvio que essas conquistas sempre incomodaram extratos mais conservadores do país, muitos dos quais atualmente fazem parte do autoproclamado “Conselho Nacional de Transição” (CNT).
Para que todos estes direitos fossem conquistados e assegurados, foram necessários anos de empenho por parte do estado líbio. São conquistas democráticas importantes, já que estamos falando de um país de larga tradição islâmica, conservadora e tribal. Alguns poderão afirmar que esses direitos continuarão existindo no país com o novo governo títere do CNT, mas os fatos recentes apontam o contrário.
Como foi noticiado pela própria imprensa burguesa, uma das primeiras medidas do governo imposto pela OTAN foi justamente a de anunciar que a Lei Islâmica (Sharia) será a base da constituição e das leis do país. As mudanças que o líder líbio impôs ao islamismo em seu país lhe renderam criticas por parte das autoridades religiosas do Irã e outros grupos islâmicos conservadores. Lembremos que o Irã e grupos terroristas como a Al Qaeda saudaram a morte de Kadafi e desde o começo apoiaram os rebeldes da CNT.
Democracia ou ditadura?
Apesar de não ser de hoje que os países imperialistas consideram o regime liderado por Kadafi uma ditadura, para poderem vender ao mundo de maneira mais eficiente a ideia de que os bombardeios da OTAN e o apoio explicito a terroristas armados era uma necessidade, as potências dominantes, em especial Estados Unidos e França, utilizaram, como sempre, os seus meios de comunicação de massas, a exemplo de como agiram em relação ao regime de Saddam Hussein.
Tornou-se verdade absoluta que a Líbia era uma ditadura brutal que reprimia em larga escala sua população. A intervenção da OTAN, inclusive, foi toda feita em nome da “liberdade dos civis” que supostamente estaria sendo reprimidos pelo governo de Kadafi. Milhares de noticias falsas foram inventadas, chegando a divulgar de maneira criminosa que o governo de Kadhafi teria assassinado mais de 40.000 pessoas.
Mentira criminosa, deslavada e que até agora não foi desmentida por nenhum meio de comunicação atrelado ao grande capital. Para citarmos um exemplo, foi divulgado em larga escala a descoberta de um “cemitério”, uma vala comum, onde teriam encontrado ossadas de pessoas que supostamente teriam sido executadas pelo governo de Kadhafi.
Esta notícia foi divulgada amplamente pelos principais jornais e telejornais pró-imperialista, como uma prova da brutalidade de Kadafi. Porém, mais tarde, descobriram que as ossadas encontradas eram de camelos e não de humanos. Óbvio que os meios de comunicação, ainda que não todos, limitaram-se a desmentir de maneira bem tímida a informação.
Mesmo que reconheçam o “erro”, segundo a maioria dos jornalistas e analistas políticos serviçais do capital, isto não exclui o fato de que o regime vigente na Líbia era uma ditadura. É normal que a maioria dos jornalistas e “formadores de opinião” bem pagos tenham a mesma concepção do que os seus patrões sobre o que é democracia e o que é ditadura. Democracia, para eles, é todo aquele país onde existem “eleições livres”, “liberdade de imprensa” e “pluripartidarismo”. Possuem como referência máxima de democracia o país mais agressor e promotor de guerras da história, que é os Estados Unidos.
Como falarmos em “eleições livres” em um país onde todo o sistema eleitoral está atrelado ao grande capital? Quanto Barack Obama gastou para se eleger presidente? Como falarmos em “liberdade de imprensa” em um país onde todos os grandes meios de comunicação defendem a mesma coisa, ou seja, o capitalismo e as guerras imperialistas? Como falarmos em “pluripartidarismo” em um país que apenas dois partidos se revezam no poder há mais de 200 anos? Partidos, aliás, que também defendem a mesma coisa, atuando como duas tendências políticas de um mesmo partido: o partido do grande capital.
Mas, como o objeto de nossa analise é a Líbia, e não os Estados Unidos, o que realmente existia na chamada Jamahiriya Árabe Popular Socialista da Líbia? O país era democrático ou, como apregoam as classes dominantes, uma ditadura? Na Líbia, em 1977, a figura de “chefe estado” foi abolida e o poder passou para as mãos do chamado Congresso Geral do Povo. Esta medida foi tomada levando em consideração a vontade do governo líbio em construir uma “democracia direta”.
A aplicação desta medida visava transformar todos os cidadãos do país em membros do governo, participando através de Assembleias Populares formadas por grupos políticos organizados em bairros, aldeias e locais de trabalho. As Assembléias Populares também eram responsáveis por eleger fiscalizar as ações dos Comitês Populares.
Os Comitês Populares eram responsáveis pela eleição de 400 delegados para o Congresso Geral do Povo, órgão que possuía o poder máximo de decisão na Líbia. Sendo assim, a partir dessa época Kadafi deixa de ocupar cargos executivos no governo do país e torna-se uma espécie de “guia espiritual” da revolução líbia. Uma liderança com bastante prestigio dentro de seu país, que exercia uma enorme influencia nas decisões tomadas pelo CGP, mas que de modo nenhum estava acima das leis do país.
Idealizar a realidade é uma prática bastante cara aos liberais de diversos matizes. Como apologistas da sociedade burguesa, precisam inventar os mais variados tipos de ideias que colocam a democracia-burguesa ocidental como última etapa da história política do ser humano.
Todas as experiências que contradizem de alguma forma o modelo de “democracia” ocidental são demonizados, pouco importando se o que dizem é verdade ou mentira. Na Líbia, obviamente, o que existia na Jamahiriya Árabe Popular Socialista da Líbia não era uma democracia de tipo ocidental, mas inegavelmente era um estado que incorporava vários elementos de participação popular e, portanto, democracia direta, em suas estruturas políticas.
Falar em “ditador Kadafi” aqui é irrelevante. Na Líbia existia forte participação popular nos assuntos políticos, ou seja, de uma forma ou de outra, existia democracia, apesar de não ser uma democracia bem vista pelos nossos intelectuais “livres” muito bem pagos pelo imperialismo. No entanto, não se trata aqui de idealizar também o sistema político líbio, que possuía uma série de deficiências, como, por exemplo, a influência religiosa do islã, que contribuiu para a disseminação de práticas conservadoras por parte do estado.
Ainda que o líder líbio e o seu regime tivessem grandes defeitos, nos últimos meses Kadafi demonstrou que é um verdadeiro gigante perto de bactérias como Cameron, Sarkozy e Berlusconi. Kadafi morreu de armas nas mãos, lutando e chamando o povo para a resistência. Morreu lutando pelas mesmas ideias que o motivaram desde a juventude, quando com seus 27 anos, liderou o golpe de estado anti-monarquista que derrubou Idris. Morreu lutando pela independência e soberania da Líbia. Será que algum dos bandidos internacionais que o assassinaram teriam coragem de fazer algo parecido? Seus atos e suas ideias já nos dão a resposta.
A guerra promovida pela OTAN e pelos países imperialistas não foi uma guerra pela democracia, mas sim uma guerra de rapina, foi um tipo clássico de guerra imperialista. O povo líbio foi durante mais de seis meses massacrado por bombardeios, que mataram milhares de inocentes e destruíram a infraestrutura do país, fruto de anos de políticas anti-imperialistas e populares.
Os terroristas – chamados de “rebeldes” pela imprensa burguesa – mostraram uma verdadeira selvageria na medida em que “avançavam” no território líbio, graças apoio intensivo da OTAN. Mataram e ainda estão matando sumariamente qualquer pessoa suspeita de ser simpatizante do regime de Kadafi, assim como também estão massacrando a população imigrante negra proveniente da Nigéria e do Chad, acusando-os de “mercenários” que trabalhavam para o regime do líder assassinado. Impuseram um regime abertamente terrorista, disfarçado de democrático e com apoio intensivo das principais potências. Tudo isso com beneplácito da imprensa, jornalistas e os seus intelectuais mercenários de todos os países. Qual será o próximo alvo?