Economista avalia crise monetária mundial

Por David Fialkow

Outrora, dizia-se que, a grosso modo, a economia mandava na política. Hoje, com o crescimento sem limites do capital financeiro no mundo, são precisamente as instituições financeiras as que dão as cartas na economia. E isso se reflete na política.

david fialkow - Acervo/Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul

Viu-se isso na crise de 2008, em que governos destinaram trilhões de dólares para salvar bancos, seguradoras e outros gigantes das finanças. Foi o que fizeram os EUA, os países da Europa e o Japão. E, para isso, sequer respeitaram as razões de ferro que diziam e exigiam professar. Pugnavam a não intervenção do Estado na economia, mas rapidamente nela injetaram trilhões de dólares, baixaram os juros a zero, etc. Jactavam-se de não ajudar empresas (quem não se lembra da expressão “cartório” com que designavam as empresas no Brasil e no Terceiro Mundo), mas aportaram cifras astronômicas para salvar bancos, seguradoras e fábrica de automóveis. Condenavam a emissão de moeda, que diziam inflacionária, mas promoveram a maior impressão de verdinhas de que se tem notícia, em sucessivos “afrouxamentos monetários” (QE1 e QE2). Cultuavam a independência do Banco Central, mas o mesmo nos EUA não só atuou em sintonia com as autoridades do governo, senão que chegou a requintes de passar por cima de normas para obedecer às demandas governamentais.

Note-se que o poder do capital financeiro é tal, que “os mercados” exercem pressão para a manutenção ou queda de governos.

A rigor, a crise iniciada em 2008 não foi superada, ameaçando tornar-se crônica nos países desenvolvidos. Recentemente, essa crise entrou em nova fase aguda, com destaque para os problemas de insolvência de governos europeus, que ameaçam afetar grandes bancos credores. Explique-se que, em 2008, aqueles governos despejaram bilhões de euros para socorrer os bancos. Para isso, os governos aumentaram enormemente suas dívidas, a tal ponto, que está cada vez mais difícil honrar os compromissos dessas dívidas. O problema é que se algum governo não consegue pagar suas “prestações”, são os bancos credores que sentem o baque, ou seja, o que era um “crédito a receber” transforma-se em mico (Crédito de Liquidação Duvidosa). Como estão envolvidos valores de grandes dimensões, a proporção do rombo nos balanços dos bancos também é elevada. Só a Grécia precisaria pagar 240 bilhões de euros. Se a ela somarem-se Irlanda, Portugal e Espanha, a conta se aproxima de 1 trilhão de euros. A dívida da Itália é superior ao dobro desse total. Por isso, a pressão do “mercado” para que as autoridades européias constituam um “pacote de socorro” de cerca de 2 trilhões de euros.

Só que a contrapartida desse “socorro” implica enormes sacrifícios ao socorrido.
Os governos precisam assegurar às autoridades monetárias centrais que terão como honrar as prestações do “socorro” recebido, durante décadas. Para isso, os governos precisam uma “sobra de caixa”, ou seja, garantir receitas superiores aos gastos para, com a sobra, pagar os débitos negociados. E, como obter essa sobra (superávit)? Elevando impostos e diminuindo gastos.

Só que isso prejudica a população. Mais impostos têm o efeito de reduzir o valor da renda real, ou seja, um mesmo salário compra menos bens e serviços. Isso, além de piorar a vida do trabalhador, gera retração no consumo, que encolhe o emprego e reduz a produção, e assim por diante, num efeito espiral para baixo. Corte de gastos do governo obtém-se com demissões, menos obras e menor prestação de serviços. De novo, o povo sofre pela queda dos serviços, pelas demissão e, pela falta de obras que significam menos geração de empregos (que atenderiam a essas obras), com efeitos também recessivos. Isso, num momento em que a economia está semi-estagnada, com a população ansiosa por algum auxílio do poder público para aliviar o sufoco, equivale aos governos dizerem que vão aumentar os sacrifícios das suas populações.

Tome-se o caso da Grécia. Lá o governo, para ter direito ao “socorro”, se prepara para cortar salários, aposentadorias e pensões, diminuir serviços públicos essenciais, aumentar impostos. Isso numa sociedade com elevado desemprego, em razão da crise crônica iniciada em 2008. Além disso, os credores exigem em troca também a privatização de empresas importantes da nação grega, emasculando as possibilidades de desenvolvimento próprio dos helenos.

E, visto que tais brutalidades possam não ser toleradas pelo povo grego, exigem alinhamento incondicional da política nacional em torno dessas propostas. Isso explica a reação violenta, internacional, contrária à idéia de submeter a “ajuda” ao plebiscito popular. A democracia aparece como letra morta diante dos desígnios do capital financeiro. Onde já se viu o povo ser consultado sobre temas tão importantes e de tamanha repercussão na vida dos cidadãos gregos e na soberania de seu país? No cardápio da democracia ao feitio neoliberal, nem pensar. Quando muito, democracia reduzir-se-ia ao duelo de peças publicitárias e desfile das vísceras da intimidade dos candidatos a cada quatro ou cinco anos, nada de temas cruciais e relevantes à vida da população.

Detrás dessa democracia de fachada repousa o verdadeiro regime do neoliberalismo, a plutocracia de um punhado de magnatas das finanças, que submete a seus interesses mesquinhos países inteiros, povos, quase todo o planeta.

Mas, a influência das finanças na política vai mais longe. Exige a renúncia de Papandreau, não só porque teria, na opinião do “mercado”, vacilado ao propor o plebiscito, mas também porque a dureza e a longa duração das medidas exigem um governo capaz de enfrentar turbulências, protestos, etc. E é dessa fonte que brota a necessidade de governo de coalizão, unindo amplas forças que sirvam como uma muralha a deter a justa e sagrada reação popular.

Movimento idêntico está ocorrendo na Itália, em que o primeiro-ministro Berlusconi, de extrema direita, mesmo não oferecendo resistência maior, não demonstra força suficiente para garantir a continuidade de “acordo” tão nefasto e que dure mais de uma década. Quanto mais próxima sua saída, melhor ficam os “mercados”.

E, a “ajuda” na verdade se converte em socorro aos bancos credores, porque sequer um centavo dela vai parar nos cofres gregos ou italianos, já que a totalidade dos créditos servirá para pagar os débitos dos governos com os bancos. É para isso todo esse esforço e sacrifício desses povos e nações! Por longos períodos. Isso realmente pode ser chamado de ajuda?

Mais provável que a verdadeira democracia esteja se gestando nas ruas da Grécia e da Itália, nos movimentos de protesto da Espanha e em Londres, no ocupem Wall Street em todos os estados dos EUA. E também esteja se construindo nas várias experiências dos emergentes, cada um a sua maneira e a seu tempo.

* David Fialkow é economista do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul